Camboja: Pavimentando terras florestais para resorts de jogo

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O maior parque nacional do Camboja, BotumSakor, vai receber um projeto de infraestrutura de 340 km2, liderado pela empresa imobiliária Tianjin Union DevelopmentGroup, do norte da China. Florestas biodiversas serão transformadas em um resort de jogo do tamanho de uma cidade para “festejos e folias extravagantes”, e os moradores locais já estão sendo forçados a sair de suas casas.

Os planos do Union Group incluem uma rede de estradas, com uma rodovia de quatro pistas, um aeroporto internacional, um porto para grandes navios de cruzeiro, dois reservatórios, condomínios, hotéis, hospitais, campos de golfe e um cassino. Os canteiros de obras ao longo da rodovia de 64 km abrigam engenheiros chineses e são protegidos por soldados cambojanos. O acesso à área do resort propriamente dito está bloqueado por um guarda provincial do parque, apoiado por policiais do exército.

O projeto pretende mudar os moradores remanescentes para casas situadas cerca de 10 km no interior. No entanto, como um deles descreveu, a nova área não tem “trabalho, nem água, nem escola, nem templo. Apenas malária.” NhornSaroen, 52 anos, estava entre as centenas de famílias que já foram removidas. “Nos disseram que era terra chinesa e que não podíamos cortar uma única árvore”, diz ele. “Algumas pessoas se recusaram a sair. A terra delas foi tomada e agora elas não têm nada.” Ele recebeu uma casa em uma vila construída com esse propósito, muito longe da costa, o que lhe tirou seu principal meio de subsistência: a pesca. Outro morador disse que as florestas atrás de sua casa nova pertencem à empresa chinesa: “Se nos atrevermos a cortar um pedaço de uma árvore, podemos ser presos ou ter de pagar uma indenização de cerca de 100 dólares por árvore, segundo as autoridades locais”.

No ano passado, o governo cambojano deu as chamadas concessões econômicas de terra a dezenas de empresas, para que construíssem em 7.631 km2, a maior parte em parques nacionais e santuários da vida selvagem. A área de concessões aumentou seis vezes entre 2010 e 2011, em parte como reflexo da influência econômica da China, que se espalha mais fundo no Sudeste Asiático.

Concentração de terras, exploração ilegal de madeira e despejos forçados têm sido comuns no Camboja, mas, ao fazer as concessões de terra, o governo legalizou efetivamente essas práticas nas últimas áreas selvagens do país. “Lá é a minha terra desde a geração dos meus avós”, diz SreyKhmao, 68 anos, de ThmarSar. “Eu vivia pacificamente lá até o Union Groupameaçar os moradores e mandar que eles retirassem seus pertences.”

A lei de terras de 2001 no Camboja proíbe concessões econômicas de terra superiores a 10.000 hectares, mas o Union Group ganhou um contrato de arrendamento por 99 anos, graças a um decreto real de 2008, que retirou 36.000 hectares de BotumSakor e os redefiniu. No mesmo ano, foi assinado um contrato entre o Ministro do Ambiente e o chefe do conselho de administração do Union Group. A empresa recebeu mais 9.100 hectares adjacentes no ano passado para construir uma hidrelétrica.

Uma porta-voz do Union Grupo disse que sua rede rodoviária foi bem recebida por pessoas na área. “Os moradores disseram que finalmente viam estradas reais e carros”, diz ela. “Nesse sentido, eu acho que nós contribuímos para o Camboja”. A China é o maior investidor estrangeiro e a maior fonte de ajuda externa. Essa ajuda, muitas vezes sob a forma de projetos de infraestrutura incondicionais, fez com que o primeiro-ministro Hun Sen dependesse menos de doadores ocidentais.

Mapas produzidos pelo grupo cambojano de direitos humanos Licadho mostram enormes arrendamentos no coração de santuários da vida selvagem, como Boeng Per e Phnom Aural, enquanto 19 concessões engoliram quase todo o parque nacional de Virachey, na remota fronteira do Camboja com o Laos e o Vietnã. No entanto, as concessões e os projetos de infraestrutura estão enfrentando fortes focos de resistência. “A empresa chinesa está ameaçando os nossos povoados. Nós nos recusamos a deixar as nossas casas na área”, denuncia a mulher, atemorizada pelo despejo.

