Digamos NÃO ao dinheiro do Fundo Verde para o Clima destinado a projetos de REDD na Nicarágua!

Chamamos as organizações a assinar esta Carta Aberta até sexta-feira, 6 de novembro. Pedimos aos membros do Conselho que rejeitem o pedido de mais de 60 milhões de dólares em financiamento para o REDD, apresentado pelo Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE) em nome do governo da Nicarágua.

Desde 2015, cerca de 40 indígenas foram assassinados, 47 ficaram feridos, 44 foram sequestrados e 4 desapareceram em casos relacionados a invasões de terras na Nicarágua, enquanto a repressão a vozes dissidentes atingiu níveis alarmantes.

O Secretariado do Fundo Verde para o Clima, por sua vez, recomenda que o Conselho da entidade, em sua 27ª reunião – a ser realizada de 9 a 13 de novembro – aprove um pedido de mais de 60 milhões de dólares em financiamento para o REDD, apresentado pelo Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE) em nome do governo da Nicarágua. Caso o Conselho do Fundo siga a recomendação do Secretariado, o conflito, a criminalização e a repressão das vozes críticas se tornarão realidade.

Isso não deve acontecer! Assine esta Carta Aberta, pedindo aos membros do Conselho que rejeitem o pedido de financiamento apresentado pelo BCIE em nome do governo da Nicarágua.

A Carta está aberta para que as organizações a assinem até sexta-feira, 6 de novembro de 2020, e será enviada ao Conselho do Fundo Verde para o Clima antes de sua reunião, que começa em 9 de novembro.

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>>> Faça o download a carta em PDF.

CARTA ABERTA aos membros do Conselho do Fundo Verde para o Clima

Chamamos o Conselho do Fundo Verde para o Clima a rejeitar o pedido de financiamento (FP146) “Bio-CLIMA Project. Integrated climate action to reduce deforestation and strengthen resilience in BOSAWÁS and Rio San Juan Biospheres" (Projeto Bio-CLIMA. Ação climática integrada para reduzir o desmatamento e fortalecer a resiliência em BOSAWÁS e nas Biosferas do Río San Juan), apresentado pelo Banco Centro-Americano de Integração Econômica (BCIE) em nome do governo da Nicarágua. Esse pedido de financiamento deixa claro por que o Fundo Verde para o Clima deve interromper imediatamente o financiamento de projetos de REDD: a descrição tendenciosa e incompleta das causas do desmatamento e as atividades preocupantes que resultam dessa análise incorreta apresentada na FP146 mostram, mais uma vez, que o REDD não contribuiu para enfrentar as causas o desmatamento. Pior ainda, sua aplicação coloca em risco o sustento e até a vida das pessoas, e agrava os conflitos, tanto entre os órgãos de Estado, os que propõem projetos REDD e as comunidades que exercem seus direitos tradicionais à terra, quanto os conflitos entre diferentes comunidades e dentro de cada uma delas.

O pedido de financiamento do BCIE afeta as áreas protegidas de Bosawás e Indio Maíz, nas Regiões Autônomas da Costa do Caribe, na Nicarágua. Nessas duas áreas estão as maiores florestas intactas da América Latina depois da Amazônia, que, por gerações, foram protegidas por povos indígenas e comunidades afrodescendentes cujos territórios se sobrepõem amplamente às áreas protegidas de Bosawás e Indio Maíz.

O pedido de financiamento para REDD apresentado pelo BCIE em nome do governo da Nicarágua representa um risco extraordinariamente alto e previsível de aumento das tensões sobre o uso da terra em uma área onde a (in)ação histórica dos sucessivos governos levou a um escalada de assentamentos ilegais e atividades de extração empresarial dentro dos territórios dos povos indígenas e comunidades afrodescendentes nas duas áreas que estão no foco do pedido de financiamento. O resultado foi desmatamento em grande escala, com a destruição anual de 150 mil hectares de floresta na Nicarágua entre 2005 e 2015, grande parte dos quais está localizada nas áreas protegidas de Bosawás e Indio Maíz/Río San Juan.

A implementação dessa proposta de financiamento está fadada a violar os direitos dos povos indígenas. As atividades descritas no pedido de financiamento não reduzirão o desmatamento nessas grandes áreas de floresta intacta da costa caribenha da Nicarágua porque o projeto ignora as causas fundamentais do desmatamento, como a concessão de licenças para extração de madeira e mineração a empresas estrangeiras sem o consentimento das autoridades competentes nos territórios indígenas. Por exemplo, um mês depois de uma nova lei criar a Companhia Mineradora Nicaraguense em 2017 e facilitar o acesso a concessões para mineração a empresas estrangeiras, o total de terras sob esse tipo de concessão mais do que dobrou, passando de aproximadamente 1,2 milhão para 2,6 milhões de hectares – mais de 20% do país. Cerca de 853.800 hectares dessas concessões estão na zona-tampão da área protegida de Bosawás.1

Um relatório recente também expõe a ligação entre concessões de mineração, desmatamento e violência nas áreas visadas pelo FP146. O relatório revela que os diretores de três mineradoras estão por trás de uma das madeireiras, a MLR Forestal, responsável pela destruição de florestas e por situações de violência nessas áreas.2 Muitas dessas concessões industriais foram feitas sem o consentimento dos povos indígenas exigido por lei. Os territórios desses povos estão sendo destruídos por madeireiras e mineradoras.

