A ação é sobre o Gabão e está relacionada à recente aprovação de um decreto (resolução nº 20/2013, relacionado ao Desenvolvimento Sustentável na República do Gabão) que tem por finalidade a criação de um mercado – nacional e internacional – de serviços ecossistêmicos. Esse mercado permitiria, entre outras coisas, que a destruição provocada pelas gigantescas plantações de dendê da OLAM fosse “compensada” pela empresa. A carta em repúdio ao decreto será enviada ao Presidente do Gabão.
Envie sua adesão até 1 de Outubro para o seguinte endereço: 21sept@wrm.org.uy
Ao Excelentíssimo Presidente da República, Ali Bongo Ondimba
c.c.
- Primeiro-Ministro, Sr. Raymond Ndong Sima
- Ministro da Economia, do Trabalho e do Desenvolvimento Sustentável, Sr. Luc Oyoubi
- Ministro das Águas e Florestas, Sr. Gabriel Ntchango
- Ministro da Agricultura, Pecuária, Pesca e do Desenvolvimento Rural, Sr. Julien Nkoghe Bekale
- Ministro da Promoção de Investimentos, das Obras Públicas, do Transporte, da Habitação e do Turismo, Encarregado do Ordenamento do Território, Sr. Magloire Ngambia
- Ministra da Justiça, dos Direitos Humanos e das Relações com as Instituições Constitucionais, Porta-voz do Governo, Sra. Ida Reteno Assonouet
- Ministra do Orçamento, das Contas Públicas, do Serviço Público, Sra. Christine Rose Ossoucah Raponda
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Viemos a Vossa Excelência expressar nossa grande preocupação a respeito da intenção e do conteúdo da portaria nº 20/2013, relativa ao Desenvolvimento Sustentável na República Gabonesa. Após muitas discussões com alguns de nossos colegas da sociedade civil gabonesa, e levando-se em conta os compromissos internacionais de seu país em matéria de proteção da biodiversidade biológica, temos muitas reservas quanto aos impactos dessa portaria sobre a comercialização dos serviços ecossistêmicos e, mais amplamente, sobre as relações Norte/Sul.
Mesmo aderindo aos princípios fundamentais dessa portaria, tememos que a comercialização dos serviços ecossistêmicos almejada e defendida por esse texto se transforme em um direito de poluir. Embora sejamos da opinião de que qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável deva respeitar princípios fundamentais como o direito a uma vida saudável, a harmonia necessária com a natureza, a salvaguarda do patrimônio cultural, o respeito ao princípio de precaução e a prevenção da poluição, tememos que esse decreto, em evidente contradição com muitos desses princípios, provoque a criação de um sistema de troca de serviços ecossistêmicos, nacional e internacional.
Diversas experiências-piloto realizadas em outros lugares permitem compreender o caráter devastador do comércio dos serviços ecossistêmicos, tanto sobre as populações quanto sobre o meio ambiente. Ora, a portaria 20/2103 baseia-se na ideia de que um dano causado ao meio ambiente em um lugar específico pode ser “compensado” pela compra de “créditos de desenvolvimento sustentável” em outros lugares. Essa ideia ecologicamente devastadora, sociologicamente injusta e economicamente ineficaz foi introduzida e trazida por um cartel de sociedades transnacionais apoiadas por países industrializados que dependem cada vez mais de um acesso crescente e ilimitado aos “recursos naturais”. Ela é encorajada por atores internacionais como o Banco Mundial, os bancos privados e grandes ONGs dedicadas à conservação da natureza. Aqueles que defendem a ideia de compensação sustentam que essa é a “única” maneira de preservar a natureza, sem levar em consideração práticas e políticas de conservação de florestas, menos custosas e muito mais eficazes.
É necessário destacar, Senhor Presidente, que, quando se trata de gerar dividendos por meio da comercialização de “créditos de desenvolvimento sustentável”, o mercado do carbono, que repousa sobre os mesmos princípios, está dando provas de suas limitações, na medida em que não é ainda capaz de proporcionar o bem-estar prometido às populações locais, ao mesmo tempo que as emissões de gás de efeito estufa nunca foram tão elevadas? A portaria poderia reduzir as proteções atuais das terras, já que autoriza as concessões de mineração, florestais e agrícolas em áreas limítrofes aos projetos de “desenvolvimento sustentável”. Consideramos que há um grande risco de que as comunidades dependentes das florestas tenham de passar duas vezes por essa situação: primeiramente, elas tiveram que enfrentar os efeitos negativos da mineração, da exploração da madeira ou da agricultura industrial e, em um segundo momento, elas veem negado o acesso a terras cujo uso tradicional detinham porque essas terras estão, agora, situadas em uma floresta inscrita, por exemplo, em um programa de troca de carbono ou de serviços ecossistêmicos.
