Colômbia: A “transição energética” põe em risco o noroeste da bacia amazônica

Imagem
B269_Colombia
Festival Água, Montanha e Vida, 2023. Foto: Facebook Guardianes de la Andinoamazonía

Neste século, a transição energética é um desafio importante para a humanidade, e é promovida como sendo a estratégia diante da crise climática, do aquecimento global, do desequilíbrio planetário, do desaparecimento de espécies, etc. Está em jogo a vida e, se continuar a tendência de consumo de derivados de combustíveis fósseis e minerais que liberam CO2 – principalmente nos países do Norte global e pelas elites nos países do Sul –, o processo de autodestruição será irreversível.

A transição energética não é algo novo. Na história, há registro das mudanças que os seres humanos foram adotando e adaptando para melhorar seu bem-estar: por exemplo, o atrito das pedras produziu fogo e eles passaram de comer alimentos crus a deliciosos churrascos, houve os avanços nos sistemas de transporte – a vapor, ferroviário, motorizado e aéreo – e a industrialização levou à dependência de combustíveis fósseis. Durante o século XX, o desenvolvimento de novas tecnologias implicou um aumento progressivo do consumo de minérios, incluindo o cobre.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, tem proposto que a transição energética seja assumida como um dever de todos os países, por meio de apelos à redução do consumo de combustíveis fósseis e das emissões de CO2. No país, esses postulados geram tensões com os setores de mineração e de petróleo e gás, e é difícil abandonar esse modelo.

Por outro lado, quando se fala em transição energética, pouca ou nada se diz sobre as inúmeras experiências comunitárias que implicam uma soberania energética verdadeira, as quais contrastam com projetos de desenvolvimento de maior escala, envolvendo parques eólicos e painéis solares, instalações que exigem grandes quantidades de minérios, como cobre e terras raras, mas que, como o processo final de produção de energia não libera CO2, são classificadas como “limpas”.

Nesse contexto, acentua-se a demanda por minérios para a descarbonização no mundo e a transição energética resulta em um discurso ameaçador no noroeste da Bacia Amazônica, uma vez que essa área se sobrepõe a uma das jazidas de cobre do país. Atualmente, a empresa canadense Libero Copper (registrada na Colômbia como Libero Cobre) possui quatro licenças de mineração em processo de exploração (na imagem 1, em vermelho). No imaginário coletivo, presume-se que o destino final seja a exportação do minério.

A área dos títulos está localizada a 10 km da zona urbana de Mocoa, capital do departamento de Putumayo. Sua projeção de exploração é de aproximadamente 2 milhões de toneladas de cobre e 232 mil de molibdênio (1). Essas licenças foram adquiridas durante o governo Álvaro Uribe (2002 -2010), no período denominado “pinhata mineira”, em que foram vendidas grandes áreas de terras para o extrativismo mineiro-petroleiro do país.

Imagem
B269_Colombia_imagen1
Antecedentes: A “pinhata mineira” (2002-2010)

Mocoa: uma cidade andino-amazônica

Na fronteira sudoeste do país fica Mocoa, a 630 km de Bogotá. A cidade se destaca tanto socioecológica quanto bioculturalmente, com aproximadamente 63.639 habitantes ou 16,6% do total da população do departamento, constituída etnicamente por indígenas, afrodescendentes, camponeses e colonos. Territorialmente, existem cinco terras indígenas: Inga Condagua e Yunguillo; Inga-Camëntsa; La Paila Naya; Inga e koreguaje, e La Florida-Nasa, além de Câmaras Municipais das cidades de Siona, Yanacona, Pastos e cinco Conselhos Comunitários de Afrodescendentes.

O território é um amálgama de culturas onde a ancestralidade se expressa: algumas famílias usam sementes, fibras e argila na fabricação de produtos artesanais para sustento econômico. As pessoas também vivem do turismo de natureza, da produção agrícola e, na área urbana, do setor de serviços e comércio.

