Libéria: Ativistas Comunitários de Vambo pedem apoio internacional contra a mineração de ouro

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1. Você poderia nos dizer quem são os Ativistas Comunitários de Vambo?

A Associação para o Desenvolvimento da Municipalidade de Vambo é composta de pessoas comuns, que vivem em Vambo, isolada e há muito ignorada e subdesenvolvida, no distrito Número Dois, condado de Grand Bassa. Elas são unidas por uma rede de membros de famílias ampliadas que residem em Monróvia, capital da Libéria. Seus porta-vozes nos Estados Unidos incluem Matthew e Isaac Gblorso, Moniyue Brown e Mamie Boe, líderes comunitários de destaque, Zach N. Davis e, por último, Kona Khasu Sr., ex-vice-ministro da Educação durante o primeiro mandato da primeira mulher presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, e destacado dramaturgo liberiano nos 1970, quando foi diretor da National Cultural Troupe. Os membros da municipalidade de Mahlor, nossos vizinhos mais próximos, também se juntaram a nós. David Kennedy Vanyan, nascido em Mahlor, é um poderoso porta-voz dos interesses comuns, da história familiar e da inter-relação entre as duas municipalidades.

2. Como é a experiência da mineração na Libéria? Houve muitos projetos no passado? A mineração é uma luta comum para as comunidades locais?

A Libéria tem algumas das mais ricas reservas naturais de recursos minerais da África Ocidental. Minério de ferro, diamantes e ouro são apenas alguns dos recursos comumente procurados e dos quais nós dispomos. Infelizmente, a mineração no país, como em toda a África, significou historicamente a exploração das populações que vivem perto das minas. A maioria dessas comunidades está isolada no interior do país, onde as necessidades humanas mais básicas não são atendidas. Os cidadãos dessas comunidades sucumbem à mineração por meio de uma combinação de promessas de “desenvolvimento”, manipulação, coação e, às vezes, força. Muitas vezes, o governo usou a força para assumir o controle de áreas desejadas. Os cidadãos que vivem nessas terras foram recrutados ou ficaram sem opção a não ser trabalhar nas minas. Todas as concessões de mineração na Libéria tiveram esses comportamentos, em diferentes graus. Entre elas, as minas de LAMCO e BONG, que operavam antes da guerra “civil” liberiana. Ainda não se sabe qual será o histórico que a ArcelorMittal e outras deixarão nesta nova era da mineração no país.*

3. Você poderia explicar que tipo de atividade de mineração está ocorrendo na municipalidade deVambo? É mineração de ouro? Diamantes? Outros minerais?

Atualmente, é apenas ouro, mas há especulações de que existem outros minerais. A mineração do ouro é feita por grupos de garimpeiros itinerantes, a maioria, jovens, que fazem o que agora está sendo chamado de mineração “artesanal” – um termo muito elegante para o que ocorreu em nossa terra. Os garimpeiros – ou “garotos do ouro” – como são chamados, vêm da Libéria, bem como de países do Oeste Africano, como Guiné, Serra Leoa, Mali, Gana e outros. Eles usam trabalho manual, com ferramentas manuais básicas, como pás e picaretas, principalmente.

4. Desde quando essas atividades vêm acontecendo? Quantas comunidades estão sendo impactadas?

A mineração de ouro em pequena escala nas montanhas acima das municipalidades de Vambo e Mahlor existe desde os anos 1960, talvez antes, mas a descoberta da jazida de ouro em novembro de 2014 atraiu atenção nacional e até mesmo internacional. Vinte comunidades, das 48 da municipalidade de Vambo, foram prejudicadas por um afluxo sem precedentes de mais de quinze mil garimpeiros em busca de ouro, vindos de toda parte. Eles superam em muito e sobrecarregam a população local.

Garimpeiros provenientes do exterior e de outras partes do país introduziram muitos tipos de atividades criminosas, como o roubo de culturas alimentares das quais os agricultores de subsistência locais dependem exclusivamente, roubo de gado, saque aos bens da comunidade, incluindo as duas únicas bombas manuais existentes na municipalidade. Muitos deles foram assassinados por outros garimpeiros, por causa de suas “fortunas”, antes de conseguir sair dos garimpos para se encontrar com compradores ou seus patrocinadores. Felizmente, nenhum morador local foi morto dessa maneira, mas vivemos com medo de ser vitimados e sob ameaça constante. Não podemos realizar atividades agrícolas normais por medo de sermos atacados ou devido à destruição das terras, e do rio e dos riachos dos quais dependemos para obter água.

5. Você sabe se há envolvimento de alguma empresa (ou empresas)? É uma empresa liberiana ou de fora do país?

No início, a maioria dos garimpeiros era liberiana. Logo, estrangeiros ilegais, provenientes da Serra Leoa, Guiné e Costa do Marfim, e até de lugares tão distantes quanto Mali e Burkina Faso, Gana e Nigéria, se juntaram a eles.