Ferrovias para a mineração

Uma ferrovia de 400 km e um novo porto estão planejados para a província de PreahVihear, no Camboja. Para as populações locais, esses projetos implicarão graves impactos ambientais e sociais, bem como a perda de terras tradicionais e do acesso a recursos Além de tudo isso, a ferrovia e o porto vão atender principalmente às necessidades das indústrias de mineração na região.

O Cambodia Iron and Steel Mining IndustryGroup, ou CISMIG, tem uma licença do governo para explorar cerca de 130.000 hectares com minério de ferro, perto da cidade de Rovieng, província de PreahVihear. Em janeiro de 2013, o CISMIG assinou um acordo com duas empresas estatais chinesas para construir 400 km de ferrovias e um porto, conectando uma planta de processamento de aço na província de PreahVihear, no norte, a um novo porto na província de Koh Kong, no golfo da Tailândia, no sul.

Existem várias empresas com direitos de exploração em PreahVihear e em províncias vizinhas. Ainda não há minas grandes em atividade na área, mas é possível que futuras minas de minério de ferro forneçam matérias-primas à usina de aço do CISMIG. Além disso, as minas que produzem outros tipos de minerais podem tentar usar os trilhos da ferrovia para transportá-los das províncias remotas do norte e do nordeste. Além disso, de acordo com o presidente do CISMIG, o porto será capaz de lidar com cerca de 50 milhões de toneladas de mercadorias por ano.

É muito difícil prever quantas pessoas e quais áreas serão diretamente afetadas pelo projeto, devido à pouca informação disponível ao público. A rota exata da ferrovia ainda não está clara, embora, com mais de 400 km, possamos esperar que ela afete uma quantidade considerável de terras sendo usadas por cambojanos para agricultura e/ou residência.

A cidade de Rovieng está localizada muito perto da já ameaçada floresta de Prey Lang. Mais infraestrutura também pode contribuir para a expansão de outras indústrias na região, bem como ao longo da rota ferroviária, aumentando ainda mais a pressão sobre a floresta e bacias hidrográficas vitais. Muitos moradores da região de Rovieng são de povos indígenas, e já há casos de comunidades entrando em conflito com as empresas de mineração que exploram a área.

No outro lado, a cidade costeira de Koh Kong ainda tem muitas florestas e, para chegar à costa, a linha ferroviária teria que passar pelo Parque Nacional de BotumSakor. Dependendo da rota da estrada de ferro, ela também pode atravessar ou ter impacto sobre o Santuário da Vida Selvagem de Beng Per, o Santuário da Vida Selvagem Aural, a Área Protegida das Montanhas Centrais do Cardamomo e a Floresta Protegida de Koh Kong. A ferrovia também teria que passar pelas concessões de terras do UnionDevelopmentGroup(1). As obras estão suspensas atualmente, apesar de planos para começar a construção no ano passado devido a problemas de financiamento (2). No entanto, o projeto, que espera concluir as obras até 2017, seria a maior infraestrutura de “desenvolvimento” na história do Camboja.
Informações extraídas do artigo e vídeo de Andrew Marshall and Prak Chan Thul, Reuters, “Insight: China gambles on Cambodia’s shrinking forests”, www.reuters.com/article/2012/03/07/us-cambodia-forests-idUSTRE82607N20120307; e do documento da Equitable Cambodia e Focus on the Global South, “The Chinese North-South Railway Project”, http://focusweb.org/sites/www.focusweb.org/files/Cambodia-China-Railway-Development-BRIEF-EN.pdf

 

Notas:

 

(1) Daniel Carteret, 22 de april de 2014, The Phnom Penh Post, http://www.phnompenhpost.com/business/lack-funds-delays-railway

(2) Idem.