Árvores Frankenstein: plantações de árvores transgênicas ameaçam florestas e comunidades

Árvores transgênicas estão sendo desenvolvidas para ampliar o atual desastre das plantações industriais. Porém, após mais de 30 anos de pesquisa, essas árvores só foram aprovadas em dois países. Os álamos negros projetados para matar insetos foram plantados em 450 hectares na China, e eucaliptos transgênicos de crescimento mais rápido, desenvolvidos pela FuturaGene, subsidiária da Suzano, foram aprovados para plantação no Brasil, embora a empresa alegue que o plantio ainda não começou. Outras pesquisas estão sendo feitas no Brasil para produzir árvores transgênicas resistentes ao congelamento e tolerantes a herbicidas. O Departamento (Ministério) de Agricultura dos Estados Unidos propôs legalizar o eucalipto transgênico tolerante ao congelamento para ser plantado em todo o sul do país. No Chile, estão sendo pesquisadas árvores transgênicas tolerantes a insetos.

A indústria de produtos florestais afirma que as árvores transgênicas não prejudicam o meio ambiente, alegando que elas diminuirão a quantidade de herbicidas e pesticidas tóxicos usados nas plantações, salvarão as florestas nativas, mitigarão o aquecimento global, substituirão os combustíveis fósseis e até mesmo limparão locais de descarte de resíduos tóxicos. Mas, na realidade, as árvores transgênicas vão piorar os impactos já graves das plantações industriais de árvores, incluindo a destruição da biodiversidade, o esgotamento da água doce e dos solos, a aceleração das mudanças climáticas, o deslocamento forçado de pequenos agricultores e comunidades indígenas que vivem na floresta, além de graves efeitos sobre a saúde humana. A verdadeira motivação é o lucro.

O vento pode transportar o pólen das florestas por centenas de quilômetros. A liberação de árvores transgênicas levará a uma contaminação genética generalizada de florestas nativas e plantações não transgênicas, trazendo todos os seus impactos perigosos, inclusive muitos que não podem ser previstos. As descendentes de árvores contaminadas se tornariam contaminantes, em um ciclo incessante e irreversível.

As falsas promessas das árvores geneticamente modificadas: lições das lavouras transgênicas

Árvores tolerantes a herbicidas: as culturas transgênicas, modificadas para tolerar aplicações de herbicidas tóxicos, resultaram em aumentos de até três vezes no uso desses herbicidas. O uso de árvores transgênicas tolerantes aos herbicidas teria consequências potencialmente graves para comunidades próximas. As plantações dessas árvores seriam pulverizadas a partir do ar, fazendo com que o spray fosse levado pelo vento a áreas vizinhas onde poderia ser inalado. Também poderiam contaminar as fontes de água e alimentos das comunidades. Nas lavouras transgênicas, essa aplicação gerou “ervas daninhas” resistentes aos herbicidas, que levaram ao uso de herbicidas muito mais tóxicos, incluindo o 2,4-D, o ingrediente ativo no Agente Laranja.

Árvores resistentes a insetos: A ideia de árvores projetadas para matar insetos transforma toda a árvore em um pesticida. Nas lavouras, isso causou a evolução de “superinsetos” resistentes aos pesticidas que, por sua vez, resultam no uso de mais pesticidas, mais tóxicos. Essas árvores transgênicas também prejudicariam os insetos benéficos – e talvez outros animais e pássaros que se alimentem dos insetos-alvo.

Árvores de crescimento mais rápido: As árvores projetadas para crescer mais rapidamente trazem benefícios óbvios para a indústria de celulose e papel, cujo lucro está ligado a rotações rápidas. Porém, longe de ajudar a aliviar a pressão sobre as florestas nativas, essas plantações de árvores de crescimento rápido vão esgotar em pouco tempo as águas subterrâneas e os solos, e acelerar a conversão de florestas nativas em novas plantações. A fuga do gene de crescimento mais rápido para as florestas permitiria que as árvores transgênicas vencessem a competição com outras e, como essas árvores transgênicas não são nativas e são invasivas – como o eucalipto – elas poderiam facilmente não deixar espaço para plantas e animais nativos e impactar as comunidades que dependem das florestas nativas.

Contrariamente à propaganda da indústria, a intensificação das plantações de árvores não ajudou a proteger as florestas, mas levou à sua destruição acelerada. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a FAO, publicou um estudo que constatou que, entre 1990 e 2010, a quantidade de madeira colhida por hectare de terra aumentou em 50%, mas a quantidade de terras cobertas por plantações de árvores aumentou 60%.

