REDD+: um esquema podre em sua essência

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Rio Arajuno, Ecuador. Ph: Tomas Munita/CIFOR

O REDD+ se revelou um grande fracasso para o clima, as florestas e os povos das florestas, mas muitas agências internacionais e governos continuam a apoiá-lo. Este artigo analisa sua incapacidade continuada em não conseguir interromper o desmatamento e descreve os problemas das principais iniciativas internacionais de REDD+.

Ficou difícil ter uma ideia clara do que realmente está acontecendo com o REDD+, a principal política internacional para as florestas. Ele já se revelou um grande fracasso para o clima, para as florestas e para os povos da floresta (1), mas muitas agências internacionais de financiamento e governos continuam apoiando e promovendo o REDD+. A próxima rodada das negociações climáticas da ONU, em novembro de 2019, discutirá novamente o mecanismo. Este artigo analisa sua capacidade continuada em não conseguir interromper o desmatamento e descreve os problemas fundamentais das principais iniciativas internacionais.

Banco Mundial e REDD+: facilitando mais desmatamento

Inicialmente, examinemos a Parceria para o Carbono Florestal (FCPF, na sigla em inglês) do Banco Mundial, lançada em dezembro de 2007 como uma iniciativa-piloto para impulsionar o início do mercado de carbono para o REDD+. (2)

Quase doze anos após o seu lançamento, um padrão que talvez tivesse sido previsível ficou evidente: grandes anúncios sobre exigências de “salvaguardas” sociais e ambientais, “planos de compartilhamento de benefícios” ou processos “participativos” foram, depois de algum tempo, seguidos versões bem mais frágeis dessas regras e promessas. No entanto, esses anúncios permitiram que a Parceria se apresentasse como um mecanismo “inovador” e atendesse às solicitações dos doadores, ao mesmo tempo em que garantia a continuidade dos programas nacionais de REDD+ – mesmo que não tivessem cumprido os requisitos para esse avanço. (3) O resultado: 19 países foram admitidos no Fundo de Carbono – a fase final da FCPF, que permite que os países participantes recebam pagamentos com base nos “resultados” de prevenção de desmatamento. Em poucas palavras, isso significa que, com pagamentos baseados em resultados, o governo que recebe o dinheiro pode incluir as emissões supostamente evitadas no sistema nacional de contabilidade de carbono de seu próprio país. Se o pagamento fosse por créditos de REDD+ que o Fundo de Carbono pudesse vender ou que membros do Fundo de Carbono pudessem usar para alegar que suas emissões não estão prejudicando o clima, o governo de um dos 19 países que recebesse o dinheiro não poderia alegar a redução nas emissões de REDD+ em seu próprio sistema nacional, pois o Fundo de Carbono já estaria contabilizando essas reduções.

Antes que os pagamentos possam ser feitos, o Banco Mundial precisa assinar um contrato com o país do Sul global em questão. Até agora, o Banco Mundial assinou contratos com três governos: República Democrática do Congo (RDC), Moçambique e Gana. Nesses contratos (chamados de “Contrato de compra de redução de emissões” – ERPA), o Banco Mundial pagará 5 dólares por tonelada de dióxido de carbono que o governo em questão conseguir demonstrar ter evitado ao manter o desmatamento abaixo do limite acordado.

Mas esse cenário pode estar prestes a mudar...

Com o término da Parceria para o Carbono Florestal previsto para dezembro de 2025, e considerando-se que os contratos de compra devem cobrir pelo menos cinco anos, todos os contratos precisam ser encerrados até o final de dezembro de 2019. (4) Ainda não se sabe se isso será possível sem outra onda de fragilização de regras e com doadores fazendo vista grossa aos atalhos adotados para cumprir prazos.

Além disso, o Fundo de Carbono da FCPF já enviou ao Esquema de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional (CORSIA) uma solicitação para ser reconhecido como comerciante registrado de créditos de REDD, ou seja, as compensações de carbono que podem ser vendidas e compradas. (5) O CORSIA possibilitará que as companhias aéreas aumentem o número de voos internacionais e aleguem que isso não prejudica o clima, pois os créditos de carbono que compram compensarão uma parte das emissões que elas têm projetadas.

