Madagascar: comunidades florestais impactadas pela mineração da Rio Tinto

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Madagascar é a quarta maior ilha do mundo e frequentemente é retratada como um dos países mais pobres na África, sendo que mais de 75% da população depende principalmente da agricultura para seu sustento.

A região Anosy, localizada nas montanhas do sudeste de Madagascar, é o lar de aproximadamente meio milhão de habitantes. É uma região úmida com variada biodiversidade que inclui desde florestas litorâneas, úmidas e de transição até pântanos e áreas cobertas de árvores.

A partir de 2005, a cidade principal da região, conhecida como Fort Dauphin, tem sido alvo de investimentos financeiros sob o programa de ‘pólo de crescimento’ do Banco Mundial que colocou a mineração no centro da estratégia de desenvolvimento regional. A mina é propriedade privada da QiT Minerals Madagascar (QMM), uma subsidiária da Rio Tinto. Durante os próximos sessenta anos serão extraídas e exportadas para o Canadá aproximadamente 750.000 toneladas de ilmenita (um minério que se transforma em dióxido de titânio- um branqueador industrial).

A mina trouxe consigo mudanças drásticas para as vidas dos moradores rurais que habitam nos arredores das florestas locais localizadas na trajetória da mina e que dependem delas. Aproximadamente 6.000 hectares de paisagem costeira está sob a custódia do projeto da QMM para a extração. Estima- se que 1097 hectares tenham sido designados como áreas de conservação com acesso restrito.

As recém-designadas ‘zonas de conservação’, estabelecidas pela QMM e o Serviço Florestal empregam um sistema que restringe o acesso à floresta. Isso significa que muitos moradores- que dependiam de seus próprios mecanismos tradicionais de manejo- agora devem pagar (caso contrário serão multados) para entrar e tomar produtos da floresta. A maior parte são agricultores e pescadores de baixos recursos econômicos que recebem menos de um dólar ao dia e que agora estão excluídos de seus recursos vitais.

Algumas comunidades já foram deslocadas de suas terras para permitir a construção de um porto novo, uma pedreira, estradas e alojamento para os trabalhadores da mina. Outros tiveram o acesso restrito aos locais em que pescavam tradicionalmente. Um processo de compensação financeira foi aplicado para aqueles que foram afetados pelo descolamento, mas há disputas em andamento por causa da quantia de compensação oferecida. A maioria considera que é insuficiente para equilibrar a perda de acesso às áreas de pescaria e de lavoura que têm sustentado suas famílias durante muitas gerações.

A maior parte da população local vive da agricultura de subsistência (86%). Eles designaram a posse de suas terras através de meios tradicionais que são reconhecidos pela comunidade. A posse legal é difícil e custosa e estima-se que de 90% dos agricultores de Madagascar que possuem terras, apenas 8% tem títulos de propriedade. Os processos de compensação favorecem inevitavelmente aqueles que têm títulos legais. 

A seguir, há alguns testemunhos da população local sobre os impactos decorrentes do projeto de mineração:
Uma mulher de 22 anos chamada Fanja diz: “Tenho que coletar galhos na floresta para cercar as hortas e assim evitar que os animais domésticos comam as sementes. Mas a coleta de paus tornou-se um problema porque a floresta pertence aos estrangeiros (QMM). É surpreendente que uma floresta de nossa região possa transformar-se em propriedade de estrangeiros. Agora mesmo, os moradores locais precisam autorização para cortar as árvores. O pior é que nós temos que pagar para ter permissão... Nós não tínhamos que comprar lenha [antes]... Os homens iam coletar madeira para a construção e traziam a quantidade que necessitavam para construir uma casa. As mulheres tiravam proveito da lenha gratuita e faziam um pequeno negócio ao vendê-la a outras pessoas... Além disso, as pessoas não precisavam comprar medicinas. As plantas medicinais estavam disponíveis para nós nas florestas... Eu ainda dependo da floresta para satisfazer minhas necessidades, especialmente para coletar mahampy para trançar cestos que é minha ocupação ...[No passado], se eu não podia coletar mahampy, podia coletar lenha e fazer um dinheirinho... Agora, tudo mudou. A floresta é um local proibido… Se essas restrições continuarem, nós vamos cair em problemas crônicos.”

