Yasuní: os alcances de uma vitória

Imagem
B269_EcuadorYasuni
Centro de Processamento Tiputini, da Petroecuador, no Parque Nacional Yasuní. Foto: Rodrigo Buendia/AFP/Getty Images.

No dia 20 de agosto de 2023, o povo equatoriano foi às urnas em eleições antecipadas para eleger o presidente e os membros da Assembleia Nacional. Além disso, houve duas consultas populares: em Quito, para interromper a mineração no Chocó-Andino e, em nível nacional, para deixar o petróleo no solo do chamado bloco ITT, no Parque Nacional Yasuní. Quase 60% dos eleitores do país disseram sim ao Yasuní. Isso significa que, dentro de um ano, os poços de petróleo devem ser fechados, a infraestrutura, removida, e se deve iniciar um processo de reparação da zona afetada.

O Parque Nacional Yasuní é uma das áreas com maior biodiversidade do mundo e abriga povos indígenas, incluindo os Tagaeri e os Taromenane, que estão em isolamento voluntário. No solo do Yasuní também há petróleo, com três blocos petrolíferos em seu território. O bloco 16, que está em declínio e que passou das mãos da REPSOL para a estatal equatoriana, o bloco 31, que tem muito pouco petróleo bruto, e o ITT ou bloco 43, operado pela estatal PetroEcuador. Em 2016, teve início a extração em seus campos, que contavam com reservas comprovadas de quase 900 milhões de barris de petróleo. Esse óleo é muito pesado, de forma que sua extração requer muita energia, gerando grandes quantidades de resíduos de águas tóxicos e outros poluentes no processo.

Em função dessa realidade e da luta de muitas organizações e grupos, a vitória do Yasuní foi sem dúvida muito esperada e comovente, mas como todos os êxitos, gera desafios.

O Bloco 43, Ishpingo-Tambococha-Tiputini (ITT), no Yasuní, é uma área onde foi construído um enclave petrolífero que deve ser desmontado e retirado do local. Mas o que significa essa retirada? Como se recupera um território sacrificado? Quais são as ações judiciais para enfrentar os abusos cometidos contra a natureza e a população do Yasuní?

Como pano de fundo, vale lembrar que, em 22 de agosto de 2013, nós, de vários grupos autorreconhecidos como o Yasunidos, apresentamos ao Conselho Nacional Eleitoral do Equador um pedido de consulta popular com a seguinte pergunta: “Você concorda que o governo equatoriano mantenha o petróleo bruto do ITT, conhecido como bloco 43, indefinidamente no solo?” Essa consulta popular buscava proteger a vida e o território dos povos indígenas Tagaeri e Taromenane e das comunidades de vida do Parque Nacional Yasuní.

Dez anos depois, em 20 de agosto de 2023, após superar todos os tipos de obstrução por parte do Estado, foi realizada a consulta do Yasuní. Ao mesmo tempo, ocorreu uma consulta regional no Cantão de Quito que visava proibir as atividades de mineração em outra área megadiversa do país, o Chocó Andino. Nessa consulta popular, quase 69% dos residentes de Quito votaram Sim à vida, contra a mineração.

Aprendizagens

O debate sobre a consulta popular foi amplo. O dilema de manter o extrativismo ou interrompê-lo se tornou central durante o processo eleitoral. Apesar de a maioria dos candidatos e candidatas presidenciais ter se oposto abertamente à manutenção do petróleo no solo e de os principais meios de comunicação terem mostrado uma clara inclinação a convencer as pessoas a votarem negativamente, a resposta à consulta foi positiva, recebendo o apoio de 59% do eleitorado nacional. Nenhum dos candidatos recebeu tanto apoio.

De acordo com o disposto na decisão 6-22-CP/23 do Tribunal Constitucional, com a vitória do Sim na consulta sobre o Yasuní, o Estado é obrigado a realizar uma retirada progressiva e ordenada de todas as atividades relacionadas à extração de petróleo em um prazo não superior a um ano, a contar da notificação dos resultados oficiais. O Estado também não poderá exercer ações destinadas a iniciar novas relações contratuais para continuar a exploração do bloco 43.

A consulta do Yasuní nos deixa várias lições:

- As batalhas são longas, difíceis e ocorrem em muitas escalas. Mas é possível construir uma consciência ecológica e social. E podemos derrotar as forças retrógradas que impõem o culto ao capitalismo e ao extrativismo, a ponta de lança da acumulação e da apropriação de recursos.

- Disputar o futuro é cuidar da vida e da natureza, que não é alheia nem distante. Ela engloba as florestas e as suas gentes, os rios e as cidades, os diversos seres e as relações nos nossos territórios. A natureza não é uma adversária, e sim uma aliada. Os desastres atuais e os que se projetam não são naturais, e sim uma construção feita por ações e inações globais e locais.

- As transições – já inevitáveis ​​– devem incorporar na agenda não só a interrupção das fronteiras extrativas, mas também a recuperação dos territórios sacrificados e sua restauração. Não é uma batalha apenas pelo futuro; é uma batalha para reconstruir o que foi danificado, para recuperar a capacidade de autorregeneração da natureza, a autodeterminação dos povos sobre os territórios e a autonomia na solução de problemas e conflitos.

Houve diversas tentativas de desobedecer ao mandato popular, bem como alegações sobre a impossibilidade de aplicá-lo. O ex-ministro da Energia do governo Guillermo Lasso adiantou-se ao dizer que “nunca na história do mundo um campo tão importante, que produz quase 60 mil barris por dia, foi paralisado”. No entanto, a empresa Petroecuador já apresentou o cronograma de fechamento, e planeja iniciá-lo em 31 de agosto de 2024. Isso nos dá tempo de nos prepararmos para esse processo e monitorá-lo no território.

O ano de 2024 será de grande atividade dentro do Yasuní. A Corte Interamericana de Direitos Humanos deve fazer uma visita relativa ao caso dos Povos em Isolamento Voluntário, antes de emitir sua decisão sobre a falta de proteção por parte do Estado. As pessoas que vivem no Yasuní chamam a atenção para o descumprimento dos direitos econômicos, sociais e culturais e para a dependência em relação à indústria petrolífera.

Há também pressão de grupos de poder ligados à indústria petrolífera que resistem a perder uma fonte de receita. São apresentados números – sem qualquer explicação – sobre os custos do desmantelamento, e muitos falam de novos cenários de corrupção. Não há informações sobre o que a indústria reconhece como “ativos e passivos” que precisarão ser retirados.

O ano de 2024 será de muita reflexão e propostas feitas por quem luta pela vida e pela natureza, certamente com a cumplicidade e a ajuda da própria natureza. Momentos para repensar a construção da utopia e reconstruir a autonomia e a soberania. Hora de fazer justiça nas áreas afetadas pelas atividades petrolíferas com a solidariedade de todo o país e, acima de tudo, de repensar, a partir de baixo, os verdadeiros custos e impactos dessas operações petrolíferas, desde a exploração até a retirada e a reparação integral.

Quando se fala de operações petrolíferas, sabemos que há uma série de estudos e procedimentos que as empresas tinham de submeter para obter suas licenças, e um desses estudos era o plano de abandono. O que não sabíamos é que “abandono” não significa afundar plataformas nem deixar poços abandonados.

Uma verdadeira reparação do Yasuni-ITT deve significar retirar tudo, para que permaneça como estava antes das atividades que nunca deveriam ter sido realizadas. A infraestrutura deve ser desmantelada, removida, os ecossistemas devem ser reabilitados, e se deve restaurar, reparar, recuperar a autonomia dos povos e da natureza.

Esperanza Martínez
Acción Ecológica