No auge do frenesi da mineração, antes das chuvas, havia rumores de que vários estrangeiros da Europa, da Ásia, do Oriente Médio e até mesmo algumas “mãos grandes” – importantes cidadãos liberianos – estariam financiando secretamente garimpeiros e garimpos. Algumas concessionárias estrangeiras de madeira e seus parceiros locais também fizeram propostas para concessões. Portanto, não havia uma empresa única, por assim dizer, mas o efeito líquido de todos esses interesses conflitantes era avassalador e prejudicial. E não havia uma empresa ou indivíduo a responsabilizar.

6. Quais são os problemas que as comunidades na municipalidade de Vambo estão enfrentando em relação a essa mineração? Existem problemas ambientais, como desmatamento ou poluição da água? Há riscos de saúde para as populações locais?

A floresta está sendo cortada indiscriminadamente para chegar às jazidas de ouro. Uma parte da montanha Findley foi reduzida a escavações e túneis para extração do metal. O solo foi desestabilizado, e qualquer chuva mais demorada poderia causar deslizamentos de terra sobre a parte “residencial” da municipalidade de No Way, que fica no sopé da montanha. No auge da mineração, no início de 2015, havia supostamente 20.000 garimpeiros ilegais. Árvores de grande porte e de centenas de anos foram derrubadas e queimadas para abrir espaço para garimpos. Os garimpeiros operam em turnos de 24 horas, com alguns dormindo durante o dia para garimpar durante a noite, usando fontes de luz artificiais.

Os moradores locais estão com receio de plantar, por medo de que mineiros desonestos roubem suas colheitas. Gangues estão saqueando propriedades e levando as colheitas ao mercado de No Way. Diz-se que alguns dos agentes da lei começaram a garimpar ou têm garimpeiros trabalhando para si.

Os riachos e os rios que suprem o município ficaram cheios de lama e inseguros, pois os garimpeiros os usam para procurar ouro e para se lavar. Muitos têm usado as águas para fazer suas necessidades fisiológicas. O roubo das duas bombas manuais comunitárias deixou os moradores sem escolha além de usar os rios e riachos para lavar, beber e cozinhar. Nessas condições, qualquer surto de doença vai se espalhar rápido, principalmente considerando-se que a população não está plenamente ciente dos perigos, no curto e no longo prazos, da ingestão água contaminada com poluição e doenças. A municipalidade está sob constante ameaça de cólera e outras doenças transmitidas pela água. Milagrosamente, foi poupada da recente epidemia de Ebola.

Não há clínicas nem postos de saúde, de modo que pessoas doentes, mulheres grávidas e idosos têm de ser levados nas costas ou de motocicleta – se estiverem bem o suficiente para se sentar – às unidades de saúde mais próximas, em Buchanan, a uns 40 km de distância. Em várias ocasiões, tivemos de pagar para transportar doentes.

7. Houve alguma consulta às comunidades afetadas, antes ou durante as atividades de mineração? Se houve, quem organizou (a empresa, uma ONG ou o governo)? Como você descreveria as consultas?

Não, não houve consultas adequadas. Na maioria delas, as reuniões foram só para mostrar, já que os funcionários do Ministério de Terras, Minas e Energia ignoraram os princípios das recentes Leis de Direitos Comunitários de 2006 e 2009, e dividiram grandes partes da terra da municipalidade em concessões de mineração. Eles também não buscaram inspeções de outras agências governamentais relevantes, que, por lei, deveriam ter sido envolvidas, como a Autoridade de Desenvolvimento Florestal, a Agência de Proteção Ambiental e os Ministérios da Saúde e do Trabalho. Essas negligências aconteceram quando certos indivíduos da comunidade e representantes do governo colocam os interesses pessoais acima da comunidade em geral e das leis de nosso país. Essa é uma prática comum na Libéria.

8. Que atividades foram/são organizadas nas comunidades para resistir às atividades ou empresas de mineração?

Inicialmente, realizou-se uma série de reuniões comunitárias, diálogos públicos e agências de governo locais e centrais, na maioria, cosméticas, com os discursos vazios de sempre – promessas de construção de estradas, etc. Nos últimos meses, tem havido eventos positivos, já que algumas autoridades locais estão prestando um pouco de atenção à nossa situação. Essas respostas vieram após nossa campanha de cartas e vídeos sobre a destruição e a degradação, entregues em mãos a autoridades eleitas e nomeadas, e a importantes cidadãos e amigos do condado de Grand Bassa. Desde então, houve alguma resposta por parte de alguns membros das Bancadas Legislativas do Condado, seu Superintendente, e funcionários do Ministério de Terras, Minas e Energia.

9. Quais são as demandas das comunidades em relação às atividades de mineração?

Nós queremos:

(1) Interromper a expansão das atividades de mineração não regulamentadas, responsáveis ​pelo nível de destruição e degradação ambiental de nossas comunidades; (2) evitar o aumento dessas práticas, (3) solucionar os danos já causados (4), insistir em que o governo apoie as comunidades na aquisição de água potável, escolas, clínicas e oportunidades de formação e emprego para os jovens, (5) continuar assumindo o controle dos nossos recursos naturais e decidir quando, como e com quem nos envolveremos para extrair esses recursos para o bem maior da comunidade, da Libéria e de “parceiros” de negócios.

10. Você tem alguma ideia sobre quem está comprando o ouro e com quais empresas e mercados internacionais ele está sendo negociado?

Não temos certeza sobre quem compra o ouro, mas é provável que ele acabe entre o punhado de poderosos intermediários que trabalham em Monróvia, para mercados internacionais. Nosso foco tem sido controlar a situação que se desdobra em nossa comunidade, envolvendo as autoridades competentes por meio da lei, e não necessariamente identificar as “mãos grandes” que estão por trás das coisas.

11. Como o governo tem reagido às reivindicações da comunidade? Você acha que essas reivindicações estão sendo ouvidas?

Inicialmente, o governo mobilizou tropas das forças policiais especiais antimotim – a Unidade de Resposta Emergencial (ERU, na sigla em inglês) e a Polícia de Apoio (PSU) da Polícia Nacional da Libéria – para parar os assassinatos e outras formas de crimes e ilegalidades. Cinquenta policiais foram alocados permanentemente ao garimpo durante cinco meses. É de conhecimento geral que esses policiais começaram a fazer mineração eles próprios, o que levou a um conflito com os garimpeiros descontentes. Pessoas perderam suas vidas durante essa briga. Em várias ocasiões, o governo enviou funcionários do Ministério de Terras, Minas e Energia para avaliar a situação. O ministério também estabeleceu um subescritório no garimpo de ouro de No Way. Agentes da Receita foram enviados para coletar impostos da mineração. Além disso, engenheiros do Ministério de Obras Públicas fizeram uma avaliação da estrada de 12 km que vai do Mercado BIA ao garimpo de No Way. A construção da estrada começou em fevereiro de 2015. Pouco mais de 3 km estavam prontos quando a obra foi interrompida no primeiro grande riacho. A imigração não conseguiu fazer qualquer tentativa real para resolver a presença de milhares de estrangeiros pilhando a montanha. Embora eles tenham sido mais sensíveis desde que nossas cartas e vídeos foram enviados aos nossos deputados e senadores, pode-se dizer que o governo não respondeu plenamente às nossas reivindicações. Também é possível dizer que o governo pode ter sido dominado pela situação, por várias razões que não vamos abordar aqui. Mesmo assim, nossa comunidade sofreu muito devido ao que ocorreu, e está lutando para se recompor.

12. Que tipo de solidariedade internacional você acha que ajudaria a apoiar as comunidades afetadas?

Precisamos de solidariedade internacional e apoio para ajudar a:

1. Conscientizar e acabar com todas as atividades de mineração que têm impacto negativo sobre as pessoas e o meio ambiente (interromper a destruição da floresta e a contaminação dos recursos terrestres e aquáticos)

2. Arrecadar fundos para melhorar nossos meios de subsistência e apoiar projetos comunitários, ou seja, agricultura, atividades de geração de renda, educação, saúde, e formação de liderança e defesa.

3. Garantir de que a mineração de ouro e outros recursos minerais seja feita em conformidade com as melhores práticas e políticas de Governança e Gestão de Recursos Naturais, bem como as atuais Leis de Direitos Comunitários da Libéria.

4. Garantir o envolvimento da comunidade nas negociações de todos os acordos sobre recursos naturais (minerais e florestais), com direito a dizer “não” a qualquer uma das atividades florestais ou de mineração propostas, se não for do interesse da comunidade e do país como um todo.

5. Para as comunidades e pessoas da municipalidade de Vambo, obter benefícios financeiros justos e desenvolvimento de infraestrutura tangível devido à extração de minerais e recursos florestais em nossa terra.

Ernest Matthew Gblorso, Presidente - matthew.gblorso@gmail.com
Kona Khasu Sr, Consultor Sênior e Ancião - j.emmanuelroberts@gmail.com
Vambo Township Development Association Leadership

* Comentário do WRM: A mineração na Libéria sempre seguiu os interesses de empresas e negócios estrangeiros. A empresa liberiano-americano-sueca Minerals Company (LAMACO), hoje extinta, foi fundada em 1955 por investidores norte-americanos e suecos. A empresa estabeleceu a primeira operação de mineração de grande porte na Libéria, que hoje está sendo reativada pela multinacional ArcelorMittal, que está reconstruindo parcialmente a estrada de ferro Lamaco para o transporte dos minerais extraídos. Da mesma forma, a mineradora BONG, uma concessão alemão-italiana estabelecida em 1958, construiu uma das principais linhas ferroviárias da Libéria para retirar o minério de ferro das montanhas, causando a expulsão das populações locais e danos ambientais.