Conflitos florestais na Tailândia: Estado versus comunidades

A política florestal moderna da Tailândia já teve muitas fases. No século XIX, os britânicos começaram a desmatar o país em busca de teca. No século XX, outros madeireiros comerciais acabaram assumindo o controle. Porém, órgãos governamentais ansiosos por negar a floresta a movimentos insurgentes promoveram agricultura comercial e usinas hidrelétricas, bem como extração de madeira. Em 1989, as florestas do país, que haviam sido muito extensas, estavam gravemente esgotadas e a exploração madeireira foi proibida oficialmente.

No entanto, na época seguinte, de maior ênfase em “conservação florestal” e “reflorestamento”, a área florestal do país continuou a diminuir e aumentaram os conflitos entre o governo e a população local.

Em parte, a raiz desses conflitos está no rígido controle legal que o Departamento Real de Florestas de Tailândia tem sobre áreas enormes, com e sem florestas. Mais de 11 mil comunidades em todo o país estão estabelecidas em terras oficialmente pertencentes ao Estado, que abrangem um total de 57 por cento do país. Além disso, embora o Departamento de Terras da Tailândia tenha emitido vários tipos de títulos individuais sobre mais de 20 milhões dos 51 milhões de hectares de terras do país, incluindo grande parte das terras florestais do Estado, 90 por cento desses direitos estão nas mãos de menos de 10 por cento da população. Pelo menos 38 por cento das terras de propriedade privada – possivelmente muito mais – estão ociosos. Isso torna o conflito inevitável: não apenas 1,5 milhão de famílias têm que arrendar terras para cultivar, como mais de 800 mil famílias de agricultores não possuem terra alguma.

Entretanto, a Lei de Reflorestamento de 1993 legitimou a ocupação, por plantações de árvores de rápido crescimento, de grande parte das terras do Estado que eram usadas pelas comunidades para a agricultura. E agora o Estado está usando outro argumento para expulsar povos das terras de floresta legal: o de que os moradores de povoados estão causando o aquecimento global com seus assentamentos. Este artigo discute alguns conflitos em duas províncias localizadas no norte da Tailândia – Phetchabun e Chaiayaphum – onde medidas oficiais de conservação florestal invadiram as povoações.

Phetchabun

Huay Rahong, um povoado de mais de 1,2 mil pessoas na província de Phetchabun, no norte da Tailândia, foi estabelecido desde 1971. A maioria dos moradores atuais foi expulsa de seu povoado chamado Sambon quando o governo criou o Parque Nacional Nam Nao, em 1971. Huay Khonta, outro povoado próximo muito menor, foi criado em 1963.

Em 26 de novembro de 1999, o governo criou um santuário natural chamado Phu Pa Daeng (Montanha do Penhasco Vermelho) em terras onde estão os assentamentos e suas florestas circunvizinhas, e deixou clara sua intenção de despejar as pessoas. Os moradores do minúsculo povoado de Huay Waai, adjacente a Huay Rahong, já foram espoliados sem que tenham recebido indenização ou terra para reassentamento. Funcionários do Parque Nacional enganaram as famílias para que elas fossem embora, prometendo uma indenização se elas saíssem de seu povoado, mas a promessa não tem qualquer base legal porque os moradores não possuíam títulos da terra, e foi feita apenas para enganá-los e fazer com que saíssem.

Huay Khonta também está sob permanente ameaça. Em 2005, quando 13 moradores (incluindo crianças e uma pessoa com deficiência) foram contratados por um vizinho para colher milho em campos que ficavam dentro do santuário natural, o chefe do santuário apresentou acusações de invasão criminosa. O juiz negou provimento, dizendo que a situação da pequena área em questão (menos de um hectare e meio) não era clara. No entanto, a decisão foi revertida pelo Tribunal de Apelações, resultando em penas de seis meses de prisão (suspensas por dois anos). Depois disso, o Supremo Tribunal confirmou a decisão do Tribunal de Apelações.

Os moradores de Huay Khonta também enfrentam uma ação civil movida pelo Departamento de Parques Nacionais por “causar aquecimento global” de acordo com a Lei Ambiental de 1992, que responsabiliza os poluidores ​​pelos danos que gerarem. Normalmente aplicada a indústrias poluentes, a lei foi adaptada recentemente para ser usada como uma arma contra moradores pobres de zonas rurais, com a ajuda de acadêmicos contratados que criaram uma fórmula segundo a qual os agricultores de Huay Khonta podem ser multados em até 26.250 dólares por hectare por “causar” aumentos de temperatura, erosão, esgotamento de nutrientes do solo e danos hidrológicos. No total, os moradores locais poderiam, teoricamente, ser responsabilizados por 70 mil dólares em danos, o que é uma quantia enorme para os padrões locais. No caso em questão, em 28 de dezembro de 2016, o tribunal multou os réus de Huay Khonta em 3.562 dólares por hectare, acrescidos de juros anuais de 7,5 por cento a partir de 2005.

Os moradores continuam contestando o que consideram uma injustiça do ponto de vista jurídico. Eles não apenas interpuseram um recurso nos tribunais, mas também apresentaram uma criativa proposta de um novo tipo de “título de terras comunitário”, que acreditam poder resolver o problema de forma pacífica no longo prazo. A propriedade comunal reduziria o risco de as terras serem vendidas ou de as famílias serem coagidas a abrir mão delas se elas estivessem registradas sob títulos individuais de propriedade privada. A proposta apresenta um processo para a comunidade estabelecer os regulamentos e um comitê liderado pela própria comunidade para cuidar da terra. Os recursos provenientes do uso comunitário da terra também contribuirão para um “Fundo de Terras” que apoiará os membros da comunidade que necessitem.