Geograficamente, Mocoa está localizada na confluência entre o Maciço Colombiano e a Amazônia. Conhecida como estrela hídrica, a área é um dos territórios mais importantes do país em termos de nascentes (2). Além disso, compartilha com o município de São Francisco a área da Reserva Florestal Protetora da Bacia Alta do rio que leva seu nome, o Mocoa (RFPCARM). É uma Reserva Ecoestratégica porque é o corredor que liga vários Parques Nacionais Naturais (PNN) e Reservas Ambientais: Cueva de los Guacharos, Laguna da Cocha, Santuário de Flora e Fauna Galeras, Santuário de Flora Isla de la Corota, Reserva Natural Paway Mariposario e Santuário de Flora Plantas Medicinais Orito Ingi-Ande.

O território é atravessado por 21 nascentes, oito rios e 13 córregos (3), que compõem o leque do Rio Mocoa. Este, por sua vez, alimenta a Bacia Alta do Rio Caquetá, terra de belas paisagens, composta por páramos, terraços e vales de muita riqueza sedimentar e esplêndida biodiversidade. Suas montanhas servem de refúgio para espécies ameaçadas de extinção, como o urso-de-óculos, a anta-da-montanha e a onça-pintada (4). Além disso, há a árvore da espécie Elaeagia pastoensis, popularmente conhecida como mopa-mopa, da qual é extraído o verniz, matéria-prima usada pelos artesãos de Pasto (Nariño). (5) Essas espécies são classificadas como vulneráveis ​​à extinção devido à perda de habitat e outros fatores.

Por estar localizada na transição andino-amazônica, Mocoa tem condições atmosféricas especiais. Entre elas, um clima quente e úmido, com precipitações que ultrapassam os 4.000 milímetros anuais, uma geografia de altas encostas, que variam de 600 a 3.200 metros acima do nível do mar, e solos geologicamente jovens em formação, o que torna essa região uma zona de erosão ativa.

O território andino-amazônico sob ameaça

Há mais de quatro décadas são realizados estudos sobre o potencial de Mocoa para a mineração. Na década de 1970, foi assinado um acordo entre o antigo Instituto Nacional de Pesquisas Geológico-Mineiras (INGEOMINAS) e a ONU. A tabela anexa é o resumo do relatório realizado em 31 poços perfurados na margem direita do Rio Mocoa.

Imagem
B269_tablaColombiaPOR

A projeção do Relatório do INGEOMINAS é preocupante, considerando a elevada fragilidade ambiental de Mocoa, pois, contraditoriamente, os benefícios também implicam riscos. O leque hídrico, a geomorfologia jovem do solo e, ainda, o fato de se situar na zona de transição entre placas tectônicas – por ser atravessado por falhas geológicas – torna-o propenso aos impactos das mudanças climáticas.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas faz alertas constantes sobre a degradação do planeta, dizendo que os efeitos serão mais evidentes em territórios de elevada fragilidade ambiental. Fomos testemunhas disso no dia 31 de março de 2017, quando eclodiu a Tragédia de Mocoa: uma enxurrada torrencial inundou 17 bairros, cinco dos quais ficaram completamente destruídos. A avalanche deixou mais de 333 mortos, 398 feridos graves e 71 desaparecidos, segundo registros oficiais (6), mas a população fala em números maiores. Nos bairros destruídos, viviam vítimas de deslocamento forçado, na grande maioria, e como em todas as cidades do mundo, são esses migrantes que ocupam as margens da cidade.

Posteriormente, um ano após a tragédia de abril, os presidentes das Juntas de Ação Comunitária (JAC) dos distritos de Pueblo Viejo e Montclar foram informados de que a empresa canadense B2 Gold realizaria trabalhos de exploração e precisava de uma licença social, para a qual nos chamavam a reunir a comunidade. Diante dessa ameaça e com a lembrança viva do desastre, no dia 5 de maio de 2018, os cidadãos de Mocoa realizaram uma grande mobilização acompanhando os presidentes das JACs da região para expressar sua total rejeição e seu desacordo em relação à suposta exploração de nossas montanhas. Entre outras razões, porque parte das licenças de mineração se sobrepõem aos territórios coletivos dos Resguardos Inga de Condagua e Camëntsa de São Francisco.

