Nigeria: A Wilmar, o RRDC e as plantações de dendê de Calaro-Ibiae

Ao longo dos últimos nove meses, um confronto de altos interesses tem ocorrido no estado nigeriano de Cross River, onde estão as últimas florestas tropicais primitivas remanescentes no país. A controvérsia girava em torno das atividades da Wilmar International, multinacional de Cingapura que se apresenta como “a maior processadora e comercializadora mundial de óleos de dendê e láurico”. A empresa foi questionada por uma ONG de Calabar, o Rainforest Resource and Development Centre (RRDC), pelo que esta diz serem violações flagrantes dos direitos humanos e ambientais, bem como das leis locais e nacionais.

A Wilmar opera 19.712 hectares de plantações de dendê na área de Calaro-Ibiae e Biase, do estado de Cross River, parte de uma joint venture com a PZ-Cussons. A empresa está empenhada em adquirir 50.000 hectares de terras comunitárias para a expansão de suas plantações no estado nos próximos anos. As plantações foram lançadas com muita fanfarra em novembro de 2012. Falando como representante do presidente Jonathan na cerimônia de abertura, o ministro da Agricultura Akinwunmi Adesina declarou que as plantações de dendê de Calaro-Ibiae e Biase representavam “um marco importante em nosso esforço de investimento nacional que irá estimular a diversificação econômica ...”.

Tanta esperança ignora o custo humano e ecológico, real e permanente, do empreendimento. De acordo com o RRDC, representado por seu diretor-executivo, Odey Oyama, a reivindicação da Wilmar em relação às terras de Ibiae é contestável, uma vez que a área compreende áreas pertencentes a agricultores locais. Igualmente importante é o fato de que, nas concessões da Wilmar no eixo das Cataratas de Kwa, a propriedade com a plantação de dendê também está dentro dos limites de reservas florestais estabelecidas, ou seja, a Divisão Oban Hill do Parque Nacional de Cross River, e a Reserva Florestal Ekinta.

Em novembro de 2012, o RRDC fez representações à Mesa Redonda do Dendê Sustentável [RSPO] acusando a Wilmar de iniciar as operações – sem o cumprimento das disposições legais em matéria de Avaliação de Impacto Ambiental (EIA) – em áreas adquiridas em desacordo com as disposições legais sobre uso da terra. O RRDC também acusou a empresa por diversas falhas, incluindo falta de um acordo com as comunidades donas das terras, aquisição ilegal de terras arrendadas ao CARES [Cross River State Agricultural and Rural Empowerment Scheme] e não cumprimento dos devidos regulamentos e leis municipais.

O RRDC destaca o fato de que essas questões dizem respeito aos princípios fundamentais da RSPO, da qual a Wilmar é membro. Tendo em vista essas questões, sugeriu que a RSPO exija da Wilmar a suspensão de suas atividades e o atendimento das demandas das partes lesadas. Respondendo à RSPO, a empresa apresentou quatro páginas negando as afirmações do RRDC, declarando que havia tentado resolver todas as questões pendentes relacionadas à aquisição e à operação das propriedades em Cross River. Para o RRDC, qualquer empresa privada que ocupe de terras comunitárias sem a observância das disposições legais está praticando apropriação de terras. A Wilmar tem feito referências permanentes a acordos com as comunidades indígenas, mas jamais apresentada uma cópia desses acordos. A RRDC acredita que, em uma democracia constitucional como a que atualmente funciona na Nigéria, nenhum órgão do governo tem poder de ignorar o devido processo legal, nem de dar garantias que signifiquem isentar empresas privadas do cumprimento desses processos.

De acordo com consultores ambientais da Wilmar Ibara, a Environs Consultants, a empresa havia realizado estudos de impacto ambiental em ambas as plantações, como exigido por lei. Em uma carta enviada pela consultoria em nome da empresa, em novembro de 2012, a gigante do óleo de dendê insistiu em que “reconhece o valor e a importância de administrar suas fábricas e plantações de tal forma que as atuais múltiplas necessidades da sociedade sejam atendidas sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades e desfrutar dos mesmos recursos que temos hoje”. Apesar da retórica forte da Wilmar, o RRDC argumenta que a empresa não possui qualquer certificado autêntico de EIA, não apresentou evidências de compensação às comunidades locais nem cópias de diários oficiais em que as aquisições tenham sido registradas.

Em janeiro de 2013, o Ministério da Justiça do Estado de Cross River convocou uma reunião de stakeholders que contou com a presença de uma delegação do governo estadual, representantes de Wilmar, representantes das comunidades indígenas e o RRDC. Estranhamente, as discussões foram desviadas das questões substantivas apresentadas pelo RRDC à RSPO, enquanto o diretor-executivo da ONG era condenado como sendo um homem perverso que não quer que a Wilmar faça negócios na Nigéria (apesar de as questões em disputa estarem relacionadas à insistência do RRDC em que Wilmar respeite as leis.)

O RRDC na justiça contra a Wilmar

Após a incapacidade das partes de resolver as questões anteriormente levantadas pelo RRDC e apresentadas à RSPO na reunião de stakeholders de 15 de janeiro de 2013, a ONG foi obrigada a levar a questão a um tribunal de jurisdição competente dentro do território da República Federal da Nigéria para a devida interpretação. Além disso, o RRDC salienta que não há evidências sugerindo a conformidade da transferência das terras pertencentes aos comitês indígenas com as leis nigerianas.

Nas semanas seguintes a essa reunião de janeiro, Oyama sofreu assédio constante por parte da polícia em Calabar, que invadiu sua casa no domingo, 27 de janeiro de 2013, forçando a entrada sem ser convidada (e absolutamente sem mandado). Em razão desse assédio policial, Oyama teve que se esconder para sua própria segurança, e seu caso foi assumido por organizações internacionais de proteção ambiental, como Amigos da Terra Internacional (ATI). Oyama sustenta que, por um lado, o assédio da polícia surgiu como consequência de sua atividade contra a Wilmar e suas plantações em Calaro-Ibiae/Biase, e também a postura do RRDC em relação às plantações que a Wilmar pretende iniciar no estado de Cross River, sem evidências de conformidade com as leis locais e federais.

Em uma carta datada de 13 de março de 2013, a Wilmar finalmente apresentou 20 cópias impressas do projeto de relatório do EIA datado de junho de 2013, relativo à Plantação de dendê de Biase/Ibiae, ao Excelentíssimo Senhor Ministro do Ministério Federal do Meio Ambiente, para exibição pública e exame pelo painel. Assim, fica claro que as alegações feitas em nome da Wilmar por seus consultores (Ibara Consultants) em novembro de 2012 não eram verdadeiras. Além disso, após estudos preliminares feitos pelo RRDC, também ficou claro que o relatório é deficiente em muitos aspectos, por exemplo, a página que supostamente contém o mapa da área de concessão em estudo está em branco. Portanto, questiona-se como um relatório de EIA que não contém o mapa da área de concessão possa ser verdadeiro.

Missang Oyongha, Rainforest Resource & Development Centre (RRDC), e-mail: rainforestcentre@yahoo.co.uk