A luta dos indígenas Kinggo para defender a floresta tradicional de Papua

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 Indigenous Kinggo papua
Foto: Yayasan Pusaka Bentala Rakya (Bentala Raya Heritage Foundation)

O Grupo Korindo desmatou as florestas do Povo Kinggo para suas plantações industriais de dendê. Petrus Kinggo e outros líderes comunitários foram persuadidos a abrir mão de terras florestais tradicionais em troca de promessas enganosas e falsas. Agora, eles estão lutando contra o Korindo, certificado pelo FSC, apesar da contínua intimidação.

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A Indonésia é o maior exportador mundial de óleo de dendê, e Papua é a nova fronteira. As florestas na ilha se tornaram o alvo de investimentos do momento, depois que as de Sumatra, Kalimantan e Sulawesi foram convertidas amplamente em plantações industriais de dendê. Vários grandes projetos têm como alvo as florestas de Papua. (1)

Petrus Kinggo, ancião e membro do povo Wambon Tekamerop, da aldeia de Kali Kao, subdistrito de Jair, na Regência de Boven Digul, província de Papua, é o líder do grupo indígena Kinggo, a quem pertence a floresta tradicional em Kali Kao. Eles vivem nessas florestas há séculos.

Na década de 1990, a floresta tradicional da comunidade nessa área foi transformada em concessão madeireira, entregue à empresa PT. Bade Makmur Orissa, subsidiária do Grupo Korindo, gigante coreano do óleo de dendê. Aproveitando o forte relacionamento do grupo com o governo do país, a empresa obteve uma licença de corte em 1993, sobre uma área de 462.600 hectares. O Grupo Korindo controla mais terras em Papua do que qualquer outro conglomerado.

A empresa desmatou as florestas tradicionais dos povos indígenas sem o consentimento das comunidades e lucrou com a abundância de produtos florestais de madeira. Os indígenas que vivem na área sofreram grandes perdas, incluindo o direito de acesso e uso de suas florestas. Além disso, tiveram e ainda terão que enfrentar violência por parte das autoridades. Consequentemente, os povos indígenas da área rejeitam e protestam contra a injustiça e a destruição de suas florestas tradicionais.

O Grupo Korindo também possui outras sete empresas de plantação de dendê no sul de Papua, que operam em 148.651 hectares de áreas com florestas nas Regências de Merauke e Boven Digoel. São elas: PT. Tunas Sawa Erma POP A, PT. Tunas Sawa Erma POP B at Getentiri, PT. Berkat Cipta Abadi POP C, PT. Berkat Cipta Abadi POP D, PT. Dongin Prabhawa, PT. Papua Agro Lestari e PT. Tunas Sawa Erma POP E. Essa situação mostra como as empresas continuam reproduzindo a desigualdade em relação à posse da terra, em detrimento dos direitos e meios de subsistência das comunidades, e sem qualquer consentimento.

Uma das empresas mencionadas e pertencentes ao Grupo Korindo, a PT Tunas Sawa Erma POP E, obteve licença para plantar 19.015 hectares de dendezeiros em 2014. Parte dessa área está localizada no território florestal tradicional de Kali Kao.

Petrus Kinggo e vários líderes comunitários foram convencidos a abrir mão de terras florestais tradicionais. A empresa Korindo ofereceu dinheiro às comunidades (apenas 8 dólares por hectare). Na Indonésia, se usa uma expressão para isso: “uang luka” (“dinheiro de prejuízo”), o que significa dinheiro para esquecer os “erros” que a empresa cometeu no passado​​, quando cortou as melhores árvores na Área de floresta tradicional dos Kinggo. Isso veio com algum tipo de promessa de bem-estar.

Só mais tarde, Petrus Kinggo e os moradores de Kali Kao perceberam que o apoio não viria, depois de assinar os documentos do acordo. Mal sabia ele que, assinando aquele documento, entregaria os direitos consuetudinários de posse da floresta e uso da terra à empresa, para sempre. Além disso, a lei consuetudinária da comunidade Kinggo proíbe a transferência de terras tradicionais.

Petrus ficou desconfiado quando a empresa não cumpriu suas promessas. Ele consultou um advogado especializado, que lhe explicou que a comunidade Kinggo havia perdido os direitos florestais consuetudinários. Petrus e a comunidade tiveram que engolir aquele remédio amargo. Eles se sentiram traídos e culpados ao mesmo tempo, já que, sem saber, haviam violado suas próprias regras consuetudinárias.

“A Korindo prometeu devolver a terra depois de usar, mas segundo a lei indonésia, eu perdi meus direitos à terra para sempre. Não podemos e não aceitaremos as fraudes cometidas pela empresa”, disse Petrus Kinggo em 2018.

Protegendo Florestas Indígenas

Traído e profundamente magoado, Petrus Kinggo lutou contra o Grupo Korindo para recuperar a floresta tradicional da comunidade. Ele recebeu apoio de povos indígenas da região, igrejas e organizações da sociedade civil. Para recuperar a floresta tradicional, Petrus mapeou a área consuetudinária e realizou rituais tradicionais para banir as atividades da empresa. Ele também foi ao governo local pedindo reconhecimento como grupo indígena Kinggo e instando o governo a revogar a licença de plantio da empresa, já que essas florestas pertencem à comunidade Kinggo. A lei indonésia pode reconhecer grupos indígenas e florestas consuetudinárias, mas requer a aprovação do governo local.

