Indonésia - Como a RSPO tratou questões levantadas contra a First Resources, um dos seus membros

Um pequeno vídeo chamado “Manufacturing Consent” (Fabricando o Consentimento),(4) mostra como representantes da PT Borneo chegaram à aldeia de Muara Tae em 18 de Agosto de 2011, pedindo permissão para entrar no território da comunidade. De acordo com o líder tradicional Ignacius Igoqu, em uma reunião realizada naquele dia, “a comunidade, incluindo a [ele] e ao chefe da aldeia, recusou a presença da PT Borneo, que queria fazer parceria [com a comunidade]”.(5) Ele também observa que, cerca de um mês depois, em 11 de setembro de 2011, os representantes da empresa voltaram. Durante essa visita, afirmaram que “não causar[iam] prejuízos à comunidade” e afirmaram que a parceria com a empresa seria “muito rentável” para a mesma comunidade. Esta, mais uma vez, recusou a parceria com a empresa. Ignacius Igoqu resume: “Nós não queremos aceitar a presença do dendê, porque os únicos recursos que os moradores de Muara Tae querem são florestas e terras [...] Como a maior parte do nosso território está convertida em minas de carvão, nós só temos o lado esquerdo do rio Nayan para tirar o nosso sustento”.

A divergência sobre a destruição causada pela empresa de plantação de dendê na floresta comunal e nas terras usadas pelas comunidades para o plantio de culturas alimentares aumentou em junho de 2012. Ignacius Igoqu disse: “Apesar de muitos de nós terem tentado interromper a conversão, eles param quando nos veem, mas, quando nós voltamos para a aldeia, eles continuam. Mesmo durante a noite”.

Vários membros da comunidade tentaram reagir replantando o território tomado pela empresa com culturas alimentares, na tentativa de reafirmar o seu uso da terra. Com o desmatamento resultante da expansão das plantações de dendezeiros, o rio Utak Melianu, um dos dois que são importantes para o abastecimento da aldeia com água, está se degradando muito. O líder da aldeia, Masrani, observa que “nessas condições, com o rio destruído dessa forma, pode não haver nenhuma fonte de água para consumo público na aldeia”.

Em 18 de setembro de 2012, enquanto as escavadeiras da subsidiária da First Resources ainda estavam destruindo a floresta comunal e a terra de Muara Tae, a empresa postou documentos na página da RSPO, dizendo que tinha começado o período de consulta de 30 dias para os novos plantios da PT Borneo. Outros documentos foram postados na mesma página, mostrando os resultados da Avaliação de Impacto Social e Ambiental (AISA) e a avaliação de Alto Valor de Conservação (AVC), realizadas pela auditoria da RSPO, TUV Nord. A avaliação declara a conformidade da PT Borneo com o princípio 7 da RSPO. Este princípio proíbe o desmatamento de florestas primárias para novas plantações estabelecidas a partir de 2005, exige que não se destrua mais “nenhuma área necessária para manter ou melhorar um ou mais Altos Valores de Conservação” durante o estabelecimento de novas plantações de dendê, e que “não sejam estabelecidas novas plantações em terras dos povos locais sem seu consentimento livre, prévio e informado”.(6)

No vídeo, um líder da aldeia explica que “(...) eles não entraram com consentimento da comunidade. Eles forçaram a entrada, demolindo o território da comunidade à força. (...) Eles ignoraram a rejeição por parte dos moradores de Muara Tae”. Outro morador complementa dizendo que a empresa trouxe a “BRIMOB [polícia antidistúrbios] para intimidar as pessoas com o objetivo de que elas não defendessem sua terra”, acrescentando que ela também vem “destruindo a madeira da floresta e os remédios tradicionais que foram mantidos pela comunidade”. Sobre as áreas de AVC, o líder da aldeia Masrani comenta que:

”[...] Essa avaliação de AVC é apenas para fazer um levantamento de determinadas áreas e só protege essas áreas, com base nas vontades deles próprios. Quanto a nós, todo o território de Muara Tae tem muito valor. Todas as florestas no território de Muara Tae têm um grande potencial. Além disso, ele é realmente para a comunidade. O território de Muara Tae é uma fonte diária de subsistência. Para agricultura, para hortas. Então, se você quiser encontrar alto valor, toda a Muara Tae tem valor”.

