Nas duas últimas décadas, a região da América Latina e Caribe perdeu 9% da sua cobertura florestal, sobretudo em função da exploração madeireira, expansão do agronegócio, grandes projetos de infraestrutura como estradas, hidrelétricas, mineração, extração de petróleo, urbanização, além dos incêndios florestais e da conversão de florestas decorrentes, em sua maior parte, das causas citadas.
Agentes privados, nacionais e estrangeiros, juntamente com os Estados nacionais, têm intensificado a exploração das florestas, buscando melhorar a infraestrutura através do plano IIRSA (Integração de Infraestrutura Regional Sul Americana) e, dessa forma, facilitar a exportação das matérias primas para os grandes centros de consumo no hemisfério Norte e, de forma crescente, para outras economias que se inseriram neste modelo, como a China.
Para “mitigar” os efeitos dessa marcha destrutiva subjacente ao processo de acumulação incessante do capital, o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), em consonância com a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e a OIMT (Organização Internacional de Madeiras Tropicais), apontou, em um relatório de 2011, a “economia verde” como salvação.
Segundo a OIMT, em relação às florestas tropicais, as áreas sob o chamado “Manejo Florestal Sustentável“ (MFS) têm aumentado, alcançando 53 milhões de hectares no mundo hoje, enquanto as áreas para exploração madeireira com algum tipo de manejo florestal alcançaram 131 milhões de hectares. Ao todo, são 184 milhões de hectares, ou seja, 24% do total de 403 milhões de hectares das chamadas “florestas tropicais de produção” no mundo estão sob manejo florestal. Os 358 milhões de hectares de florestas restantes são aquelas áreas de floresta tropical que desfrutam de algum tipo de “proteção”.
Para que a exploração das florestas pelos diversos interesses do capital possa continuar, a ideia da “economia verde” é essencial no sentido de buscar “compensar” a destruição continuada pela “proteção” de outras áreas, inclusive aquelas manejadas de forma “sustentável”. Institui-se a comercialização de “serviços ambientais”, não só complementando a ideia do “manejo florestal sustentável”, mas aprofundando o processo de mercantilização das florestas com projetos de REDD e de PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), aumentando assim as possibilidades de lucro dos agentes de destruição.
No caso da América Latina e Caribe, a iniciativa de maior envergadura rumo à “economia verde” foi a que se efetivou na Amazônia brasileira sob a batuta do Banco Mundial, através do “Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais – PPG7”. O estado do Acre é considerado a unidade federativa brasileira que mais “progrediu” na adoção do modelo proposto de “desenvolvimento sustentável”.
A arquitetura desse reordenamento territorial caracteriza-se basicamente pela instituição de um marco jurídico que institui a criação de “unidades de conservação”, cujo domínio formal pode ser de caráter comunal, comunitário e/ou governamental, todavia, subordinadas a regulamentações de uso para garantir a mercantilização da natureza em benefício de capitais privados.
O estado do Acre
O estado do Acre está localizado na Amazônia brasileira e possui uma extensão territorial de 16,5 milhões de hectares, com aproximadamente 88% de seu território cobertos por florestas nativas, das quais cerca de 50% encontram-se em áreas naturais protegidas.
O Acre ficou conhecido mundialmente após o assassinato, em 1988, de Chico Mendes, então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. Nas lutas de resistência contra a destruição de seu meio de vida, os territórios florestais, o movimento camponês liderado por Chico Mendes se notabilizou por mostrar que a conservação das florestas não pode ser dissociada dos povos que nela vivem. A proposta das Reservas Extrativistas (RESEX) traduziu de forma mais acabada essa interação entre sociedade e natureza.
Em razão de ser a “terra de Chico Mendes”, o Acre despertou atenções do ambientalismo internacional desde então e tem sido divulgado mundialmente como aquele que mais avançou na Amazônia no sentido de implementar um “modelo de desenvolvimento sustentável”, agora denominado pela ONU como “economia verde”. Os financiamentos que o governo estadual recebe há mais de uma década do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bem como de grandes ONGs conservacionistas internacionais, como WWF, são orientados para fomentar esse “modelo”. O poder executivo estadual é governado desde 1999 por uma ampla coalizão de forças, liderada pelo Partido dos Trabalhadores e envolvendo desde os partidos considerados de esquerda até os de extrema direita. Nesse período, foram tomadas diversas iniciativas no sentido de adaptar o estado aos cânones da “economia verde”, por exemplo, ao realizar o Zoneamento Ecológico Econômico, para fins de “ordenamento sustentável” do uso do território. Se por um lado o Zoneamento, realizado de forma participativa e construído de baixo para cima, pode significar um avanço para restringir práticas destrutivas e atender às demandas do povo, no caso de Acre, o Zoneamento tem sido, sobretudo, uma ferramenta a mais para avançar na proposta de mercantilização da floresta.
