“América Média”: povos resistindo contra um passado colonial que perdura, com imposição e violência

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Quando pensamos nos países que vão do sul do México ao Panamá, estamos acostumados a falar da América Central. Isto é, em nosso imaginário, usaríamos esse nome para situar o território que se encontra entre a região Sul e a região Norte do continente americano. No entanto, as histórias, culturas, economias e políticas dessa região contam uma história diferente e nos obrigam a refletir para além de seus limites e definições.

Administrativamente, a América Central inclui sete países – Guatemala, Belize, El Salvador, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá –, mas alguns historiadores ainda definem a região segundo os limites estabelecidos por um dos vice-reinados da colônia espanhola, ou seja, os atuais Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica.

Além disso, a antropologia definiu como Mesoamérica os territórios que vão desde a metade sul do México, os territórios de Guatemala, Belize e El Salvador, assim como o oeste de Honduras, Nicarágua e Costa Rica, onde se estabeleceram os grupos das regiões pré-colombianas do México e do Caribe – como os povos maias, lencas, pipiles, kunas, chorotegas, nasos, bribris, entre outros – e que habitam estas terras há milênios. Este uso de Mesoamérica não pode ser confundido com o uso por organizações internacionais do mesmo nome e que pretendia uma “integração” econômico destinada a expandir o comércio neoliberal nesses territórios.

Mas a história oficial, antropológica e colonial não considera as várias outras histórias que os povos, as culturas e as geografias nos contam. Aquelas que têm a ver com os intercâmbios culturais e políticos, as lutas de resistência, as percepções e as formações de lugares sagrados, de territórios, e que dão um sentimento de pertencimento a essa “América Média”, no sentido amplo da palavra, do sul do México ao Panamá.

Essa “América Média”, então, é um território definido e redefinido ao longo dos anos por seus povos e culturas. Nesse tempo, no entanto, e principalmente desde a época da colonização, seu papel tem sido de área de disputa territorial entre as grandes potências europeias – às quais os Estados Unidos se juntaram no final do século XIX, com o objetivo de explorar e controlar seus “recursos naturais”. Sua localização é estratégica, pois permite cortar caminho na comunicação entre os oceanos Atlântico e Pacífico por via marítima. Além disso, é uma zona de altíssima biodiversidade em termos de florestas e mangues, solos férteis, ricas reservas de água doce, bem como enormes reservas de petróleo e minerais.

Durante pouco mais de um século, esses territórios têm sido modulados por movimentos de libertação e emancipação social, seguidos por ditaduras militares sangrentas. A violência política e a perseguição social intensas que perduram até hoje não impediram que as lutas de resistência continuassem se multiplicando em todos os cantos. No entanto, hoje em dia, com os movimentos e organizações de base voltados principalmente para a defesa dos territórios e contra a imposição de um modelo extrativista destrutivo, os níveis de violação dos direitos humanos e coletivos dos povos são alarmantes.

Este boletim tem como objetivo apoiar e honrar esses povos diversos e suas lutas de resistência. Portanto, é dedicado a refletir sobre essa “América Média”, ou seja, os territórios definidos por seus povos, histórias e lutas, que vão desde o sul do México até o Panamá. De mãos dadas com organizações aliadas nesses territórios, o WRM tem procurado destacar as imposições e as lutas que, há muitos anos, os povos vêm travando em defesa de suas florestas, terras e culturas.

O impulso para expandir as plantações de monoculturas, as concessões de mineração e petróleo, os projetos de “conservação” do tipo REDD+, as hidrelétricas, os projetos de infraestrutura, entre outros, tem sido acompanhado por uma repressão violenta – com impunidade quase total – às pessoas cada vez mais numerosas que resistem a esse modelo econômico a serviço do grande capital. Nas palavras de Berta Cáceres, líder indígena assassinada em Honduras, cujo legado transcendeu os territórios da “América Média”, “a Mãe Terra, militarizada, cercada, envenenada, onde os direitos básicos são sistematicamente violados, exige a nossa ação. Vamos construir sociedades capazes de coexistir de uma forma justa, digna e em nome da vida. Vamos nos unir e continuar, com esperança, defendendo e cuidando do sangue da terra e seus espíritos”.

Esperamos que este boletim ajude a dar visibilidade a essas lutas e, assim, a compreender melhor os diversos processos que pretendem se impor nesses territórios.