Não surpreendentemente, os Estados Unidos cumprem um papel de liderança no desenvolvimento dessa tecnologia perigosa, com a empresa norte-americana ArborGen visando regiões do sudeste norte-americano, bem como o Brasil, para suas plantações de eucaliptos transgênicos.

As florestas do sul dos Estados Unidos abrigam uma abundante diversidade de plantas e animais e bacias hidrográficas intactas, com muitas espécies que não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo. Mas a pressão por pellets de madeira para abastecer as instalações de biomassa europeias levou a cortes rasteiros e rápidos de florestas nativas na região. A introdução dos eucaliptos transgênicos da ArborGen para alimentar a biomassa aceleraria ainda mais esse desmatamento.

A ArborGen também enfatizou o papel fundamental do Brasil em seus planos para as árvores transgênicas, chamando o país de sua “geografia mais importante”. De 2002 até 2012, a diretora-presidente da empresa foi Barbara Wells, que havia chefiado a divisão de soja Roundup Ready da Monsanto no Brasil.

Com o seu potencial para devastar ecossistemas e comunidades em todo o mundo, e sem avaliações de risco minuciosas, a liberação de árvores transgênicas deve ser proibida.

Resistências locais contra as árvores transgênicas

No Brasil, no Chile e em todo o mundo, comunidades rurais e indígenas dependem de florestas nativas intactas para seu sustento, sua cultura, seu abrigo, sua água, seu combustível e sua alimentação. As plantações não podem atender a essas necessidades. Nos países onde as florestas nativas foram removidas e se desenvolveram plantações industriais de monoculturas de árvores, a biodiversidade e as comunidades indígenas e rurais pagam um preço alto. As árvores transgênicas, justificadas como uma solução para a crescente demanda por produtos de madeira, ampliarão esses problemas.

Em muitos países – Chile, Brasil, Indonésia, África do Sul – as plantações para obter madeira começaram ou se expandiram rapidamente durante os regimes autoritários. No entanto, as empresas continuam tomando terras e expandindo as plantações sob os paradigmas econômicos neoliberais que floresceram nos anos pós-autoritários.

No Chile, por exemplo, a expansão das plantações forçou as comunidades mapuches indígenas em direção a terras de baixa qualidade. As comunidades perdem o acesso à água durante a temporada de plantações do verão e precisam depender de caminhões de água. Algumas perderam todo o acesso à água. A contaminação das águas terrestres e superficiais por pesticidas e herbicidas usados nas plantações resulta em níveis crescentes de doenças em suas comunidades. Uma situação semelhante está ocorrendo no Brasil, nas comunidades rurais e indígenas onde as plantações de árvores estão localizadas.

Desde a explosão das plantações na terra Mapuche, os índices de pobreza entre essas comunidades aumentaram muito. Em Lumaco, uma das regiões mais pobres do Chile, 60% da população vivem abaixo do nível de pobreza e 33%, em extrema pobreza.

Aqueles que se opõem às plantações estão sujeitos à repressão política. No Chile, os ativistas mapuches são submetidos a leis “antiterrorismo” criadas pelos militares para suprimir a oposição ao regime ditatorial de Pinochet. O uso dessas leis nos julgamentos dos mapuches foi amplamente condenado, inclusive pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Relator Especial da ONU para os Direitos Humanos.

Ao mesmo tempo em que há pressão pela introdução das novas árvores transgênicas no Brasil, com o recente golpe de estado e a tomada do poder pelo presidente de direita, Temer, a situação das comunidades rurais, sem terra e indígenas é cada vez mais difícil.

A organização para enfrentar as árvores transgênicas no Chile, no Brasil e nos Estados Unidos vem acontecendo desde o início dos anos 2000. No Brasil, milhares de mulheres da Via Campesina e do Movimento Sem Terra (MST) comemoraram o Dia Internacional da Mulher, em várias ocasiões, destruindo eucaliptos e mudas de árvores transgênicas, mostrando o papel importante que as mulheres têm na defesa de territórios e na resistência a quem ameaça seus meios de subsistência e suas comunidades.

Anne Peterman, anne [at] globaljusticeecology.org

Global Justice Ecology Project, http://globaljusticeecology.org/