Ressalta-se que a implementação considerada “exitosa” pelas autoridades, dos planos de MFS e da “economia verde” em geral, não conseguiu evitar que:
- hoje, o Acre seja um dos estados mais empobrecidos do Brasil, com a maior desigualdade da região Norte (Índice de Gini = 0,61) e a segunda maior do Brasil entre os estados brasileiros; povos indígenas sofrem de falta de políticas públicas e continuam a luta pela demarcação de parte dos seus territórios.
- uma das atividades produtivas predominantes continue sendo a pecuária extensiva de corte, uma notória destruidora das florestas. Na última década, o rebanho saltou de 800 mil cabeças para 2,5 milhões de cabeças;
- outra atividade que continua predominando é a exploração madeireira. Em 2010, foram extraídos 756 mil m3 de madeira em tora, a maior parte por empresas e grandes proprietários rurais. Nos últimos dez anos, a área total desmatada no Acre aumentou 730.000 hectares, dos quais 62% foram convertidos no período de 2000 a 2005, superando assim a média das três décadas anteriores à implementação da “economia verde”, de aproximadamente 500.000 hectares;
- para amenizar essa destruição oculta, pague-se hoje famílias por “prestar serviços ambientais”, com valores bastante inferiores aos lucros obtidos por aqueles que controlam atualmente as florestas, seja para exploração da madeira, seja para comercializar os “serviços ambientais”. Com a Lei Estadual 2.308/2010, criou-se o Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA). Essa lei é considerada uma das mais “avançadas” no mundo no sentido de implementação das bases legais da “economia verde”. Segundo a Agência Notícias do Acre, essa lei do “SISA” permite “que o Acre participe do mercado internacional de carbono e de outros serviços ambientais, como o da biodiversidade e da água” e que “as políticas de redução de desmatamento sejam a grande propaganda do carbono acreano”.
Vale ressaltar que o MFS carece de comprovação científica a respeito da regeneração florestal, do comportamento dos diferentes ecossistemas frente à exploração que envolve aberturas de trilhas e estradas vicinais para circulação de máquinas e caminhões pesados, desvio de cursos d'água, contaminação dos solos e rios com óleo queimado e outros resíduos tóxicos, ruídos das máquinas e afugentamento dos pássaros e animais silvestres etc. Soma-se a isso uma ausência de fiscalização dos Planos de MFS por parte das instituições governamentais, seja em razão de seu deliberado sucateamento, resultante de políticas neoliberais ou pela persistência da “parceria público-privada” que caracteriza a formação do Estado nacional no Brasil.
No que diz respeito às políticas de PSA, os seus efeitos perversos começam a ser sentidos nos territórios florestais, como bem ilustra essa fala de Dercy Teles, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri:
“ (...) as políticas de PSA só vem a amordaçar a vida dessas pessoas. Elas ficam sem vez e sem voz. Sem voz porque assinam um contrato que é, no mínimo, trinta anos. Disponibiliza a área de moradia delas por trinta anos pra que o governo e as multinacionais pesquisem e se usufruam de todo o conhecimento da área por uma mixaria que é insignificante. E o mais grave ainda é que elas não podem mais mexer na área, elas não podem mais pescar, elas não podem mais tirar madeira para seu uso, elas não podem mais caçar, elas não podem mais nada.(..)”
O governo do Acre fechou, em 2010, um acordo no âmbito do REDD com os governos estaduais da Califórnia (EUA) e de Chiapas (México), com a intenção que as indústrias poluidoras de Califórnia pudessem continuar poluindo e comprando créditos de carbono de atividades REDD no Acre e Chiapas. No entanto, o incremento da destruição das florestas e da biodiversidade via os planos de MFS e a elevação da concentração da propriedade da terra e expansão da pecuária extensiva de corte denunciam o engodo da “economia verde” no Acre. Somam-se a isso novos planos destruidores por parte do governo do estado para a exploração de gás e petróleo.
Além disso, a comercialização de “carbono” e outros serviços ambientais expressa uma ameaça frontal à autonomia, à liberdade e ao controle dos “povos da floresta” sobre seus territórios e florestas, ameaçando a diversidade da natureza e as comunidades que sempre souberam viver de forma integrada e harmoniosa.
Baseado no artigo de Elder Andrade de Paula, chamado “A dupla face da destruição das florestas tropicais na América Latina e Caribe: as revelações da ‘economia verde' no Acre”, disponível em:
http://wrm.org.uy/paises/Brasil/A_dupla_face_da_destruicao_das_florestas_tropicais.pdf