No inicio de dezembro deste ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou que liberará um novo empréstimo de R$ 22,5 bilhões para a hidrelétrica de Belo Monte, o maior de sua história. Somando-se os dois empréstimos já concedidos ao Consórcio Norte Energia, responsável pela construção da usina– R$ 1,1 bilhão em meados de 2011, e R$ 1,8 bilhão em fevereiro de 2012 -, o banco aporta 25,4 bilhões em um projeto que contraria todas as normas técnicas, jurídicas e econômicas obrigatoriamente aplicadas neste tipo de operação.
Com a menor capacidade de geração de energia de todos os projetos hidrelétricos do país, tomando-se como base o potencial anunciado de 11 mil MW, Belo Monte produzirá em média apenas 39% da eletricidade prometida pelo governo. Em função de ilegalidades no processo de licenciamento, na remoção das populações afetadas e na consulta às populações indígenas, desde 2001 foram ajuizadas 15 ações do Ministério Público Federal (MPF), 21 da Defensoria Pública e 18 ações de organizações da sociedade civil contra Belo Monte - sendo que uma das ações civis públicas do MPF aguarda julgamento de mérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Questionado pelo MPF, o BNDES não apresentou nenhuma prova de que tenha feito qualquer análise de viabilidade econômica e de classificação de risco do Complexo Belo Monte, exigida pela Resolução no. 2.682/99 do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Apesar do Banco ainda não contar com um guia socioambiental com diretrizes para orientar financiamentos para o setor hidrelétrico, como demandam as Resoluções 2022/10 e 2025/10 que instituíram a Política de Responsabilidade Social e Ambiental e nova Política Socioambiental do Sistema BNDES, o banco afirma aplicar alguns critérios nas suas operações de financiamento. Entre eles:
1. Avaliação do beneficiário no que tange às suas políticas, práticas e gestão socioambiental, inclusive no ambiente externo, considerando articulação com políticas públicas e o desenvolvimento local e regional sustentável, tendo como referência o conceito de Responsabilidade Social e Ambiental;
2. Realização de uma avaliação do beneficiário sobre a sua regularidade junto aos órgãos de meio ambiente, pendências judiciais e efetividade da atuação ambiental;
3. Avaliação do empreendimento no que tange os aspectos relativos aecoeficiência, adoção de processos e produtos social e ambientalmente sustentáveis, emissões de gases de efeito estufa;
4. Avaliação do atendimento a exigências ambientais legais, em especial o zoneamento ecológico-econômico e o zoneamento agroecológico, e verificação da inexistência de práticas de atos que importem em crime contra o meio ambiente;
5. Inclusão de possíveis condicionantes de natureza social e/ou ambiental estabelecidas a partir da análise realizada (do cliente e do empreendimento), em complemento às exigências previstas em lei;
6. E, na fase de Acompanhamento da operação, devem ser verificados:
- as regularidades fiscal, previdenciária e ambiental do beneficiário e do empreendimento;
- o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras, obrigações em termos de ajuste de conduta e condicionantes presentes no contrato e nas licenças ambientais;
- o acompanhamento dos indicadores sociais e ambientais para monitoramento e avaliação do beneficiário e do empreendimento;
No caso de Belo Monte, porém, não houve aplicação de critérios por parte do BNDES para liberar os financiamentos. A hidrelétrica é um empreendimento sobre o qual ainda pesam 53 ações jurídicas (apenas uma tramitou em julgado), no entanto não houve nenhuma análise da “regularidade jurídica” do projeto.
As condicionantes sociais, ambientais e indígenas de Belo Monte – sob responsabilidade da Norte Energia e Funai, e estipuladas pelo governo para minimizar os impactos da obra - não foram cumpridas, o que tem causado consecutivos protestos por parte dos atingidos. O BNDES não fez nenhuma análise do “cumprimento de eventuais medidas mitigadoras e condicionantes presentes no contrato e nas licenças ambientais” do projeto.
Os índices de desmatamento da região de Altamira têm atingido recordes mês a mês. , de acordo com dados do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER). Os índices de violência e assassinatos, da mesma forma. O custo de vida para a população local, em termos de preços de alimentos, moradia, saúde e outros itens básicos, idem. O BNDES não fez nenhum acompanhamento dos “indicadores sociais e ambientais” do projeto.
As estruturas de saúde, educação, saneamento, segurança e outros serviços básicos nos municípios da região – em especial Altamira – colapsaram. O BNDES não fez nenhuma análise das “políticas, práticas e gestão socioambiental, inclusive no ambiente externo, considerando articulação com políticas públicas e o desenvolvimento local e regional sustentável” do projeto.
No início de 2012, a Norte Energia foi multada em R$ 7 milhões pelo Ibama por descumprimento de condicionantes, fato ignorado pelo BNDES; dezenas de ribeirinhos e agricultores perderam casas e terras sem indenização devida (tendo motivado inúmeras ações contra o empreendimento), fato ignorado pelo BNDES; a drástica diminuição de peixes e a mortandade de quelônios na Volta Grande do Xingu é um fato, e o Banco não propôs quaisquer “condicionantes de natureza social e/ou ambiental estabelecidas a partir da análise realizada (do cliente e do empreendimento), em complemento às exigências previstas em lei”.
Greves e revoltas dos trabalhadores em função de irregularidades trabalhistas se repetem ano a ano, tendo culminado, recentemente, em ação que destruiu estruturas dos canteiros e paralisou as obras.
Todos estes fatores apontam para uma violação planejada e consciente das legislações e das normas de proteção socioambiental por parte do governo brasileiro, cuja pressão sobre o BNDES e órgãos regulamentadores, como Ibama e Funai, concretizou o licenciamento e o financiamento de Belo Monte. Servidores que discordaram desta prática, como os presidentes do Ibama Roberto Messias e Abelardo Bayma, tiveram que deixar seus cargos.
Belo Monte recebeu a promessa de mais R$ 22,5 bilhões para dar continuidade às obras e aos processos de violações dos direitos humanos no Xingu. Esse dinheiro advém, em grande parte, do PIS-PASEP e FGTS, alocados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). É dinheiro do povo brasileiro, que nunca foi consultado sobre sua concordância ou não com a construção da usina.
Dezenas de organizações sociais de todo o país e do exterior estão apelando agora ao Judiciário brasileiro que julgue as ações contra Belo Monte. Petições, cartas e pedidos de audiência ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Regional Federal e ao Conselho Nacional de Justiça pedem celeridade na apreciação dos processos, todos parados nas diversas instâncias. As organizações também apelaram ao MPF e ao BNDES que não sejam liberados novos recursos até que sejam analisadas todas as ilegalidades da hidrelétrica. Diante de um governo violador, diante de um projeto ilegal e imoral, só resta que a Justiça faça justiça.
Enviado por Verena Glass (verena@reporterbrasil.org.br). Para mais informações sobre Belo Monte veja o site www.xinguvivo.org.br e http://www.prpa.mpf.gov.br/news/2010/noticias
/belo-monte-os-problemas-do-projeto-e-a-atuacao-do-mpf