África do Sul: Até onde minha energia é verde?

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A Sappi Limited, produtora sul-africana de celulose e papel, planeja a construção de uma usina de combustão de biomassa na fábrica Ngodwana, na província de Mpumalanga. A capacidade planejada é de cerca de 50 megawatts, que serão fornecidos à rede pública. Enganosamente, esse investimento é chamado de “Projeto Energia Verde” (Green Energy Power Project, GEPP), mas, na realidade, a energia é tão verde quanto o interior da caldeira da Sappi.

Segundo a empresa, a usina operará parcialmente usando resíduos do processo de produção de celulose, principalmente resíduos de filtragem e casca de árvores. Hoje em dia, esse material é queimado nas atuais caldeiras da fábrica ou descartado, mas a maior parte da biomassa necessária – cerca de 390 dos 530 mil toneladas por ano – será coletada nas plantações de árvores próximas e, posteriormente, transportada em caminhões até o local da fábrica.

A remoção de biomassa em grande escala, geralmente queimada ou deixada para apodrecer nas plantações, é muito problemática, já que resulta em perda de matéria orgânica e potenciais problemas de fertilidade do solo – problema reconhecido pela Sappi. Seu objetivo é retificar a situação removendo as cinzas das caldeiras e as distribuindo nas plantações. É verdade que são feitas tentativas de evitar a fertilização química, por meio de diferentes métodos de manejo e monitoramento, que deveriam identificar áreas com deficiência de nutrientes. Mas parece provável que o GEPP tenha impactos sobre o solo nas plantações e piore os problemas atuais, como empobrecimento dos nutrientes, erosão e inundações súbitas, que poderiam comprometer o uso da a terra no futuro.

Mas talvez os danos diretos causados no entorno sejam o mal menor neste caso: Rachel Smolker, codiretora da Biofuelwatch (1), responde que qualquer demanda crescente por madeira irá incentivar ainda mais expansão das plantações: “E, claro, as indústrias de plantações estão bem cientes disso e fazem parte do esforço que está promovendo essa prática de queimar madeira para gerar eletricidade e calor.”

De fato, isso é exatamente o que a Sappi está fazendo atualmente – tentando aumentar as indústrias dependentes de madeira onde puder e, por outro lado, lutando com um mercado de celulose convencional que enfrenta dificuldades. Já há bons resultado no sentido de avançar a produção de celulose química como alternativa baseada em madeira para a produção de têxteis e embalagens. Atualmente, há várias fábricas Sappi convertidas para poder produzir para esse lucrativo mercado.

Contudo, isso não seria problema se a combustão de madeira fosse a melhor maneira de produzir eletricidade. Mas, segundo Rachel Smolker, “o problema começa na definição da queima de madeira como energia renovável”: a razão pela qual a combustão de biomassa é considerada ‘verde’ não é mais do que um cálculo”: espera-se que a biomassa colhida venha a ser substituída por uma nova planta/árvore no futuro, absorvendo a mesma quantidade de emissões da atmosfera gerada pelo processo de combustão. Mas, ao fazê-lo, ignora-se a chamada “dívida de carbono” – o fato de que essa nova planta precisará de tempo para crescer, e se for uma árvore, pode levar décadas.

Mas mesmo sem levar isso em consideração, a queima de madeira acrescenta emissões de pequenas partículas, significa emissões por meio de colheita, transporte e destruição de vegetação natural. Sendo assim, é fundamental promover a combustão da biomassa como sendo renovável. Não obstante, a maior parte da energia “verde” produzida atualmente é resultante de combustão de madeira.

“É claro que são necessárias alternativas ao atual modelo baseado na queima de madeira,” diz Philip Owen, coordenador internacional da GeaSphere. “Mas a alternativa é a redução. Não podemos nos dar ao luxo de substituir uma demanda prejudicial por outra, que é ainda pior.” Mas essa substituição está acontecendo e, neste caso, inclusive é apoiada pelas autoridades sul-africanas. O GEPP pretende fazer parte do “Programa de Aquisição de Energia de Produtores Independentes”, impulsionado pelo Ministério da Energia da África do Sul, para produzir 3.725 megawatts de eletricidade “verde” com o setor privado.

Em vez desse aumento em nossa dependência em relação às plantações de madeira na região, seria necessária, na verdade, uma redução na atual área de plantações combinada com uma tentativa de reabilitar, diversificar e utilizar espécies nativas de madeira em um sistema florestal de “multiuso”. “Pode-se ver como as comunidades têm dificuldades com água e terra, e seus ambientes e meios de sustento sofrem impactos de grandes plantações para madeira,” diz Philip Owen. “O Sappi Green Energy Power Project não vai ajudar a amenizar os problemas básicos da degradação da terra – mas pode, na verdade, piorar ainda mais as coisas.”

Artigo de Jan Quakernack, IVA, GeaSphere, www.geasphere.co.za,www.facebook.com/geasphere 
(1) Apresentação de Rachel Smolker: