FSC: Concentração de terras certificada

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O FSC

A certificação de plantações industriais de árvores por parte do Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês) tem sido um instrumento de legitimação do modelo de monocultivos em larga escala. Seu programa de acreditação, que tem reconhecimento internacional, garante aos consumidores que as empresas que contam com seu selo fazem “um manejo florestal socialmente benéfico, ambientalmente apropriado e economicamente viável”.

Há muito tempo, o WRM, junto com outras organizações e movimentos sociais, vem denunciando o nefasto papel da certificação de modelos produtivos que são intrinsecamente insustentáveis e comprovadamente prejudiciais, tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades, como é o caso dos monocultivos de árvores e o FSC.

Dentro do contexto da concentração de terras, o florestamento, geralmente em mãos de grandes empresas, é um de seus “tentáculos”, ocupando enormes extensões e expulsando comunidades e modos de produção familiares, comunitários, diversificados, para substituí-los por “desertos verdes”.

Os que trabalham aí não têm histórias para contar que os liguem amorosamente a essa terra e suas dádivas. Suas histórias são de exploração e dificuldades. Essas pessoas se convertem em trabalhadores diaristas de empresas que pagam salários baixos e oferecem condições de trabalho muito duras. Mesmo assim, essas mesmas empresas são certificadas.

O caso Alto Paraná, na Argentina

A empresa florestal Alto Paraná S. A. (APSA), do grupo chileno Arauco, radicada na província de Misiones há mais de uma década, busca novamente o selo do Conselho de Manejo Florestal (FSC). A avaliação do patrimônio florestal da empresa, de 233.664 hectares, foi realizada em março passado por consultores da organização internacional Rainforest Alliance, que analisaram aspectos ambientais, silviculturais e socioeconômicos das plantações florestais. Esta é a segunda vez que a empresa tenta obter o selo, que não conseguiu em 2006.

Depois de a notícia ser divulgada, um grupo de profissionais do setor florestal e acadêmico, junto com os Produtores Independentes de Puerto Piray (PIP), a União de Produtores de Puerto Libertad, pesquisadores do Conicet, comunicadores populares de Misiones e o Grupo de Reflexão Rural (GRR), elaboraram um informe sobre os impactos negativos do manejo florestal de APSA, para que esteja à disposição dos auditores Freddy Peña e Ariel Zorrilla.

No relatório (http://nosonbosques.com.ar/noticias/abajo-el-maquillaje-verde/#more-444), denunciou-se que não é ambientalmente apropriado o uso massivo de mais de 100 mil quilos de agrotóxicos por ano, preparados com a água dos arroios de Misiones, nem o desmonte de dezenas de milhares de hectares que esta empresa fez no passado para instalar suas plantações, muitas vezes descumprindo as leis ambientais da província.

Também se apontou que não é socialmente benéfica a substituição das terras mais férteis da província por intermináveis plantações de pínus e eucaliptos, manejadas com máquinas e substâncias químicas, que não só geram desemprego, mas também impedem que se sigam cultivando alimentos nas pequenas propriedades, fazem com que as pessoas adoeçam com as fumigações e o pólen, acabam com colônias de pequenos produtores e limitam o crescimento de povoados.

E se enfatizou que não é economicamente viável que a província dependa de uma só atividade produtiva, muito concentrada por uma única empresa: enquanto seus pínus crescem e suas serrarias e fábricas enriquecem, a sociedade e o ambiente em Misiones empobrecem cada vez mais.

A antropóloga Andrea Mastrangelo forneceu aos auditores dados e publicações de sua autoria sobre precarização das condições de trabalho, a leishmaniose tegumentar como doença não reconhecida do ambiente de trabalho florestal e limitações à liberdade de associação dos trabalhadores. Também denunciou que outros impactos negativos da indústria florestal-celulósica estão relacionados ao zoneamento territorial, como o julgamento em instâncias federais de um processo sobre a implantação de pínus dentro de uma reserva indígena de Alecrín, no departamento de San Pedro, e a expulsão da população pela ampliação do monocultivo florestal-industrial do Grupo Arauco, não apenas de pequenos produtores minifundiários, mas também de trabalhadores florestais.

Comunidades Mbyá-guarani assentadas na província de Misiones realizaram uma Aty Ñeychyrô (Assembleia de Caciques) especialmente convocada para definir um posicionamento diante do processo de avaliação para a certificação do FSC. O pronunciamento das comunidades Mbyá-guarani, lido perante os certificadores da Alto Paraná em 13 de março, diz:

“Transformar a nossa selva, rica em diferentes animais, água e plantas, em uma mancha verde na qual só há pínus, onde há silêncio porque não há animais, pássaros nem peixes, nos prejudica profundamente, nos produz quebranto. Quando se destrói a selva para plantar pínus, ou quando nada se faz para replantar árvores nativas nos lugares onde se arrancaram os exemplares que deram sombra aos avós de nossos avós, somos empurrados silenciosamente para as cidades, destruindo nossa cultura, muito anterior aos interesses da Alto Paraná.

Essa empresa nunca se aproximou das Comunidades que não fosse para desmontar seu entorno e plantar pínus. Nossa terra – na qual a vida se alegrava a cada passo – é hoje um deserto de pínus. A Alto Paraná não reconhece que está em territórios indígenas, não devolve as terras, não reconhece o dano causado, como é fácil para ver no caso de Tekoa Alecrín.

Por que só hoje a empresa se apresenta às comunidades pretendendo fazer com que assinem um convênio sem explicar seu conteúdo, buscando surpreender nossa boa fé e nossa confiança? Onde estava a Alto Paraná quando intrusos pretenderam invadir o território de Tekoa Alecrín? Se considerava que as terras eram suas, por que não as defendeu? Quem fez isso foram seus verdadeiros donos: as Comunidades Mbyá-Guarani.

Essa empresa traz somente prejuízo e sofrimento ao nosso povo, e demonstra isso ao só pretender se relacionar com ele para cuidar de seu próprio interesse. A madeira que vende está regada com as lágrimas de nossos avós que viram como o lapacho, o cedro, o timbó, caíam sob as motosserras para se transformar em pínus estrangeiros em nossos territórios. Nunca pensamos nas árvores como dinheiro; para nós, elas são uma parte muito importante de nossa vida, sem floresta não há mbyá. O pínus condena nossa cultura, e os maus empresários, também”.

Por sua vez, os Produtores Independentes de Piray (PIP), organização criada há seis anos por cerca de duzentas famílias de Piray Kilómetro 18 e dos bairros Unión e Teresa, do município de Puerto Piray, departamento de Montecarlo, também enviaram um relatório aos avaliadores da certificação FSC, e ao mesmo tempo, à opinião pública, onde expressaram:

“Não estamos de acordo com a certificação da Alto Paraná (APSA) porque, depois dos 70 metros que temos para viver, segue um mar de pínus e nós nos sentimos asfixiados, porque, de agosto em diante e durante todo o verão, o pólen da floração do pínus suja o nosso ambiente, porque respiramos ar contaminado e o pó amarelo está por toda parte, na nossa mesa, nos nossos pratos, na cama, nos tachos com água; porque fumigam com agrotóxicos perto de nossas casas, porque estão fazendo com que crianças e adultos fiquem doentes, com dores de cabeça, vômitos, náuseas, colite, anginas, conjuntivite, bronquite, asma, alergias e perdas de gestações, porque morrem pessoas por infecção de câncer, porque morrem os nossos animais; porque é um perigo e uma ameaça para futuras gerações, porque expulsaram sete comunidades de quilômetros (colônias de pequenos produtores que se encontram no município de Puerto Piray) que já não existem. Essas comunidades estão em nossa memória, fazem parte de nossa história. Eram comunidades bem constituídas. Não queremos ir embora. Queremos viver dignamente. Queremos trabalhar a terra e produzir alimentos sãos”.

