O comércio de madeira na Amazônia é um negócio multimilionário, para uns poucos. O Peru tem quase 60% de seu território coberto por florestas tropicais e é o nono maior país em extensão florestal. Segundo dados oficiais, a taxa anual de desmatamento é de cerca de 110 mil hectares. Grande parte do problema é atribuída à chamada “extração ilegal”, ou seja, a extração de madeira fora das concessões outorgadas com essa finalidade. A extração ilegal movimenta 150 milhões de dólares por ano. É uma das atividades ilegais que mais recorre à lavagem de dinheiro, assim como o tráfico de drogas e a mineração ilegal, segundo a Unidade de Inteligência Financeira do Peru (1). Mas o que acontece quando a extração ilegal é facilitada, na verdade, pelo marco jurídico das concessões florestais?
A extração de madeira em grande escala, por si só, acarreta uma vasta destruição ambiental e a fragmentação social em florestas tropicais de todo o mundo (ver artigo “Pilhagem das florestas” deste boletim). A exploração industrial de madeira, seja legal ou ilegal, degrada extensas áreas de floresta e, por sua vez, usa violência e ameaças sobre as populações que delas dependem. Essa madeira, em sua maioria extraída de forma “seletiva”, é a que acaba nos principais mercados do mundo, como Estados Unidos, Europa e China. No entanto, há questões fundamentais a ser destacadas com relação ao corte ilegal. Ele também envolve a quase extinção de espécies altamente vulneráveis e cujo corte é proibido, como o cedro e o mogno, em territórios indígenas e áreas protegidas, bem como a exploração, o trabalho forçado e a subjugação das populações indígenas com total impunidade. Os territórios indígenas, em sua grande maioria, são o berço de espécies de madeira de alto valor comercial, e por isso se tornam alvo da indústria madeireira.
Um dos pilares da política florestal no Peru desde 2000 tem sido a Lei Florestal e da Fauna Silvestre 27.308, cujo principal objetivo, especificado em seu artigo 1º, foi o de estabelecer um marco para o “uso sustentável e a conservação dos recursos florestais”. Essa lei estabeleceu o atual sistema de concessões para exploração florestal, e foi posteriormente reforçada com a assinatura do Acordo de Livre Comércio entre o Peru e os Estados Unidos, que entrou em vigor em 2009. O tratado inclui um anexo que tem entre seus objetivos promover a madeira proveniente de “Manejo Florestal Sustentável”(2). Em julho de 2011, foi aprovada uma nova Lei de Florestas e Vida Selvagem, mas ela ainda não foi adotada devido ao atraso na regulamentação para sua implementação. A nova lei, no entanto, mantém o mesmo sistema de concessões para extração de madeira, e as primeiras versões da regulamentação anunciam a promoção do investimento florestal, com regras claras para o “manejo sustentável”(3).
Os grandes conglomerados madeireiros no Peru, voltados à exportação, dependem, entre 35% e 45%, de fontes de extração não autorizadas, segundo pesquisa realizada em 2012 pela Agência de Investigação Ambiental (EIA, em sua sigla em Inglês) (4). O estudo acompanhou a expedição, a partir do Peru, de 112 embarques ilegais de cedro e mogno, importados por empresas dos Estados Unidos. Setenta desses 112 embarques vieram da filial peruana da Maderera Bozovich. De acordo com registros do Instituto Nacional de Recursos Naturais, em 2006, a empresa controlava 34% das exportações de cedro, com Estados Unidos, México e Puerto Rico sendo os países de destino, nessa ordem. Dados mais atuais contidos no relatório da EIA apresentam um quadro comparativo das empresas que exportaram madeira violando a legislação, de 2008 a 2010. Mais uma vez, a Bozovich se destaca. Além disso, em 2005, foram encontradas três guias florestais clonadas para 492 m3 de mogno serrado, cujo destinatário era a mesma madeireira (5).
Está cada vez mais claro que, além de reformas nas leis, normas e tratados, as atividades de extração de madeira na Amazônia – com ou sem planos de manejo e com ou sem documentação legal – estão longe de ser “sustentáveis” para com suas florestas e seus povos. Um estudo publicado na revista Scientific Reports (6), ao analisar informações oficiais do governo, mostra que 68,3% de todas as concessões fiscalizadas pelas autoridades eram suspeitas de cometer graves violações à lei. A natureza dessas violações indica que as licenças associadas a concessões legais estão sendo usadas para cortar árvores em áreas não autorizadas, ameaçando mais extensões de florestas tropicais, inclusive territórios indígenas e áreas protegidas. Além disso, muitas das violações também correspondem à extração ilegal de espécies vulneráveis, como cedro e mogno.
