Há alguns anos, as comunidades camponesas da província de Niassa, no norte de Moçambique, lutam contra a expansão das monoculturas de pinus e eucalipto. Essa expansão tem causado problemas porque está se dando sobre as chamadas machambas, áreas onde as famílias camponesas plantam alimentos. Agora, as comunidades ganharam um importante reforço na sua luta.
Depois das denúncias da União Nacional de Camponeses de Moçambique (UNAC), sempre baseadas em informações obtidas em campo pela União Provincial de Camponeses de Niassa (UPCN), e do WRM (1), também a Direção Nacional de Terras e Florestas (DNTF), órgão governamental do país, fez denúncias, através do relatório de uma pesquisa de campo sobre a atuação das empresas de pinus e eucalipto na região, principalmente da empresa Chikweti.
O jornal local Faísca de Niassa, na sua edição de 25 de fevereiro de 2011, noticia que o DNTF concluiu que a empresa Chikweti, principal empresa na região, ocupa nada menos que 32 mil hectares de forma ilegal, além dos 30 mil hectares concedidas pelo governo e mais 14 mil hectares que estão em fase de análise para obter concessão. Essa informação confirma as denúncias da UNAC e dos camponeses e camponesas ouvidos pelo WRM na sua visita à região de que as empresas se expandem além das áreas concedidas oficialmente a elas.
O relatório confirma também as denúncias de que os processos de consulta às comunidades não foram realizados de forma correta pela empresa. Enquanto a empresa buscou restringir as conversas ao líder da comunidade - chamado régulo -, prometendo empregos e recursos, a comunidade acabou não sendo ouvida e se revoltou posteriormente contra suas próprias lideranças. Segundo o jornal local, “um administrador de distrito acusou a Chikweti de arrogância e ‘falta de responsabilidade social’.
O artigo comenta também que o relatório do DNTF cita a invasão das machambas pelas plantações de árvores e a distância de apenas 10 metros das plantações até as casas das comunidades. Segundo o estudo, “quando negociou o estabelecimento da plantação, a Chikweti disse que iria plantar apenas em áreas marginais, mas de fato invadiu terra agrícola produtiva”. O jornal afirma que no posto administrativo de Maniamba, a empresa invadiu as terras da comunidade local com promessas de compensação que não foram cumpridas. Segundo a UNAC, os camponeses revoltados arrancaram as plantações da empresa.
E por fim, conforme o jornal, o relatório do DNTF denuncia também o desmatamento de áreas de floresta nativa de frutíferas, usadas pela população, no distrito de Sanga.
O artigo do jornal local chama a atenção também do investidor principal na empresa Chikweti, que é um fundo chamado “Fundo Global Florestal de Solidariedade” (“Global Solidarity Forest Fund”) (GSFF). Esse fundo Nórdico, com sede na Suécia, foi criado pela Diocese de Vasteras e a Igreja Luterana da Suécia, além da entidade Doação da Igreja Luterana Norueguesa (Norwegian Lutheran Church Endowment – OVF). Outro investidor no GSFF é o fundo de pensão holandês ABP.
Pergunta-se: qual a opinião desse Fundo de Solidariedade Global e seus investidores sobre as denúncias que agora vêm de um órgão do próprio governo de Moçambique? É urgente que haja uma análise e posicionamento deles sobre o assunto, até porque as denúncias demonstram que na ação da Chikweti não há nada de solidariedade, ao contrário, é uma atuação que busca fazer lucros em detrimento das comunidades camponesas.
Isso ganha importância num momento em que a empresa Chikweti busca a certificação do manejo das suas plantações de pinus e eucalipto pelo sistema do FSC, que garante o “bom manejo florestal”, através da certificadora Soil Association.
Conforme foi mostrado no Boletim anterior (164), o FSC tem sido extremamente criticado por certificar, com seu ‘selo verde’, plantações de monoculturas de pinus e eucalipto no mundo inteiro. A certificação da Chikweti (, ou seja, é até possível que também a Chikweti se certifica! Isso ) seria mais um passo equivocado no caminho de erros cometidos pelo FSC até hoje, além de ser uma afronta às comunidades camponesas de Niassa que sofrem diretamente com os problemas causados pela Chikweti. Lembrando que a Lei das Terras de 1997, de Moçambique, garante aos camponeses e às camponesas, que são a maioria da população do país, o acesso a suas terras, tão fundamental para garantir a segurança e soberania alimentar.
Em março deste ano, o Centro Cooperativo Sueco (CCS) facilitou um encontro entre Chikweti, governo e sociedade civil. No entanto, conforme a UNAC em Niassa, o encontro não permitiu o diálogo. Mesmo assim, uma comissão foi instalada para continuar os debates sobre Chikweti. ( Ao mesmo tempo, ocorreu outro conflito grave na comunidade de Licgole, onde a Chikweti continua ocupando áreas e expulsando camponeses. Um foi preso e solto dias depois.)
Vale ressaltar também que o problema da Chikweti não é um problema desta empresa apenas. Há dezenas de investidores estrangeiros que vão para Moçambique querendo investir em terras, muitas vezes envolvendo projetos de plantações de monoculturas de árvores e outras para fins de agrocombustíveis.
Segundo informa a UNAC, essas empresas (aliciam comunidades e não atuam com sistemas de produção inclusivos e que possam permitir a transferência de tecnologia.) pedem a terra em troca de benefícios ou negociam a terra com os camponeses em troca de benefícios (empresa e camponês sem o governo) que, por sua vez acabam em conflitos por falta de honrar as promessas. Quando os conflitos se tornam insustentáveis é que pedem o apoio do governo.
Em geral, as empresas aparentam uma ‘fome’ por terra enorme, visto que entre 2004 e 2009, conforme o jornal faísca, as concessões envolvem quase 3 milhões de hectares de terras em Moçambique. Enquanto a ‘fome’ das empresas tem sido atendida, a segurança e soberania alimentar do povo moçambicano continuam gravemente afetadas.
Artigo baseado nas informações da UNAC (União Nacional de Camponeses de Moçambique) e no Jornal Faísca de Niassa, Moçambique, Edição de 25/02/2011.
(1) veja coleção WRM sobre as plantações no. 14: O avanço das monoculturas de árvores: impactos sobre as comunidades camponesas na província de Niassa