“Natureza cercada”: panorama e perspectiva dos povos indígenas e as áreas protegidas

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Coincidindo com o Congresso Mundial de Parques, o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais e o Forest Peoples Programme estão lançando um novo livro: “Natureza cercada: povos indígenas, áreas protegidas e conservação da biodiversidade”. Escrito por Marcus Colchester, diretor do FPP, o livro traz uma revisão detalhada da experiência dos povos indígenas com áreas protegidas e faz contundentes recomendações sobre como é possível superar os atuais conflitos entre ambos, os quais, hoje, infelizmente, são a regra.

O primeiro parque nacional, criado nos Estados Unidos em meados do século XIX, significou a expulsão violenta dos povos indígenas de suas terras pelo Exército. O preconceito contra os “peles-vermelhas” e a idéia de que a natureza devia ser conservada como “área silvestre”, classificada pelo Estado com fins de lazer, exigiram o despejo de seus moradores (ver artigo a seguir).

Esse modelo “colonial” de conservação foi exportado para o resto do mundo e, por mais de um século, foi o paradigma dominante para o estabelecimento de áreas protegidas. As conseqüências para os povos indígenas foram terríveis. Ironicamente, como muitas organizações conservacionistas admitem hoje, o impacto no meio ambiente também foi grave. A criação de áreas protegidas a partir da apropriação de territórios indígenas, da destruição de culturas indígenas, e de transformar as comunidades locais em inimigas, não só gera gravíssimos problemas quanto ao manejo, mas, com freqüência, também traz alterações em sistemas tradicionais de uso da terra que são viáveis e que melhoram a diversidade. Além disso, esse critério de conservação “de cima para baixo” tem um alto custo político, pois enfraquece as instituições consuetudinárias e fortalece o poder do Estado, o que, com demasiada freqüência, leva a abusos de poder e a violações dos direitos humanos.

O surgimento do movimento indígena a partir da década de 1960 modificou radicalmente o contexto em que eram desenvolvidas as áreas protegidas. Hoje, o direito internacional e outras normas reconhecem os direitos indígenas e aceitam que os Povos Indígenas são “um grupo importante” que deve participar ativamente nos processos de tomada de decisões. A Convenção sobre Diversidade Biológica exige dos estados membros respeito pelas “comunidades indígenas e locais possuidoras de estilos de vida tradicionais”.

Desde a década de 1970, os conservacionistas fazem esforços por corrigir sua abordagem e procuram novos mecanismos para integrar os povos indígenas nas áreas protegidas, através do tombamento de reservas da biosfera, da promoção de áreas de amortecimento, da experimentação com programas integrados de conservação e desenvolvimento e da implementação de programas de manejo conjunto. Porém, muito freqüentemente, essas iniciativas não conseguem trazer benefícios duradouros para as comunidades locais, devido, principalmente, ao fato de não se basearem nas instituições consuetudinárias, não reconhecerem os direitos indígenas e não entregarem aos povos indígenas a autoridade de seu manejo.

Em meados de 1990, foi feita a promessa de introduzir mudanças mais sérias em termos de políticas, o que foi bem recebido pelos povos indígenas. Nalgumas áreas, foram restituídos direitos, foi restabelecida a autoridade indígena e foram feitas novas parcerias baseadas na confiança recíproca entre povos indígenas e conservacionistas. Infelizmente, os estudos revelam que essas novas políticas, que aceitam os direitos dos povos indígenas, estão sendo aplicadas apenas em poucos casos. A maior parte das leis e políticas de conservação continua defendendo o antigo modelo de “conservação como fortaleza”. Se o que se quer realmente é que o novo modelo de conservação ganhe espaços, então, ainda restam formidáveis obstáculos legais e institucionais para vencer (ver o artigo acima sobre Áreas protegidas e povos indígenas).

Existem atualmente cerca de 60 mil áreas protegidas no mundo todo, a maior parte estabelecida em terras dos povos indígenas sem o seu consentimento. Caso o movimento conservacionista deseje conservar, ou reconquistar, a credibilidade, ele deve dar prioridade ao tratamento dos problemas desses povos.

Fonte: “Salvaging Nature: Indigenous Peoples, Protected Areas and Biodiversity Conservation”, por Marcus Colchester. O livro, editado pelo WRM/FPP, também está disponível em espanhol e francês. Para obter exemplares do livro, entre em contato com info@fppwrm.gn.apc.org , ou wrm@wrm.org.uy