O problema, no entanto, não é quem corta. No Peru, o caso mais grave de trabalho forçado se dá com os povos indígenas da Amazônia no corte ilegal de madeira. Um número significativo de madeireiros ainda usa o sistema de “habilitação condicionada”, que é baseado na antecipação de dinheiro ou bens aos trabalhadores madeireiros com o objetivo de incorporá-los ao trabalho de extração. Infelizmente, o padrão de recrutamento de trabalhadores mencionado acima leva a um sistema de servidão por dívidas. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho com uma série de entrevistas feitas com lideranças indígenas, religiosos, trabalhadores, funcionários de instituições estatais e membros de várias ONGs locais, afirma que esse sistema é “uma das piores formas de exploração e perda de liberdade... Além disso, geralmente vem associado a não pagamento, remuneração em espécie, prostituição das mulheres nos acampamentos madeireiros e condições de trabalho verdadeiramente desumanas” (7). A dívida pendente pode ser usada para “[...] manter os nativos na servidão por dívidas por décadas ou gerações” (8).
Para piorar a situação, o presidente Ollanta Humala lançou, em julho de 2014, o chamado “paquetaço ambiental”, um conjunto de medidas no âmbito da Lei 30.230. Esse “paquetaço” afeta diretamente os territórios indígenas. Entre outras coisas, permite que, por meio de procedimentos “especiais”, o Estado possa entregar terras a projetos de investimento, no local e na quantidade que estes demandem, e ignorando os direitos de propriedade de seus legítimos proprietários (9). Ou seja, é feita uma série de propostas a projetos de grande envergadura, incluindo monocultivos agroindustriais e florestais, mineração, hidrocarbonetos, entre outros.
Os territórios indígenas na mira dos madeireiros
A extração “seletiva” de espécies de madeira de alto valor comercial é feita principalmente dentro de territórios indígenas (geralmente nos das comunidades mais tradicionais) ou de áreas onde habitam povos indígenas em isolamento voluntário ou contato muito recente. Essa invasão causou impactos negativos não só ao degradar as florestas das quais essas populações dependem, mas também ao acarretar violência e subjugação. O pagamento a madeireiros na Amazônia por pie tablar (medida equivalente a 0,0023597 metros cúbicos.) é cerca de 2.660 vezes mais baixo do que o valor pago pela madeira trabalhada nos Estados Unidos (10). Assim, algumas lojas famosas nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na China podem vender pisos de madeira “fina”. Na Amazônia peruana, as comunidades indígenas enfrentam violência e ameaças para defender seu território de madeireiros e das máfias empresariais e dos governos por trás deles.
A comunidade de Alto Tamaya-Saweto, localizada na selva baixa de Ucayali, obteve reconhecimento oficial do Estado peruano sobre a propriedade de suas terras em 2003, mas ainda não conseguiu obter os títulos correspondentes. Por outro lado, o Estado deu duas concessões florestais que se sobrepõem ao território da comunidade e categorizou todo o território comunal como florestas de produção permanente, ou seja, como florestas destinadas à produção de madeira (11). Em setembro de 2014, quatro líderes indígenas Asháninkas foram mortos pelas máfias da madeira. Isso aconteceu apesar de, em várias ocasiões, os líderes terem se queixado às autoridades das ameaças que estavam recebendo por proteger seu território. Um deles, Edwin Chota, era um ativista conhecido internacionalmente por sua atividade contra o desmatamento em terras indígenas. David Salisbury, professor da Universidade de Richmond, EUA, conhecia Edwin havia mais de dez anos e vinha assessorando sua comunidade na luta pelos títulos. Em uma entrevista à BBC, Salisbury garantiu que “ainda existe ali uma comunidade cercada por madeireiros, e há pessoas com medo, que estão prisioneiras em sua comunidade porque os madeireiros estão falando no rádio, e eles dizem que querem acabar com a comunidade fronteiriça de uma vez por todas” (12).
Em 23 de outubro de 2014, a comunidade indígena Shipibo de Korin Bari, localizada perto de Saweto, entrou com uma ação contra o governo peruano por permitir que a vida daqueles que resistem à invasão de suas terras seja ameaçada devido à não titulação dos territórios indígenas. Em 2011, as casas da comunidade foram destruídas pelos operadores madeireiros que construíam uma estrada ilegal através do território para acessar espécies que proporcionam madeira de alto valor comercial. Os casos de Saweto e Korin Bari não são isolados. Pelo menos 594 comunidades da Amazônia peruana estão sem títulos, o que significa cerca de 20 milhões de hectares de floresta (13).