A queixa à RSPO

Em outubro de 2012, A EIA apresentou uma queixa formal à RSPO, solicitando uma série de ações, por exemplo, que o órgão chamasse a empresa a “parar de desmatar a terra imediatamente”, que a RSPO facilitasse “a restituição de terras anexadas” e garantisse um “processo de indenização aceitável às partes afetadas”.(7)

Ignorando os seus próprios prazos para que essas queixas sejam respondidas, a RSPO não tomou nenhuma atitude por três semanas e, em 7 de novembro de 2012, a EIA afirmou publicamente que “a RSPO não age, enquanto como Muara Tae é destruída”.(8) A EIA prossegue, observando que a aceitação da queixa como legítima pela RSPO teria obrigado a First Resources a deixar de operar em Muara Tae até que a disputa fosse resolvida. Além disso, A EIA observa que:

“Masrani, o Petinggi (chefe da aldeia) de Muara Tae, participou de mesa redonda anual da RSPO, em Cingapura, na semana passada. Na reunião, tanto Bambang Dwi Laksono, Chefe Corporativo de Sustentabilidade da First Resources, quanto Ravin Krishnan, coordenador de queixas da RSPO, incentivou a comunidade a estabelecer um diálogo com a empresa. No entanto, em reuniões com a First Resources durante os últimos dois anos, a comunidade tem rejeitado repetidamente a plantação proposta, uma visão que foi totalmente ignorada. Na verdade, além de oferecer a possibilidade de diálogo a Masrani em Cingapura, a First Resources estava se preparando, ao mesmo tempo, para desmatar a terra do pai dele”.(9)

Somente em 10 de dezembro de 2012, a RSPO finalmente informou a First Resources, por carta, de que tinha sido aberto um procedimento de queixa. Em sua carta, a RSPO afirma que seu Painel de Queixas considerou que a EIA tinha apresentado provas suficientes para que se aceitasse a alegação de que a First Resources não identificara áreas de AVC com antecedência nem realizara uma AISA antes do plantio. Além disso, a RSPO “sugere a possibilidade de infrações no caso de o Consentimento Livre, Prévio e Informado (...) não ter sido obtido antes do plantio feito na referida área”. A RSPO observa, ainda, que a empresa já tinha desmatado áreas de AVC antes, em outra região, acrescentando que isso pode sugerir não apenas uma “falha isolada”, mas, possivelmente, uma questão “de natureza mais sistemática”. Para tratar das questões levantadas na queixa da EIA, o Painel de Queixas da RSPO solicitou, entre outras coisas, que a PT Borneo “revisse a situação concreta por meio de um terceiro Organismo de Certificação e trabalhasse com os queixosos em um roteiro/plano de ação adequado para lidar com a disputa de terras da comunidade local (Muara Tae), que leve a uma solução amigável”. Isso tudo deveria ser feito no prazo de 6 meses e se pediu que a PT Borneo “interrompesse todo plantio no mencionado pedaço de terra até a conclusão satisfatória” da ação solicitada na carta da RSPO.(10)

Esta lista de “deveres de casa” serviu de base para a revisão concreta – que basicamente confirmou as alegações feitas pela EIA.(11) Como consequência, a RSPO enviou outra carta à First Resources (FR) em 17 de abril de 2013. Esta carta inclui uma outra longa lista de atividades que devem ser realizadas pela FR para “resolver” o conflito e alcançar a conformidade com os Princípios e Critérios da RSPO. Enquanto se solicita uma série de avaliações técnicas, a empresa está autorizada a retomar o plantio em terras consideradas fora de disputa, uma vez que as avaliações de AVC e de impacto forem concluídas. Com relação à terra em disputa, a empresa tem que resolver o conflito com a comunidade. A RSPO recomenda que ela melhore o processo de CLIP e faça um “Cronograma de Pagamentos de Indenização”, e a empresa deve fornecer atualizações regulares sobre suas operações para ser divulgadas às comunidades. Na visão da RSPO, “isso vai ajudar a FR a comunicar os detalhes do esquema “plasma” [por meio do qual os moradores das aldeias plantam dendê para vender à empresa] e os programas [de Responsabilidade Social]”.(12)

Em 24 de abril, a FR teve “o prazer de informar” que “está comprometida com a implementação de todas as ações recomendadas até 30 de junho de 2013”. A empresa ainda menciona que vai contratar “profissionais externos” e “desenvolver um programa de linha de tempo para (...) gestão e monitoramento de AVC e enviá-lo ao Painel [de Queixas] para avaliação”.(13) Em 29 de junho de 2013, a FR informou que foi atingido “um avanço construtivo” em relação às ações propostas. Por meio de um relatório de consultoria, um total de 892 hectares foi identificado como áreas de AVC.(14) A última informação disponível na página da RSPO é de que o órgão, em sua resposta de 16 de dezembro de 2013, exige uma série de medidas adicionais da empresa, incluindo um período no qual essas ações serão implementadas e concluídas.(15) Dezoito meses após a queixa ser apresentada, a página da RSPO não tem qualquer informação substancial sobre a solução das questões levantadas na queixa.

