Denúncia: 38 famílias agricultoras no Pará estão sendo despejadas pelo estado e a empresa Brasil BioFuels

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Foto: Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Compartilhamos o comunicado de imprensa do Movimento dos Pequenos Agricutores, do Brasil:

O juiz da Vara Agrária de Castanhal, André Luiz Filo-Creão Garcia da Fonseca, mantém uma decisão arbitrária pelo Governo do estado brasileiro do Pará, por meio do Instituto de Terras do Pará (ITERPA), ao se recusar a regularizar terras em favor da agricultura familiar e das pequenas e pequenos agricultores.

São 38 famílias da Comunidade de Virgílio Serrão Sacramento no município de Moju, Pará, que coletivamente somam forças desde o final de 2015 quando reocuparam o território conhecido pela ação dos grileiros, no qual já fizeram várias vítimas. Desde então, o Acampamento ocupa sua terra com moradias, plantações, produção e fornecimento de alimentos.

Com o tempo, descobrimos a existência de um cemitério abandonado que era utilizado pelos moradores e lá estão enterrados familiares de muitas pessoas da comunidade. Além de produzir alimentos, durante todo esse tempo, a comunidade tem solicitado ao governo do Estado do Pará a regularização fundiária desta terra que é pública, e que, no entanto, vem sendo disputada pela empresa Brasil Bio Fuels (BBF).

A comunidade solicitou em 2016 a regularização do território ao ITERPA. Os agricultores e agricultoras, constantemente, buscaram por uma vistoria do órgão para a elaboração de um estudo fundiário sobre o imóvel. Temos inúmeras atas de reuniões com o presidente do ITERPA se comprometendo em fazer, pois até 2020 nada impedia a atuação do órgão a não ser sua vontade política e o seu compromisso com os pequenos agricultores.

Em 22 de dezembro de 2020, no auge da pandemia que vitimou milhões de brasileiros, a empresa BBF entrou na justiça com o pedido de liminar, reivindicando a propriedade da área, o que paralisou todos nossos esforços em regularizar o território, pois agora a alegação do ITERPA foi que a terra estava judicializada. Em 2023, o Juiz da Vara Agrária de Castanhal, após a audiência de justificação, manteve a liminar de reintegração de posse do imóvel, mesmo diante da manifestação em contrário por parte do Núcleo Agrário e Fundiário do Ministério Público do Pará.

Em 06 de junho de 2024, às 10:41:35 o juiz, citado acima, assinou uma decisão referente ao processo em questão (n° 0804398-47.2020) expedindo Mandado de Reintegração de Posse, inclusive com apoio de força policial:

    1) Que seja imediatamente expedido Mandado de Reintegração de Posse na área objeto do litígio, objetivando o cumprimento voluntário da ordem por Oficial de Justiça vinculada a este juízo, a qual deverá comparecer à área a fim de buscar implementar o cumprimento espontâneo da ordem judicial;

    2) Consigno, desde logo, que não sendo cumprida a reintegração de posse de forma voluntária, após certificação por Oficial de Justiça, este juízo, de pronto, ordenará a expedição de Ofício ao Comando de Missões Especiais da Polícia Militar, via Comando Geral da PM, a fim de que seja apresentado cronograma de cumprimento da ordem deferida nos autos com apoio de força policial, designará audiência de mediação/desocupação, para a qual serão intimadas as partes, Ministério Público, entes que atuam no feito, Estado do Pará, Prefeitura Municipal, Câmara Municipal, Conselho Tutelar, Secretarias Estadual e Municipal de Assistência Social, OAB, Ouvidoria Agrária Estadual, Comando de Missões Especiais da Polícia Militar e CONSEP – Conselho Estadual de Segurança Pública, prosseguindo-se com os atos procedimentais necessários ao cumprimento compulsório da ordem judicial.
Registro, nesta oportunidade, que sendo necessária a utilização de força policial para o cumprimento da ordem judicial, deverá ser observado na íntegra o Manual de Diretrizes Nacionais Para a Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, a Resolução nº 88/04 do CONSEP/PA, a Resolução nº 204/2012 do CONSEP/PA, assim como a Portaria Interministerial nº 4.226/2010.

Vale ressaltar que a cadeia dominial, bem como outros documentos utilizados na ação foram produzidos pela própria empresa, com o objetivo de obrigar as famílias a desocuparem a área. A pressão da empresa BBF, as ameaças já denunciadas, o estado de sítio em que os grileiros e a insegurança que passam as famílias não condizem com a defesa dos direitos humanos que deveriam ser prioridade pelo estado, pelo poder judiciário e pelos institutos que servem ao Estado, tal qual o ITERPA.

Privilegiar uma empresa que viola direitos, já denunciada em várias oportunidades, inclusive na Jornada de Luta das camponesas do Movimento dos Pequenos Agricultores no Pará[1], e junto à Campanha Contra a Violência no Campo, por uma das integrantes da Comunidade do Moju, em detrimento de 38 famílias que produzem alimentos não é justo e nem moral. A terra em questão é pública e deve cumprir a sua função social. Função que as famílias agricultoras cumprem com dignidade ao requerer a terra para trabalhar, ter renda, ao passo que respeitam o meio ambiente.

As ameaças, o medo e a incerteza do que lhes acontecerá causam danos à saúde mental e uma sensação de injustiça. Há roçados prontos, há sonhos plantados, há um projeto de vida e uma agricultura que não olha apenas para os lucros, há produção de alimentos e preservação do meio ambiente em um estado que é conhecido mundialmente pelos massacres no campo e pela violência dos grileiros, dos capangas, das milícias e do braço armado do Estado contra o povo que quer fazer a terra ter justamente o que apregoa a Constituição Federal/1988, cumprir a função social.

‘Meu irmão tá chorando igual uma criança, ele tá com a área toda pronta pra plantar melancia quando recebemos essa notícia, faz três dias que eu não consigo dormir’.

Denunciamos mais essa injustiça, pois as famílias obtiveram uma vistoria de membros da Comissão de Conflitos Fundiários do estado do Pará, porém o juiz manteve sua decisão e as famílias receberam a ordem de despejo. Que o ITERPA faça seu trabalho enquanto servidores de um Estado Democrático de Direito e que o poder judiciário atente para os fatos e para a justiça social que deve caminhar junto com a dignidade de seu povo.

Movimento dos Pequenos Agricultores, Moju/PA, 11 de junho de 2024.