As famílias de PIP também expressaram: “Queremos o desenvolvimento da comunidade, onde atua a empresa, para que ‘os quilômetros’ (referência a pequenas colôniasde agricultores) não desapareçam, para o desenvolvimento da agricultura familiar, para produzir e comercializar produtos sãos em Montecarlo, Eldorado e nossa querida Puerto Piray, para que nossos projetos produtivos se fortaleçam, para que nossos jovens não vão embora do lugar, para defender nossa identidade”.

O caso Veracel Celulose, no Brasil

A Veracel Celulose é uma joint venture da sueco-finlandesa StoraEnso e da noruego-brasileira Fibria (ex-Aracruz), em Eunápolis, estado da Bahia, onde, no último mês de março, 350 funcionários iniciaram uma greve em defesa de seus salários, que estão abaixo do mínimo legal. Como dizem os trabalhadores, sua greve é resultado de um processo histórico de exploração e falta de diálogo, e sua atitude é una demonstração de que estão dispostos a fazer valer seus direitos.

Os trabalhadores denunciavam que, diariamente, devem ir trabalhar em zonas de difícil acesso, nas plantações de eucalipto, tendo que sair de casa, em alguns casos, às três e meia da manhã e chegando de volta às nove da noite, dependendo da distância. Mas, por essa longa jornada, a Veracel só paga as 8 horas que trabalham exclusivamente na plantação.

Além disso, são trabalhos que causam impactos à saúde. Segundo os trabalhadores, os operadores das máquinas sofrem lesões ocasionadas pela falta de condições adequadas nas máquinas, que trabalham em terrenos irregulares, com desníveis e ladeiras, cujas vibrações repercutem em todo o corpo. “Nosso trabalho exige metas de produção exageradas, de 31 m² por hora, cerca de 120 árvores cortadas em una hora”, afirmou um dos trabalhadores.

Por outro lado, os longos trajetos que eles devem percorrer em veículos sem ar condicionado e por caminhos poeirentos provocam casos de alergia e de transtornos pulmonares.

Nem as más condições de trabalho, nem os baixos salários, nem a concentração de terras implicada em seu negócio de monocultivos de árvores para celulose impedem que a Veracel conte com um “selo verde” para tranquilizar seus clientes.

Para quem convive com a realidade das empresas plantadoras de eucalipto e fábricas de celulose, no estado da Bahia, o selo FSC é uma piada de mau gosto, uma farsa. É a certeza da impunidade para com as violações de direitos. Significa a certificação da crueldade e das injustiças sociais, ambientais e culturais. E quem compra esses produtos, é enganado ou conivente?

Além disso, a certificação do FSC garante a concentração de terras por parte das empresas, que utilizam esse “selo verde” para facilitar a obtenção, junto às autoridades, das licenças necessárias para a expansão de suas atividades, agravando ainda mais os impactos. Por isso, faz-se necessário e urgente levar a cabo uma grande campanha contra a certificação FSC e outros selos de falsa “sustentabilidade”.

O caso argentino é de autoria de Sebastián Korol, jornalista da Revista Superficie (província de Misiones) e María Inés Aiuto, jornalista, integrante da campanha “Parem com as plantações florestais”, Grupo de Reflexão Rural (província de Corrientes).

O caso do Brasil foi elaborado a partir da informação fornecida por CEPEDES, email cepedes@cepedes.org.br, e do artigo: “Trabalhadores da Veracel em greve alegam que recebem salários abaixo do mínimo regido pela CLT”, Irlete Gomes, 22/03/2013,http://www.girodenoticias.com/noticias/geral/3019/trabalhadores-da-veracel-em-greve-alegam-que-recebem-salarios-abaixo-do-minimo-regido-pela-clt-22-03-2013/