Se for aceita como fornecedor de créditos de carbono para companhias aéreas internacionais por meio do CORSIA, a Parceria de Carbono Florestal do Banco Mundial já não será apenas um mecanismo de pagamento de REDD+ com base em resultados, e sim de negociação de créditos de carbono de REDD+. Isso porque, ao adquirir um crédito de REDD+, as companhias aéreas estão comprando o direito de alegar que parte das emissões de seus voos foi compensada. A consequência provável será a imposição de monitoramento e restrições de uso muito mais rigorosos a comunidades que vivem na floresta ou convivem com ela.

As propostas existentes apontam para uma repetição do padrão estabelecido, segundo o qual as iniciativas de REDD+ responsabilizam a pequena agricultura pelo desmatamento e restringem a agricultura itinerante e outras práticas tradicionais de uso da floresta – enquanto a destruição em grande escala impulsionada pelas empresas continua intocada. Nesse caso, as consequências para povos da floresta e pequenos agricultores não serão diferentes das que estão nos projetos de REDD+ do setor privado – apenas acontecerão em uma escala maior (ver também o Boletim 231 do WRM). Acima de tudo, esses projetos de REDD+ trouxeram conflitos, contradições e mentiras para as comunidades que vivem na floresta e com ela convivem. (6)

E quanto a outras grandes iniciativas-piloto de REDD+?

Além da Parceria de Carbono Florestal, o Fundo Amazônia, o REDD Early Movers e o programa-piloto de REDD+ do Fundo Verde para o Clima estão entre as iniciativas mais importantes que se propuseram a promover o REDD+, seja como comércio de carbono ou como mecanismo de pagamento com base em resultados (embora a única diferença real entre os dois seja a forma como a unidade REDD+ é usada). Essas outras iniciativas tiveram melhores resultados em termos de combate ao desmatamento ou apoio ao manejo das florestas pelos povos que vivem nelas?

Os governos da Noruega e da Alemanha se comprometeram a pagar mais de um bilhão de dólares ao Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Brasil. A Noruega é, de longe, o maior contribuinte, com seu compromisso de pagar mais de um bilhão de dólares ao Fundo se o desmatamento na Amazônia brasileira permanecer abaixo dos níveis acordados. Em agosto de 2019, a Noruega anunciou que suspenderia pagamentos adicionais ao Fundo Amazônia devido a disputas com o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro sobre como se poderia gastar o dinheiro já comprometido. Esses pagamentos teriam sido improváveis ​​de qualquer maneira, já que só são feitos depois que se puder demonstrar que os “resultados” do desmatamento na Amazônia ficaram abaixo de um limite acordado. Sob o atual governo de extrema direita, no entanto, é provável que a taxa de desmatamento aumente até bem acima do limite. E não conseguir gerar resultados significa que não haverá pagamentos.

O governo da Alemanha administra outro programa de pagamento de REDD+ “baseado em resultados” no Brasil, com os governos estaduais do Acre e do Mato Grosso. (7) O programa REDD Early Movers já está em sua segunda fase no Acre, onde o governo recebeu 25 milhões de dólares entre 2012 e 2017 na forma de pagamentos “com base em resultados”. Obter os resultados da fase I foi fácil para o governo do estado porque o limite ou nível de referência foi calculado com base em uma média de dez anos que incluiu os anos de pico de desmatamento no início da década de 2000. Não foi necessário atuar para reduzir o desmatamento. Na verdade, o desmatamento poderia ter aumentado muito e o governo do Acre ainda continuaria apto a receber pagamentos “com base em resultados”. Para a fase II, o nível de referência foi reduzido. Com um aumento de 300% no desmatamento em todo o estado do Acre em comparação com o ano anterior, é provável que o desempenho 2018/2019 também o seja: não haverá pagamentos. E, como resultado, também não haverá financiamento para iniciativas e programas governamentais que se tornaram totalmente dependentes dos pagamentos de REDD+.

No Mato Grosso, o programa fornece pagamentos se (as emissões do) desmatamento permanecerem abaixo de um limite acordado, que é o desmatamento médio de 2004 a 2015. Esse limite também é muito vago porque inclui os anos de pico do desmatamento. Pouco se sabe sobre quanto dinheiro do REDD Early Movers o governo alemão desembolsou até agora no estado. O que se sabe é que o governo do Mato Grosso usou parte do dinheiro para comprar imagens de satélite de uma empresa privada, embora o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, tenha um programa amplamente reconhecido de monitoramento por satélite do desmatamento, chamado PRODES. A compra de imagens de satélite privadas é ainda mais problemática considerando-se a política atual no Brasil. Em reação às notícias sobre o aumento intenso do desmatamento na Amazônia brasileira desde que seu governo assumiu, o presidente Bolsonaro, de extrema direita, questionou os números do INPE e propôs substituir o portador das más notícias pelo mesmo serviço privado do qual o governo do Mato Grosso está comprando imagens de satélite – com fundos do governo alemão.

O programa-piloto do Fundo Verde para o Clima Verde voltado ao pagamento de REDD+ com base em resultados, no valor de 500 milhões de dólares, está atualmente em avaliação. Até o momento, aprovou duas solicitações de financiamento para pagamentos de REDD+, supostamente baseados em resultados. Ambos os pedidos foram submetidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – um em nome do governo do Brasil e outro em nome do governo do Equador. O pedido brasileiro de 96,5 milhões de dólares foi aprovado em fevereiro de 2019, em meio a muitas críticas e apenas um mês após o governo Bolsonaro assumir o poder. Os principais requisitos para a aprovação da solicitação do governo brasileiro, como a participação da sociedade civil no organismo para decidir como as verbas seriam usadas ​​ou o compromisso de continuar implementando medidas para combater o desmatamento, parecem não mais ser atendidos, e as verbas podem não ser (totalmente) desembolsadas no final das contas. A solicitação do governo do Equador foi aprovada em julho de 2019, com o Conselho do Fundo Verde para o Clima aceitando dados de carbono florestal com uma média de mais de 30% de incerteza. Portanto, grande parte do pagamento ao governo do Equador pode ser “com base em resultados”, mas a partir de dados incertos, em vez de emissões reais que deixaram de ser liberadas na atmosfera.

Por fim, em setembro de 2019, o Conselho de Recursos Aéreos da Califórnia (CARB) aprovou um Padrão para Florestas Tropicais. Inicialmente, o órgão decidiu adotar uma decisão que permitiria o uso de créditos internacionais de REDD+ ​​por empresas da Califórnia que fazem parte do esquema de comércio de emissões do estado. Quando a oposição se mostrou mais difícil de superar do que o previsto, o Conselho introduziu outra forma para manter a discussão viva: em vez de uma decisão de aprovar ou rejeitar o uso de créditos internacionais de REDD+ no sistema de comércio de carbono da Califórnia, apresentou uma proposta de “Padrão para Florestas Tropicais”. O Conselho deseja enfatizar que “o TFS [Padrão de Floresta Tropical] não está propondo nem resultaria em novos créditos de compensação elegíveis para uso no Programa de Cap-and-Trade (Limitação e Comércio) da Califórnia ... e qualquer conexão futura exigiria um processo futuro de elaboração de regras e uma votação separada no Conselho”. (8) Isso, no entanto, levanta a seguinte questão: por que uma instituição do estado da Califórnia gastaria tanta energia e recursos na criação de um padrão que não pretende usar? (9)

É claro que todos esses detalhes confusos sobre créditos de REDD+ versus pagamentos “com base em resultados” e sobre quem pode contabilizar quantas reduções de emissões, são uma cortina de fumaça que esconde pelo menos três razões pelas quais o experimento de REDD+ deve terminar urgentemente:
(1) 12 anos de REDD+ não conseguiram interromper nem reduzir significativamente o desmatamento.
(2) O REDD+ tem conseguido desviar a atenção das causas reais do desmatamento e das mudanças climáticas.
(3) Os projetos e programas de REDD+ levaram a que mais florestas e territórios de comunidades dependentes de florestas fossem submetidos ao controle e ao monitoramento do uso da terra por agentes de fora. Como compensação, também permitiram que indústrias poluidoras continuassem ou até expandissem operações que destroem as florestas e o clima.