Outra modalidade usada pelos madeireiros para intervir em territórios indígenas é assumir o processo de titulação de uma comunidade em troca da riqueza de suas florestas. Ao ajudar com os procedimentos de titulação, os madeireiros se apoderam das licenças de aproveitamento florestal outorgadas às comunidades em áreas onde não há concessões. Um artigo de jornal local denunciou, em maio de 2014, o caso da comunidade de Nueva Esperanza, localizada na chamada “Tríplice Fronteira” (Peru, Brasil e Colômbia). Depois de inúmeras intervenções extrativas, Nueva Esperanza começou o processo para sua titulação em 2009, solicitando uma área de 204.493 hectares. A gestão estava a cargo de um empresário madeireiro vizinho da comunidade. Neste ponto estratégico da “Tríplice Fronteira”, há oito serrarias com maquinário de última geração, que compram madeira para exportar. Após a titulação, foi aprovado quase que imediatamente o Plano de Manejo Geral Florestal e o Plano Operacional Anual de Nueva Esperanza, ou melhor, do empresário madeireiro, que autoriza remover 2.345 árvores de 22 espécies florestais diferentes. Destes, 178 são árvores de cedro. Quanta madeira está realmente saindo dessa área? Não se sabe. O que se sabe é que os indígenas estão endividados até o pescoço, porque têm que pagar pela titulação de sua comunidade e por produtos, como motores, motosserras ou baterias, que o madeireiro lhes vende a preços muito elevados, a ser pagos com madeira (14).
Além dos debates sobre se a madeira extraída é legal ou ilegal, o fato é que o sistema econômico global incentiva indústrias madeireiras a intervir em qualquer território que conte com as espécies que proporcionem madeira rentável a seus bolsos. Como é um negócio multimilionário, fortes poderes privados e públicos buscam obter lucros. Isso implica que, por vias legais ou não, e sob planos de manejo “sustentáveis” ou não, as florestas da Amazônia – incluindo os territórios indígenas, as reservas destinadas aos povos indígenas em isolamento voluntário e as áreas naturais protegidas – estão sendo mais violentadas. São as grandes corporações que administram uma rede de extração que busca atender à sua acumulação de capital para vender – sob selos verdes e “sustentáveis” – a destruição e a devastação das florestas nos mercados internacionais.
- Urrunaga, JM (2014) Madera negra, EDU, https://www.scribd.com/doc/241356800/PuntoEdu-Ano-10-numero-323-2014
- Capítulo 18, Environment, http://www.ustr.gov/sites/default/files/uploads/agreements/fta/peru/asset_upload_file953_9541.pdf
- Andina – Agencia Peruana de Noticias, http://www.andina.com.pe/agencia/noticia-peru-ha-perdido-mas-7-millones-hectareas-bosques-deforestacion-525532.aspx
- La máquina lavadora: cómo el fraude y la corrupción en el sistema de concesiones están destruyendo el futuro de los bosques de Perú http://launderingmachine.files.wordpress.com/2012/04/spanish_report_eia_final2.pdf
- El alto costo del comercio ilegal de madera y la parálisis del estado, Servindi, http://servindi.org/actualidad/115391?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm
_campaign=Feed%3A+Servindi+%28Servicio+de+Informaci%C3%B3n+Indigena%29 - Finer, M., et. al. (2014), Logging Concessions Enable Illegal Logging Crisis in the Peruvian Amazon
- Bedoya, E., et al. (2005) El trabajo forzoso en la extracción de la madera en la Amazonía Peruana, Oficina Internacional del Trabajo, http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---declaration/documents/publication/wcms_082056.pdf
- Bedoya, G., et.al., El peonaje por deudas en la tala ilegal de madera en la Amazonia peruana, Debate Agrario N. 42, http://www.cepes.org.pe/debate/debate42/01-bedoya.pdf
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- Romero, E (2014) Industria maderera y redes de poder regional en Loreto, http://www.revistargumentos.org.pe/industria_maderera_loreto.html
- Territorio: titulación, muerte y persecución en Perú, Biodiversidad en América Latina y el Caribe, http://www.biodiversidadla.org/Principal/Secciones/Documentos/Territorio_titulacion_muerte_y_persecucion_en_Peru
- BBC Mundo, Como operan las mafias del multimillonario negocio de la madera ilegal del Perú, http://www.bbc.co.uk/mundo/noticias/2014/09/140916_peru_tala_ilegal_am
- Shipibo community sues Peruvian government for failure to title traditional lands, FPP, http://servindi.org/actualidad/116524
- Diario Uno, El Dorado de las Maderas, Mayo 2014, http://laprimeraperu.pe/columna/el-dorado-de-las-madereras/