Como a destruição das florestas provocada pela expansão das plantações industriais poderia ser, por exemplo, “compensada”? A compra de “créditos para o desenvolvimento sustentável” com os exemplos do carbono e/ou da biodiversidade de outras regiões que serão eventualmente protegidas – quer estejam no Gabão ou não, por exemplo – não repara nem as perdas, nem os danos impostos ao meio ambiente e às comunidades locais. O resultado dessas equações falsas, onde quer que tenham sido aplicadas, foi somente um dano maior – e não menor – ao ecossistema, e o aumento – e não a diminuição – das emissões de carbono. As comunidades que dependem das florestas são duas vezes mais afetadas por esse mecanismo: por um lado, as comunidades que residem nas áreas das concessões de plantações industriais e/ou outros projetos de compensação têm suas terras e florestas tomadas; por outro lado, as comunidades que residem nas áreas de “compensação” dos danos causados pelas plantações industriais também sofrerão efeitos negativos, já que não terão mais acesso a suas terras e/ou enfrentarão restrições severas na utilização de seu território. Esse foi o caso na maior parte dos projetos-piloto REDD+ que foram implementados nas florestas tropicais do Peru, Brasil, da República do Congo, do Quênia, Moçambique e da Indonésia. Pensamos que o modelo de comercialização dos serviços ecossistêmicos, tal como está proposto na portaria presidencial 20/2013, não é diferente.
Podemos supor que a maior parte dos compradores dos eventuais “créditos para o desenvolvimento sustentável” gaboneses virá do Norte, já que é lá que os principais poluidores industriais estão concentrados. O fato de permutar esses “créditos” com os poluidores em um “mercado ecossistêmico” apenas pereniza a poluição causada por essas mesmas indústrias poluentes.
Uma boa ilustração seria o caso da muito poluente e destrutiva indústria de extração e refino do óleo de areias betuminosas nos Estados Unidos e no Canadá, que teve repercussões negativas junto a comunidades indígenas dessas regiões.
Ao incluírem-se essas “soluções comerciais” na portaria presidencial 20/2013, adotada pelo governo do Gabão, os principais poluidores dos países industrializados estão autorizados não somente a continuar poluindo, como também a utilizar mais que sua parte de “recursos naturais”. É imprescindível que essas empresas reduzam seu nível de poluição a fim de evitar, em um futuro próximo, uma terrível crise climática, assim como uma crise da biodiversidade, que certamente afetariam a população e as florestas do Gabão.
Em 21 de setembro próximo, comunidades e grupos de luta contra as monoculturas em grande escala e seus efeitos negativos nos países da América Latina, África, Ásia, assim como de alguns países do Norte, celebrarão o Dia Internacional de Luta Contra as Monoculturas de Árvores.Aproveitamos essa ocasião para recomendar veementemente ao governo do Gabão que tome todas as medidas necessárias para preservar seu patrimônio natural, particularmente as áreas florestais.
A preservação da natureza não é um negócio. O governo do Gabão poderia ser um ator-chave, internacionalmente, na promoção de soluções adequadas para a preservação das florestas. Essas soluções poderiam ser elaboradas pelo conjunto dos atores civis e estatais, juntamente com as populações cuja sobrevivência depende das florestas. Tal plano permitiria criar economias regionais e locais fortes, reforçar a soberania alimentar e proteger os direitos sociais, territoriais, econômicos, ambientais e culturais de todos os cidadãos. É nessa perspectiva de defesa da natureza que firmamos nossa esperança em novas alternativas como, por exemplo, no conceito de “Buen Vivir”, que se baseia na construção de um futuro capaz de garantir o bem-estar de todos, na busca por um novo pacto social baseado na igualdade e na justiça e na ruptura com o processo atual de mercantilização e privatização da natureza. Essas alternativas nasceram no Sul e é no próprio Sul que elas devem ser alimentadas. Nós vos convidamos a enfrentar esse desafio, a abandonar o conceito pernicioso e neocolonial do comércio do ecossistema e a participar das alternativas efetivamente inovadoras.
Cordialmente,