Embora mencione a pecuária como causa do desmatamento, o pedido de financiamento não apresenta uma análise profunda das causas subjacentes, como um setor de carne voltado à exportação, com vínculos entre a indústria exportadora e a pecuária que é comum em assentamentos ilegais dentro dos territórios indígenas. Como resultado, as atividades propostas para administrar assentamentos ilegais e a pecuária não conseguirão reduzir o desmatamento e provocarão mais violência e desespero.

Outro agente do desmatamento que não é mencionado no pedido de financiamento é a falta de ação governamental, ao longo dos anos, para concluir a etapa final de reconhecimento jurídico dos territórios de povos indígenas e comunidades afrodescendentes nas duas Regiões Autônomas da Costa do Caribe. Esses direitos são protegidos pela Constituição da Nicarágua, e a Lei Constitucional 28 exige, entre outras coisas, essa etapa final chamada Saneamento, ou cura da terra. Exige que o Estado suprima todos os colonos e empresas que operem nos territórios dos povos indígenas sem títulos legais ou contratos de arrendamento com as autoridades comunitárias estabelecidas.

Atores como a Aliança dos Povos Indígenas e Afrodescendentes da Nicarágua (APIAN) alertaram para o fato de que “todos os territórios indígenas e afrodescendentes do país estão sendo colonizados. Na Reserva Biológica Indio-Maíz, garimpeiros estão se estabelecendo em busca de ouro e, em diversas ocasiões, grupos armados ameaçaram famílias dos povos indígenas Rama e afrodescendentes Kriol. Enquanto isso, na Reserva da Biosfera de Bosawás, grupos de homens com armas de guerra causaram o deslocamento forçado de comunidades inteiras dos indígenas Miskitos e Mayangna, e o Estado não conseguiu proteger esses povos, apesar dos vários pedidos”.3 Mesmo com os apelos reiterados de associações de povos indígenas para que o governo nicaraguense implementasse integralmente uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos confirmando essa obrigação legal do Estado, o governo não deu passos concretos para eliminar os assentamentos ilegais ou as empresas que operam sem o consentimento das comunidades indígenas. 4

Em suma, o pedido de financiamento para REDD apresentado pelo BCIE não faz qualquer menção à mineração, à exploração industrial de madeira ou à falta de ação do governo para realizar o Saneamento em terras indígenas reconhecidas nas áreas protegidas de Bosawás e Indio Maíz/Río San Juan. Em realidade, o pedido de financiamento é mais uma das tantas propostas de REDD a perpetuar o discurso unilateral que responsabiliza a pequena agricultura pelo desmatamento. Embora os assentamentos ilegais sejam, sem dúvida, uma causa do desmatamento nessas duas unidades de conservação e nas terras indígenas, a proposta de financiamento não contextualiza nem analisa esse fenômeno, o que seria fundamental para obter respostas adequadas a essa devastação.

O cumprimento dessa obrigação legal por parte do governo seria uma importante contribuição para conter o desmatamento dessas terras indígenas, especialmente importante diante do aumento nos assentamentos ilegais desde o começo da pandemia de Covid-19. Esses acordos não seriam possíveis sem a cumplicidade das autoridades e a participação do setor privado (com capital nacional e estrangeiro). Essa mesma situação favorece a construção de novas igrejas dentro e ao redor dos assentamentos ilegais. Um relatório de julho de 2020 identifica a construção ilegal de 23 igrejas dentro da área protegida Indio Maíz/Río San Juan.5 O relatório destaca o apoio explícito de autoridades à construção ilegal, citando como exemplo a prefeitura de um município da região, que forneceu os materiais de construção.

O aumento nos assentamentos ilegais desde o início da pandemia também levou a um crescimento alarmante na quantidade de assassinatos. O número de indígenas mortos em conflitos com invasores praticamente dobrou em relação aos últimos anos.6 Desde janeiro de 2020, dez pessoas das comunidades Mayangna e Miskito, na Região Autônoma da Costa Norte do Caribe, foram mortas, elevando a 46 o número total de assassinatos desde 2015.

Em fevereiro de 2020, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (EACDH) destacou a falta de proteção aos direitos dos povos indígenas e a impunidade dos crimes cometidos contra eles nas regiões onde seria implementado o Projeto BIO-CLIMA. O EACDH conclamou o governo da Nicarágua a adotar as medidas necessárias para evitar que a violência continue e proteger terras, territórios e recursos das comunidades indígenas.7 Contudo, desde então, a situação mudou para pior.

Nada disso se reflete no pedido de financiamento que o BCIE apresentou em nome do governo da Nicarágua. Ao contrário, o pedido inclui atividades que essencialmente darão impunidade aos assentamentos ilegais. A própria avaliação de risco ambiental e social do Fundo Verde para o Clima descreveu como “importantes” os “riscos de intervenção do projeto que podem agravar conflitos entre agricultores/colonos e comunidades (indígenas).”