Constand, um homem de 31 anos de idade, explica como a floresta tornou-se “uma área protegida”: “A QMM chegou ao povoado... Eles disseram que precisavam proteger a floresta... A QMM juntou assinaturas no povoado para obter a aprovação para transferir o manejo da floresta a eles... A comunidade local, junto com a ONG local, manifestou sua oposição aos planos da QMM de manejar a floresta. Mas isso não impediu que a QMM se apropriasse da floresta de St Luce.... [Eles disseram] o desflorestamento ameaçava a floresta St Luce e por isso estava na hora de tomar providencias... Os moradores de St Luce acreditaram... eles ainda teriam acesso à floresta... Por isso eles não se opuseram aos planos com a suficiente veemência.

Infelizmente, [nossas] dificuldades se acentuaram porque a WMM não permite que tenhamos acesso à floresta... Tirou os recursos que os moradores precisavam para seu sustento... Porque os moradores são pobres, precisam da floresta... Em vez de construir casas de tijolos, eles usam os recursos florestais... Segundo, a terra florestada é fértil e providencia bons plantios de mandioca, batata-doce e arroz. Então muitos agricultores clareavam a floresta para expandir suas lavouras. Terceiro, a floresta providencia muitas coisas boas como as plantas medicinais.... A única coisa que os moradores ainda podem fazer é coletar lenha, mas os guardas da QMM devem supervisionar a todos os que quiserem fazer isso...

No passado, a comunidade local manejava a floresta diretamente, eles cobravam uma taxa aos turistas que visitavam a floresta e sua biodiversidade. O número de turistas aumenta a cada ano, e agora muitos estudantes do exterior vêm para desenvolver pesquisas científicas. Essas visitas melhoram a renda dos moradores.

Esses benefícios [agora] desapareceram… Agora o pessoal da QMM etiquetam a maior parte dos animais que vivem na floresta. Em breve a QMM irá alegar que todos os animais etiquetados são deles...

Cheguei à conclusão de que só o governo pode idear um acordo para recuperar os direitos da comunidade local.... É um desafio enorme para as pessoas redigir uma carta e enviá-la às autoridades correspondentes. A maior parte de nós é analfabeta...A única oportunidade para os moradores de St Luce de expressar suas reclamações é através de entrevistas como esta.”
Bruno,  um homem de 43 anos relembra: “No passado, havia uma floresta densa, mas desde que a QMM começou a manejá-la, é como se a floresta tivesse diminuído... Isso fez com que fosse mais difícil nossa sobrevivência, já que nossas vidas dependem diretamente dos produtos florestais... Nossas crianças irão ter dificuldades para encontrar madeira para a construção e não terão dinheiro para comprá-la em outros lugares...

Outro problema é a restrição na coleta de lenha, apesar de ser o meio principal para nós cozinharmos nossas comidas. [Agora] as pessoas são obrigadas a ir até Fort Dauphin para comprar carvão...

Se alguém vem de visita a minha casa, nosso costume é oferecer a ele alguma coisa para comer... Agora eu não tenho lenha, eu não posso preparar uma comida... Sou obrigado a sair para buscá-la... [O visitante] poderia sair sem comer nada, o que na minha cultura seria uma vergonha para mim.”

Zanaboasty, homem de 58 anos, explica “[A QMM] tira proveito de nossa situação, de nós sermos fracos demais para fazer oposição. Além disso, nós não temos educação; então nós temos que aceitar- contra nossa vontade- o que eles [propõe].” Zanaboasty resume a situação ao descrever a WMM como “a bain-tany”- literalmente ‘uma ferida da terra’, expressão que significa ao mesmo tempo dificuldade e privação- e que ele agora não tem “nenhuma oportunidade de me dar bem na vida e de providenciar um futuro melhor para minha família.”

Extraído e adaptado de: “Madagascar. Voices of Change”, Andrew Lees Trust & Panos Londres, 2009. O documento na íntegra está disponível em:http://www.andrewleestrust.org/Reports/Voices%20of%20Change.pdf