A Natureza NÃO é uma “solução”

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Foto: Flickr/mariusz kluzniak

É imperativo entender o conceito das “soluções baseadas na natureza” e chamá-lo pelo que ele é: “espoliações baseadas na natureza”, denunciando a ameaça real que ele representa para territórios, populações da floresta e o clima. Este boletim reúne reflexões sobre o que impulsiona essas perigosas espoliações promovidas por empresas.

Já vimos a introdução de conceitos que causam danos em territórios e justificam a devastação contínua de florestas e a extração violenta de qualquer coisa, de minerais a madeira. Esquemas de certificação, compensação de carbono, promessas de cadeias de suprimentos com desmatamento líquido zero, promessas de emissão líquida zero e neutralidade de carbono são apenas alguns deles. A última ideia perigosa atende pelo nome de “Soluções Baseadas na Natureza” ou “Soluções Naturais para o Clima”. Ela cria a ilusão de que a “natureza” é uma “solução” para a destruição causada pelas empresas. Quanto mais ouvimos palavras associando ideias – como “natureza” e “solução” – e quanto mais repetimos e usamos esses termos, maior a probabilidade de essa associação passe a ser aceita como algo de “bom senso”.

As “soluções baseadas na natureza”, promovidas por empresas, incluem muito do que as comunidades vêm combatendo há décadas: plantações industriais de árvores, áreas protegidas, projetos de REDD, compensações de carbono e biodiversidade, plantações para biocombustíveis, etc. Outra caraterística comum dessas “soluções” é permitir a continuidade de outro conjunto de atividades empresariais que, de forma semelhante, têm enfrentado resistências nos territórios: mineração, extração de petróleo e gás, grandes obras de infraestrutura, agronegócio, etc.

A ideia de que a “natureza” é uma “solução” amplia ainda mais essas destruições e espoliações. Quase todos os meses, algum grande poluidor anuncia planos para tornar suas operações “neutras em carbono”, principalmente por meio de investimentos nas chamadas “Soluções Baseadas na Natureza”.

É imperativo entender o conceito das “soluções baseadas na natureza” e chamá-lo pelo que ele é: “espoliações baseadas na natureza”, denunciando a ameaça real que ele representa para territórios, populações da floresta e o clima.

Este boletim reúne reflexões sobre o que impulsiona essas perigosas espoliações promovidas por empresas.

Um dos artigos mostra que, apesar do entusiasmo das indústrias poluentes em usar essas “soluções espoliações baseadas na natureza” para fins de lavagem verde e busca de lucro, o conceito foi desenvolvido por grandes ONGs conservacionistas, como um mecanismo para financiar Áreas Protegidas. Com base na ideia colonial e racista de que a “natureza” está melhor sem pessoas, parte do plano do setor de conservação para transformar a “natureza” em uma “solução” para as empresas é aumentar a área de terra que esse mesmo setor controla.

Outro artigo reflete sobre o significado do termo “natureza” nesse discurso, que se baseia na relação destrutiva que a cultura ocidental tem com a “natureza”. O artigo mostra como a ideia romântica de “natureza intocada” acompanha uma conversa entusiasmada sobre novas “soluções” – uma ideia que pode ser sustentada enquanto se mantém oculta a perda real: a destruição da “natureza” e dos meios de subsistência, que decorre de sua instrumentalização como recurso explorável.

Outro artigo nos chama a refletir sobre o conceito de “interseccionalidade”. A autora destaca a importância de compreender como várias camadas de opressão podem se aglutinar ou se cruzar em um tópico, por exemplo, no caso de uma mulher migrante, indígena e sem terra. Esquemas como as “soluções baseadas na natureza”, que instrumentalizam a “natureza” em si, conclui a autora, exigem a inclusão da “natureza” como outra “intersecção” essencial de várias opressões.

O conceito de “soluções baseadas na natureza” pode estar construindo um perigoso e perverso “imaginário coletivo” sobre aquilo que a “natureza” deveria fazer pelos seres humanos. Ao compreender os interesses em jogo e seus defensores, fica claro que o conceito é uma ameaça perigosa as florestas e populações florestais. Não pode haver discussão sobre “soluções” para a crise climática enquanto as verdadeiras causas dessa crise não forem identificadas e a destruição que geram, interrompida.

Três artigos neste boletim destacam como três diferentes setores poluentes estão à frente do que talvez seja mais apropriado chamar de “espoliações baseadas na natureza”: mineração, petróleo e agronegócio. Cada um desses artigos questiona: para quem são essas “soluções”? O que elas estão realmente solucionando? Quem está lucrando? E quem está perdendo?

Outro artigo conta algumas experiências de mulheres brasileiras impactadas pela “economia verde”, como ponto de partida para uma reflexão sobre o que hoje se chama de “Soluções Baseadas na Natureza”. Entre outras coisas, o artigo alerta para a lavagem lilás feita pelas grandes ONGs conservacionistas, ou seja, uma agenda de gênero que parece colocar as mulheres no centro desses projetos, mas promove modelos de relação com a natureza que, em última instância, são patriarcais e excludentes.

Outro artigo deste boletim enfatiza como a crise ecológica não tem o mesmo significado para todos. O significado dela para os homens mais ricos da Terra, na sua condição de capitalistas, é o efeito sobre os seus investimentos. Portanto, a “solução” para esse efeito (não para a crise, é claro) deve ser encontrada em algum lugar, de alguma forma. O autor explora questões como onde os ricos podem investir seu dinheiro para que os lucros continuem se acumulando em suas mãos? E como podem fazer isso em um planeta cada vez mais debilitado e que não pode ser coberto por seguros, cheio de processos judiciais por razões ambientais, potencialmente debilitantes, comunidades rebeladas em função dos impactos que sofrem, consumidores ecológicos inquietos e regulamentações problemáticas sobre o carbono? Ao explorar essas questões, ele apresenta algumas premissas.

O conceito de “soluções baseadas na natureza” é mais uma tábua de salvação para a economia capitalista destrutiva. Desta vez, essa destruição pode não apenas acabar com meios de subsistência, territórios, florestas, cursos d’água, bacias hidrográficas, pastagens e muitos outros espaços de vida na Terra; ela também pode cercar os territórios dos povos da floresta em nome da “conservação” e das terras férteis dos agricultores para estabelecer plantações industriais, em nome de “salvar o clima”.

As “soluções espoliações baseadas na natureza” são uma ameaça perigosa aos territórios, às populações da floresta e ao clima.