REDD+ visto como sucesso? Se perguntarmos a empresas de combustíveis fósseis…

A máquina de relações públicas (RP) do REDD+ está funcionando a todo vapor desde que o esquema ganhou visibilidade internacional ao ser adotado nas negociações climáticas da ONU. Cada atraso e incapacidade de demonstrar avanços foram minimizados por meio de RP, alegando que não houve tempo suficiente, as circunstâncias não eram as melhores, críticos demais, pouca pesquisa, pouco dinheiro, etc.

Para cada uma dessas desculpas, provavelmente se podem encontrar um ou dois exemplos dignos de confiança ​​. Porém, questões técnicas para “melhorar” o REDD+ não levam em conta a verdade de que o REDD+ está podre em sua essência: ele foi criado como um mecanismo de comércio de carbono, e rebatizá-lo de pagamento “com base em resultados”, REDD jurisdicional ou qualquer outro nome não melhorou os pressupostos que estão por trás dele.

Não há quantidade de relações públicas que mude isso. E assim se explica por que os programas-piloto no REDD+ “com base em desempenho” estabelecidos no Brasil por Noruega e Alemanha não estão mais fazendo pagamentos: uma vez eliminados os falsos “resultados” fabricados ao se inflarem os limites,  e uma ação verdadeira teria sido necessária para combater o desmatamento em grande escala por empresas para voltar a produzir “resultados”, os “resultados” desapareceram.

Ao mesmo tempo, a atenção da mídia internacional se voltou para a Amazônia, onde o mês de agosto teve incêndios em uma escala muito maior do que nos últimos anos, liberando grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera. Enquanto isso, os 96,5 milhões de dólares do Fundo Verde para o Clima, concedidos ao governo brasileiro pelo pagamento de REDD+ “com base em resultados” em fevereiro de 2019, representam menos de 0.003% dos 31,9 bilhões de dólares que governos e bancos no Brasil gastaram para patrocinar a indústrias da soja e da pecuária, somente em 2017. Isso foi antes de o governo Bolsonaro assumir o poder.

Não importa quão bem lubrificada esteja a máquina de relações públicas do REDD+: a natureza não será enganada. A fé em que os “problemas” do REDD+ podem ser corrigidos se revelou equivocada segundo as evidências acumuladas nos últimos 12 anos. Os defensores do REDD+ devem parar enquanto há tempo e pôr fim a todos os esquemas do tipo REDD+, o desastre da política florestal internacional que impediu uma ação significativa no combate ao desmatamento e no apoio às comunidades que vivem na floresta e convivem com ela.

Jutta Kill, jutta@wrm.org.uy
Membro do Secretariado Internacional do WRM

(1) WRM (2014): REDD. Uma coleção de conflitos, contradições e mentiras.
(2) Boletim 111 do WRM, “O Banco Mundial: um comerciante de carbono que não tem nada de neutral“, outubro de 2006
(3) Uma carta aberta da Rainforest Foundation UK e de outros cita vários exemplos desse padrão em que a Parceria de Carbono Florestal faz grandes anúncios, para depois fragilizar as regras e as exigências
(4) Documentos e decisões da 20ª reunião da reunião do Fundo de Carbono da Parceria de Carbono Florestal do Banco Mundial, de 8 a 11 de junho de 2019 em Washington, DC
(5) A solicitação da Parceria de Carbono Florestal ao CORSIA
Para obter mais informações sobre como a aviação internacional está prejudicando o clima e por que seu plano CORSIA irá servir como combustível para o caos climático, em vez de impedi-lo, consulte a postagem do REDD-Monitor “Não se pode enganar a natureza
(6) WRM (2014): REDD. Uma coleção de conflitos, contradições e mentiras.
(7) A Alemanha também assinou contratos do REDD Early Movers com os governos da Colômbia e do Equador.
(8) A California Air Resources Board responde a comentários sobre a proposta de análise ambiental preparada para o endosso do padrão florestal tropical da Califórnia. 9 de novembro de 2018, 2-26.
(9) Larry Lohmann, Carbon Confidential. A California Crime Paper. The Corner House, 2019