Camponeses e camponesas: em busca do reconhecimento de seus direitos

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Campesinos

Desde a sua fundação, o WRM trabalha com direitos humanos na hora de denunciar os distintos processos de desmatamento por extração de petróleo, mineração, exploração de madeira, construção de represas e megaemprendimentos, expansão de monocultivos florestais e agronegócio em geral. Em cada um dos casos denunciados, os direitos de comunidades que vivem na floresta ou dela dependem são sistematicamente violados.

A continuidade e a identidade dessas comunidades se veem ameaçadas, elas próprias, não apenas pela destruição da floresta, mas também por esquemas conservacionistas que querem florestas vazias, sem comunidades. Esses projetos reducionistas, com fins lucrativos, negam a história e se impõem, às vezes com manipulações, outras, à força, destruindo todos os direitos: os de primeira geração (direitos civis e políticos), os de segunda geração (econômicos, sociais e culturais), os de terceira geração (direitos de solidariedade, que enfatizam o caráter unificador de sua incidência na vida de todos e incluem o direito a um meio ambiente são, ar puro, água limpa e alimentos não contaminados).

A atual situação de concentração e expansão do capital, principalmente no marco do mercado financeiro, deu lugar a processos de mercantilização e financeirização da natureza, onde a concentração de terras adquiriu um papel cada vez mais preponderante. Esse avanço dos grupos empresariais e a especulação sobre os territórios se deram à custa da expulsão e da expropriação das comunidades camponesas, amplamente ignoradas e expulsas, apesar de que serem 1,2 bilhão de pessoas no mundo inteiro, entre camponeses e trabalhadores rurais.

Muitas comunidades camponesas estão incluídas em nossas campanhas a favor de florestas e outros biomas igualmente valiosos, bem como em nossa campanha contra as plantações de árvores. Com o desmatamento e a destruição ambiental, elas também perdem o sustento que obtêm dos produtos da floresta ou seu modo de vida e seu futuro, quando os monocultivos florestais cercam ou invadem suas terras agrícolas.

Até agora, os direitos de camponeses e camponesas não eram reconhecidos especificamente pela Organização das Nações Unidas, mas, fruto de longa batalha, em 27 de setembro passado, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, com o voto favorável de 23 Estados-membros, 15 abstenções e 9 votos contrários – entre eles, o da União Europeia – adotou a resolução A/HRC/21/L23, que menciona a necessidade de criar una nova ferramenta internacional para a promoção e proteção dos direitos de camponeses – homens e mulheres – e outros grupos de trabalhadores rurais.

A iniciativa da declaração surgiu em 2008, durante a Conferência Internacional para os Direitos dos Camponeses celebrada em Jacarta, e foi apresentada na ONU pela Via Campesina.

A resolução estabelece um precedente e constitui um modelo a seguir, já que se reconhecem direitos novos, como a terra e território, a sementes e conhecimento agrícola, bem como práticas tradicionais, a meios de produção agrícola, a proteção dos valores agrícolas locais, entre outros.

Trata-se de uma vitória na luta das organizações camponesas, as quais cumprem um papel essencial na produção de alimentos e adquiriram uma enorme importância em termos de propostas políticas diante do crescente número de conflitos por terra, água, bem como para fazer frente à crise climática e à alta dos preços dos alimentos.

Foram elas, principalmente através da Via Campesina, que levantaram a bandeira da soberania alimentar, uma estratégia aberta, adequada e que implica começar a realizar mudanças apresentando respostas positivas a vários dos problemas criados por um modelo agroindustrial que não levou em conta os direitos humanos. As organizações camponesas colocaram sobre a mesa a necessidade de devolver a agricultura a camponeses e camponesas, tirando do agronegócio o poder que ele concentra, porque são eles, com uma agricultura familiar, em pequena escala, adequada, preocupada com o que, como e para quem se planta, que poderão contribuir em grande medida para o bem-estar de milhões de seres humanos e para uma possibilidade de futuro em um planeta habitável.

A proposta de que os camponeses possam resfriar o planeta é uma resposta positiva à mudança climática, respaldada por cifras que demonstram que se poderiam reduzir em mais da metade as emissões de gases do efeito estufa, desde que a agricultura deixasse de ser dos grandes agronegócios (ver Boletim 149 do WRM).

A resolução das Nações Unidas implica um reconhecimento integral das comunidades camponesas como detentores de direitos humanos que devem ser defendidos. De sua parte, os governos nacionais têm a responsabilidade de aplicar programas e políticas que promovam a soberania alimentar, as condições de vida no campo e a proteção de camponeses e camponesas, assim como são responsáveis legais pela proteção de seus direitos humanos.

Esta vitória é um marco na luta camponesa contra a marginalização, a pobreza extrema, as expulsões, a criminalização, ao reivindicar o direito a terra e território, e resistir não apenas à apropriação e à destruição dos ecossistemas, mas também à violação de seus direitos humanos enquanto camponesas e camponeses. Em muitas partes do mundo, os movimentos camponeses sofrem ameaças, campanhas difamatórias, prisões, julgamentos injustos, repressão e morte.

É por isso que a Via Campesina saúda a resolução da ONU, mas afirma que “a luta continua”.

Artigo baseado em “Vitória na defesa dos direitos humanos dos camponeses depois de luta difícil”, enviado por Isabelle Dos Reis, Via Camponesa, África 1 (África do Sul, Leste e Central) Maputo – Moçambique, http://viacamponesaafrica.blogspot.com/,
vcafrica@gmail.com