Chaiyaphum

O conflito sobre o projeto de plantação de árvores de Khonsarn, na província de Chaiyaphum, data de 1978, quando o Departamento Real de Florestas autorizou a Organização da Indústria Florestal (FIO, na sigla em inglês) a plantar eucalipto em uma área que coincide com as propriedades de moradores.

A FIO, uma empresa estatal do Ministério da Agricultura e Cooperativas, foi criada em 1947, após as concessões dadas às madeireiras estrangeiras expirarem. Historicamente, seu trabalho era extrair madeira, desde que replantasse as áreas desmatadas.

Isso se revelou um problema em Chaiyaphum, onde várias áreas montanhosas que haviam sido desmatadas permaneceram dominadas pelo Partido Comunista da Tailândia (CPT) até o final da década de 1970. Não se atrevendo a pôr os pés lá, a FIO propôs fazer o replantio em áreas mais baixas, incluindo a Reserva Florestal Nacional Phu Sampak Nam, criada em 1973, parte da qual se tornou um santuário natural em 2000.

A plantação de eucaliptos resultante disso deveria cobrir 3,2 mil hectares. Apenas 704 hectares foram realmente plantados, devido à resistência dos ocupantes da terra, mas a FIO continuou tentando expulsar os moradores usando instrumentos jurídicos e a máfia local para pressioná-los até 1986. Outra estratégia era uma proposta de “povoado florestal”, na qual a FIO alocaria pouco menos de um hectare para que cada família participante estabelecesse uma casa e um pouco de agricultura. Mas apenas 40 das 102 famílias que viviam nas zonas sob conflito acabaram participando.

Em 2004, cerca de 277 famílias afetadas pelo projeto da FIO se reuniram em uma rede e exigiram que o governo cancelasse a plantação e, em vez dela, alocasse as terras à comunidade. Eles propuseram que o governo emitisse certificados comunitários de terras para a comunidade e aceitasse seu direito de estabelecer e manejar suas próprias terras florestais comunitárias. A proposta inclui uma pequena área de terra para que cada uma das famílias participantes construa uma casa e produza alimentos, bem como uma floresta comunitária, terra agrícola comunal e terra para uso público/comunitário. Até agora, no entanto, o governo não respondeu.

Em 2009, os moradores recuperaram cerca de 15 hectares de terras em que a FIO plantara eucaliptos em 2004, reclassificando-a em quatro categorias para uso próprio: terrenos residenciais e agrícolas, terras comunais, florestas comunitárias e terrenos para estruturas públicas, como estradas. A FIO reagiu processando 31 pessoas, o que resultou em uma ordem para que os réus e seus familiares deixassem a área. Até agora, eles se recusaram a cumprir essa decisão.

Em 2014, os militares tailandeses assumiram o poder, intitulando-se Conselho Nacional de Manutenção da Paz (NPKC). A Política de Recuperação Florestal do NPKC, que visa a aumentar a cobertura florestal do país para 40 por cento, foi aproveitada pelas autoridades provinciais de Chaiyaphum como base para ordenar que as pessoas de Bo Kaew, na área de plantação da FIO, desmantelassem seu povoado em 30 dias. No entanto, argumentando que o NPKC também se comprometeu a não interferir nos meios de subsistência dos camponeses pobres, os residentes de Bo Kaew até agora resistiram à ordem de despejo.

Em abril de 2016, um líder local, Den Khamlae, desapareceu enquanto colhia alimentos em uma área perto de sua casa e não foi mais visto. Den vinha insistindo publicamente no seguinte: “Nós, os pobres, não queremos ser processados ​​e nos tornar desabrigados e marginalizados em nosso país”. Embora a população local e a polícia tenham encontrado áreas queimadas e fragmentos de ossos entre a floresta comunitária de seu povoado e a área de conservação onde Den desapareceu, pertencente ao Estado, a investigação do caso não avançou.

Rumo ao Futuro

Sob o regime atual da Tailândia, os cidadãos têm ainda mais razões do que antes para temer que suas terras e florestas sejam tomadas e entregues a grandes empresas e outros grupos dispostos a compartilhar os espólios com os militares.

No entanto, uma rede da sociedade civil, incluindo comunidades de todo o país que enfrentam problemas semelhantes aos que dos moradores de Phetchabun e Chaiyaphum, teve alguns êxitos em sua pressão pela aprovação de quatro novas leis: uma Lei de Títulos de Terras Comunitárias, uma Lei sobre Fundos para o Banco de Terras, uma Lei sobre o Fundo de Justiça e uma Lei sobre Impostos Progressivos que iria cobrar impostos mais elevados dos proprietários que não estão usando suas terras.

Todas as quatro propostas legislativas, se aprovadas, ajudarão a resolver disputas de terras e reduzirão as desigualdades na propriedade da terra. Elas estão até tendo uma recepção simpática do governo, com exceção da Lei de Títulos de Terras Comunitárias. Com relação aos direitos comunitários sobre a terra, o governo favorece suas próprias propostas mais limitadas, que envolvem o manejo de terras pelas cooperativas e que não reconhecem os direitos das comunidades em parques nacionais ou santuários de vida selvagem.

Oranuch Phonpinyo

Rede de Reforma Agrária do Nordeste – Tailândia

Para mais informações:

(1) The Land Institute Foundation of Thailand

(2) Direitos Civis Tailandeses e Jornalismo Investigativo:

http://prachatai.org/english/category/news

(3) Prachatai News, 17 de maio de 2013: http://prachatai.com/journal/2013/05/46764