O que podemos aprender com esta experiência?

A comunidade Muara Tae sempre expressou duas exigências básicas: que a empresa deixasse imediatamente de operar em seu território e que a terra já ocupada por ela fosse devolvida à comunidade. O apelo da RSPO por uma “solução amigável” põe de lado essas duas exigências básicas da comunidade.

As demandas da comunidade simplesmente desaparecem das cartas da RSPO e das respostas da empresa. As exigências de que a empresa fique fora do território tradicional da comunidade são transformadas em apelos por mais “diálogo” e “comunicação” com o novo invasor em seu território, discussões de tamanhos de áreas de AVC e “procedimentos claros” para “gestão” e “solução de controvérsias”. Em várias ocasiões, a comunidade já deu respostas claras a estas tentativas de “diálogo” e “comunicação”: seus membros não quiseram aceitar a oferta da empresa. Neste contexto, o chamado da RSPO para “melhorar” o CLIP é falso. O CLIP inclui a opção de dizer “não”, como observa a RSPO em sua carta de abril de 2012. A carta, no entanto, não reconhece de forma adequada que os membros das comunidades já disseram “não” em várias ocasiões aos pedidos da First Resources de permissão para entrar no território deles. As respostas da RSPO, até agora, mostram falta de disposição ou incapacidade para ouvir, entender e atender às demandas da comunidade expressadas na queixa. Como resultado, as sugestões da RSPO, em si, constituem uma rejeição implícita das demandas apresentadas pelos membros da comunidade, enquanto o pedido inicial da empresa para que a comunidade aceitasse o pagamento e se tornasse plantadora de dendê para a empresa sai fortalecido – pedido rejeitado em várias ocasiões por membros da comunidade, muito antes de eles apresentarem uma queixa.

Havendo perspectivas diferentes em uma comunidade sobre como responder a essas ofertas feitas por empresas de dendê, a forma como a RSPO lidou com queixa neste caso complica ainda mais esses debates internos e pode contribuir para sua piora ao invés de sua solução, já que, implicitamente, a RSPO assume o lado daqueles que defendem parcerias com empresas na expansão das plantações industriais nesse contexto.

(1) Ver http://www.rspo.org/en/status_of_complaint&cpid=21
(2) Ver www.rspo.org para mais informações sobre esses Procedimentos para Novos Plantios e Princípios e Critérios da RSPO.
(3)http://www.eia-international.org/wp-content/uploads/PT-BSMJ_NPP_Grievance_ALL_171012_FINAL.pdf
(4) este video foi produzido pela EIA e posteriormente incluído na queixa à RSPO.
(5) Na Indonésia, cerca de 30% da produção nacional de óleo de dendê vem de pequenos produtores por meio do chamado esquema “plasma”, no qual eles têm cerca de dois hectares de terra em uma área em torno da plantação de uma determinada empresa, com a qual têm um contrato de fornecimento de sua colheita de frutos do dendê.
(6)http://www.eia-international.org/wp-content/uploads/PT-BSMJ_NPP_Grievance_ALL_171012_FINAL.pdf
(7)http://www.eia-international.org/wp-content/uploads/PT-BSMJ_NPP_Grievance_ALL_171012_FINAL.pdf
(8) http://www.eia-international.org/rspo-fails-to-act-as-muara-tae-is-destroyed
(9) http://www.eia-international.org/rspo-fails-to-act-as-muara-tae-is-destroyed
(10) http://www.rspo.org/file/PTBSMJFR.pdf
(11) Com exceção de sugerir que o CLIP foi “mal feito”, em contraste com as declarações no filme da EIA, de que a comunidade não tinha dado seu consentimento ao projeto de dendê.
(12) http://www.rspo.org/file/CPDecisionMoodyReport17Apr2013.pdf
(13) http://www.rspo.org/file/Reply_on_BSMJ_Complaint_24April2013.pdf
(14)http://www.rspo.org/file/Letter%20to%20RSPO%20re_%20completion%20of%20BSMJ%
27s%20corrective%20actions%2029%20June%202013.pdf
(15)http://www.rspo.org/file/16Dec2013%20decision%20on%20PT%20BSMJ-FR%281%29.pdf