Vários partidos políticos abordaram a comunidade indígena Kinggo oferecendo diversas vantagens e benefícios se Petrus apoiasse a empresa. Todas as ofertas foram rejeitadas. Petrus viu os impactos do corte das florestas em primeira mão, que também resultaram em danos ao solo e à água, perda de alimentos locais e extinção de animais endêmicos de Papua. Além disso, com as empresas de plantações em seu território, os indígenas não podem mais ser independentes, pois suas vidas dependem da assistência dessas empresas. A empresa oferece emprego, mas apenas com contratos temporários instáveis.

Sua posição em relação à floresta tradicional e suas ações inspiraram outros grupos indígenas a fazer o mesmo. Ele conseguiu formar um grupo para lutar coletivamente pela proteção das florestas tradicionais. Os esforços conseguiram conter o desmatamento na floresta tradicional em Boven Digoel, a mesma regência onde está localizada a comunidade indígena Kinggo.

Apesar dos riscos para sua vida e sua comunidade, como ataques de representantes do Grupo Korindo, apoiadores da empresa e forças de segurança do Estado, Petrus persistiu. Foi submetido a contínuas intimidações, com divulgação de fotos pessoais, acusações de uso de magia negra, ameaças de prisão sem base real e agressão física. Os ataques tinham como objetivo fazer com que Petrus Kinggo e a comunidade interrompessem suas atividades de defesa da floresta tradicional.

Embora esses ataques tenham sido relatados à polícia local, as denúncias não tiveram resposta adequada. O governo local parecia tendencioso e não estava fazendo o necessário para garantir a segurança do grupo Kinggo. Diante dessa situação, a empresa negou repetidamente o seu envolvimento, apesar das inúmeras evidências que o confirmavam.

Várias organizações da sociedade civil manifestaram seu apoio ao fim imediato dos ataques do Grupo Korindo contra os defensores dos direitos humanos em Papua. Os ataques contra Petrus, como indígena e defensor da terra, são violações dos direitos humanos. O Estado deve dar total proteção a ele e à comunidade indígena Kinggo. O Grupo Korindo e suas subsidiárias devem respeitar e aceitar a decisão do povo de proteger suas florestas tradicionais.

O selo FSC e o Grupo Korindo: certificando o desmatamento

Muitas das denúncias indígenas contra o Grupo Korindo foram investigadas pelo sistema de certificação Conselho de Manejo Florestal (FSC), que deve garantir que os produtos de madeira provêm de empresas éticas e sustentáveis. O relatório do FSC sobre as denúncias contra o Korindo nunca foi publicado, após a empresa ameaçar com ações na justiça. Um artigo da BBC, no entanto, publicou algumas das conclusões desse relatório.

De acordo com a BBC, o documento mostrou “evidências acima de qualquer dúvida razoável” de que a operação de óleo de dendê do Korindo destruiu 30.000 hectares de floresta de alto valor de conservação, violando os regulamentos do FSC; que “havia evidências suficientes” de que a empresa estava “apoiando a violação dos direitos tradicionais e humanos em seu próprio benefício” e “se beneficiando diretamente da presença militar para obter uma vantagem econômica injusta” ao “oferecer indenizações injustas às comunidades”. O relatório recomendava inequivocamente que o Grupo Korindo fosse expulso do FSC, mas essa recomendação foi rejeitada pelo conselho da organização. Portanto, a questão é: o que a certificação FSC realmente representa?

Korindo leva estratégias de intimidação aos tribunais alemães

A ONG Rainforest Rescue (Rettet den Regenwald) está sendo processada no Tribunal Distrital de Hamburgo, na Alemanha, pela Kenertec, fabricante indonésia de turbinas eólicas. A reclamação é baseada em uma carta que a ONG enviou em 2016, em conjunto com outras organizações, às empresas de energia Siemens e Nordex. O documento informava que essas empresas fazem negócios com o Grupo Korindo, acusado de destruição em massa de florestas tropicais e violação dos direitos de povos indígenas em Papua e nas Molucas do Norte. O caso do tribunal é uma tentativa clara de silenciar e intimidar a oposição. Mas o que aconteceu foi o contrário.

Uma carta de solidariedade em resposta à ação judicial, assinada por mais de 100 organizações de todo o mundo, enfatiza que, “em vez de os responsáveis serem processados, os tribunais estão cada vez mais sendo usados ​​para assediar ambientalistas”. (2) A ONG assumiu uma posição forte contra as estratégias de intimidação da empresa, como afirmou em uma nota à imprensa: “Usaremos as audiências para fazer o público despertar e divulgar ainda mais a destruição da floresta tropical.”

É evidente que as grandes plantações de dendê beneficiam apenas as grandes corporações e criam um ecocídio para a vida humana e natural em Papua.

Se esses projetos não forem interrompidos imediatamente, é inevitável que haja mais destruição.

Tigor Gemdita Hutapea e Franky Samperante
Yayasan Pusaka Bentala Rakya (Bentala Raya Heritage Foundation)

(1) Em 2010, 1,2 milhão de hectares de florestas em Merauke, Papua, foram convertidos no projeto Merauke Integrated Food and Energy Estate (MIFEE), que acabou fracassando e gerou vários conflitos e problemas sociais. O governo restabeleceu recentemente um projeto de “fazenda de produção de alimentos” de 3,2 milhões de hectares, em florestas nas áreas de Merauke, Boven Digoel, Mappi e Asmat.
2) Rainforest Rescue, We will not be intimidated or silenced! – a declaration of solidarity, janeiro de 2021
(3) Rainforest Rescue, Audiências abertas em processo contra Rettet den Regenwald, janeiro de 2021