Como resposta política a essa mobilização, o Conselho Municipal aprovou o Acordo 020 de 2018, que diz o seguinte: “O Município de Mocoa deve assumir como prioridade a política de proteção ambiental, o que implica explicitamente a proibição das atividades de mineração, tendo presentes” esses fatos [e continua] “que, pela magnitude da tragédia, devem levar o Governo Municipal a aderir aos princípios da precaução, prevenção, rigor subsidiário e progressividade”.

Mimetismo empresarial

Como mencionado acima, a “pinhata mineira” implicava que o solo do território estivesse nas mãos de empresas canadenses: Mocoa Ventures, B2 Gold e até algumas com nomes que soam como um território, como o “Projeto Mocoa”, da Libero Cobre. Como a B2 Gold, que operava por meio da subsidiária Mocoa Ventures, perdeu o prazo de exploração e não obteve a licença social, ela vendeu os títulos para a Libero Copper Corporation, empresa que adquiriu 100% do “Projeto Mocoa” em 7 de maio de 2018.

A entrada da Libero Cobre representou uma ameaça maior de possível exploração para organizações de defesa e a cidadania. Suas ações geraram vulnerações e violações das normas locais, pois passaram por cima do Acordo Municipal 020. Ao mesmo tempo, fraturaram o tecido social cooptando parte da população da região com a oferta de empregos, o uso de meninos e meninas em propagandas da empresa e outros impactos, o que levou institutos como o Observatório de Conflitos Ambientais (OCA), da Universidade Nacional da Colômbia, e o Instituto Amazônico de Pesquisas Científicas (SINCHI) a classificar o caso como conflito socioambiental.

Resistência ao extrativismo

Para as organizações sociais, a suposta exploração causaria danos ambientais incalculáveis, ​​e a vida no território não seria possível. Na condição de cidadãos, nos unimos em uma aliança no Coletivo Guardiões da região andino-amazônica e, com o apoio de ONGs de Bogotá, foram promovidas mobilizações, audiências públicas, e reivindicações às entidades de controle e à autoridade ambiental. Também foram realizados eventos culturais: a primeira e segunda versões do Festival Água, Montanha e Vida (2022; 2023).

Para encerrar, vale destacar que esse caso de suposto extrativismo de cobre na Amazônia colombiana se torna cada dia mais visível, a ponto de termos conseguido colocá-lo nas agendas dos Ministérios do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Minas e Energia. E já passou da hora de se instalar uma mesa que, por decisão do Conselho de Estado, limite a desorganização da mineração no país, além de especificar o que está proposto no Plano Nacional de Desenvolvimento do atual governo: organizar o território em torno da água! (7)

Constanza del Pilar Carvajal Vargas
Ativista socioambiental e acadêmica
Coletivo Hilos de Vida – Guardianes de la Andino-Amazonía
Com a colaboração de: Lucia Barbosa Diaz e William Mauricio Rengifo Velasco.

 

(1) Michel Rowland, Robert Sim and Bruce Davis in: Libero Copper & Gold Corporation. Vancouver, British Columbia, Canada, January 2022. TechnicalReportMocoaCu-MoDepositColombia150618.pdf Accessed in January 2022.
(2) No Maciço Colombiano nascem os rios Magdalena e Cauca, que atravessam o país de sul a norte até o Oceano Atlântico; o rio Patía segue para oeste até o Oceano Pacífico, e o Caquetá, na Amazônia oriental, entra no Brasil até o Amazonas. E na ramificação do Nudo de los Pastos, no município de San Francisco, nasce o rio Putumayo, que percorre aproximadamente 840 km. Suas águas são a fronteira internacional do nosso país com o Equador e o Peru, e ele entra no Brasil, onde contribui com seu fluxo para o Amazonas.
(3) POMCA, Mocoa 2022.
(4) International Union for Conservation of Nature (IUCN).
(5) The United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) recognized the “Knowledge and Techniques associated with the Pasto Varnish, Mopa-Mopa” as an Intangible Cultural Heritage of Humanity. December 21, 2020.
(6) Tragedia de Mocoa: ¿por qué condenaron a la Nación? El Tribunal Administrativo de Cundinamarca condenó al Estado por lo ocurrido en marzo de 2017. Notícia online de 14 de julho de 2022.
(7) Departamento Nacional de Planeación. El agua, eje central para hacer de Colombia “una potencia mundial de la vida. março de 2023.