Em outras palavras, esse pedido de financiamento para REDD certamente não enfrentará as verdadeiras causas do desmatamento nas florestas de Bosawás e Indio Maíz e, entre as 42 ações, há várias que muito provavelmente exacerbarão os atuais conflitos, cuja raiz está nas políticas governamentais que pressionam os agricultores a entrar nos territórios dos povos indígenas.

Além disso, a solicitação do BCIE de financiamento para REDD propõe um procedimento de “consentimento livre, prévio e informado” que prejudica a proteção legal concedida aos territórios indígenas das Regiões Autônomas da Costa do Caribe, onde a maioria das atividades incluídas no pedido de financiamento FP146 será implementada.

A Lei 28 da Constituição da Nicarágua garante a inalterabilidade dos direitos à terra de indígenas e afrodescendentes, e reconhece o direito dessas comunidades a exercer controle total sobre suas terras. As decisões sobre o uso da terra, portanto, cabem à comunidade.

Mais de 80% do orçamento da proposta de financiamento serão gastos nas duas áreas protegidas que abrangem grande parte dos territórios de povos indígenas e comunidades afrodescendentes, onde a lei garante às comunidades esses direitos de determinar o uso das terras. O pedido de financiamento do BCIE não esconde o fato de que a proposta ainda não foi discutida com as comunidades desses territórios.

Sendo assim, como o BCIE pode afirmar que cumpre a exigência do Fundo Verde para o Clima sobre pedidos de financiamento que afetem territórios de povos indígenas, e que o projeto demonstra o “consentimento livre, prévio e informado”? O BCIE simplesmente propõe a exclusão das comunidades que não deem seu consentimento às atividades propostas. Essa, no mínimo, é uma interpretação altamente implausível do princípio do Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI). Na verdade, considerando-se a atual situação de forte intimidação e repressão a opiniões críticas na Nicarágua, o que levou a uma nota, entre muitas outras, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o fato de o Secretariado do Fundo Verde para o Clima implementar uma proposta que viola o procedimento do CLPI com certeza colocará em risco os membros das comunidades desses territórios indígenas e afrodescendentes. É isso que significa, na prática, a política de CLPI do Fundo Verde para o Clima? Um relatório publicado há algumas semanas identifica vários casos em que governos paralelos respaldados pelo Estado se apropriaram dos direitos indígenas à terra para controlar a atribuição de títulos e a concessão de terras.8

Como pode uma proposta de financiamento com uma abordagem inadequada ao Consentimento Livre, Prévio e Informado ser aprovada pelo processo de avaliação do Fundo Verde para o Clima, quando está amplamente documentado que os direitos constitucionais das comunidades indígenas e afrodescendentes dos territórios afetados pelo pedido de financiamento do BCIE foram e continuam sendo ameaçados?

O fracasso do processo de seleção com relação ao REDD foi novamente exposto pelo Secretariado, que encaminhou o FP146 para a aprovação do Conselho do Fundo Verde do Clima. Isso acontece em seguida à 26ª reunião do Conselho, em agosto de 2020 (B26), na qual alguns membros criticaram a má qualidade da avaliação das propostas de REDD submetidas à aprovação do órgão. Preocupações como as expressas pelos membros do Conselho no B26 são importantes, mas se não forem traduzidas em ações, acabam sendo um exercício vazio. Está claro que é hora de encerrar a experiência do Fundo Verde para o Clima com o financiamento do REDD.

A proposta de financiamento apresentada pelo BCIE em nome do governo da Nicarágua demonstra porque é imperativo que o Fundo Verde para o Clima interrompa imediatamente o financiamento do REDD. É muito preocupante que uma proposta de projeto como o FP146, baseada em uma avaliação tão perigosamente incorreta das causas e do contexto do desmatamento, possa ser aprovada pelo processo de avaliação do Fundo. Na verdade, deixar de avaliar corretamente os riscos contidos no pedido de financiamento e enviar essa proposta de REDD ao Conselho para aprovação pode ameaçar a vida das pessoas em um contexto de violenta repressão estatal às opiniões críticas na Nicarágua. Lembremos que, para as organizações da sociedade civil, a simples publicação de uma carta criticando o pedido de financiamento apresentado ao Conselho do Fundo Verde para o Clima representa um risco real de repressão e criminalização.

A aprovação do FP146 sem dúvida colocaria em grave risco a reputação do Fundo Verde para o Clima: conflitos, criminalização e repressão de opiniões críticas vão se concretizar se esse pedido de financiamento for aprovado pelo Conselho do Fundo. Por todos esses motivos, chamamos o Conselho a rejeitar o pedido de financiamento FP146 do BCIE para o Projeto Bio-CLIMA – Ação climática integrada para reduzir o desmatamento e fortalecer a resiliência em BOSAWÁS e nas Biosferas do Río San Juan e suspender a aprovação de novos pedidos de financiamento ao REDD+.

5 a 9 de novembro de 2020

WRM – Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais

Assinaturas das organizações:

 

Referências: