Declaração Internacional 21 Setembro 2015

 

Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores

Entre as monoculturas de árvores para uso industrial – principalmente de eucalipto, pínus, seringueira, acácia e dendezeiro – promovidas em vários países e continentes, os dendezeiros têm se expandido mais rapidamente nas últimas décadas. No período de 1990 a 2010, eles triplicaram em todo o mundo, principalmente na Indonésia e na Malásia.

Até recentemente, os fornecedores locais de óleos e gorduras – incluindo o óleo de dendê (palma) em muitos países africanos – dominavam os mercados nacionais de óleos vegetais, e as políticas e regulamentações dos países protegiam os produtores locais de óleo vegetal das importações baratas. Contudo, nos últimos 15 anos, uma série de acordos de livre comércio eliminou a maioria dessas proteções em vários países, abrindo as portas a produtos mais baratos. E, neste momento, isso está acontecendo com o dendê. Essa situação está provocando a mais recente tendência de expansão das plantações industriais de dendezeiros, não só na Indonésia e na Malásia, mas também em países da África e da América Latina próximos ao Equador, onde as condições climáticas são favoráveis ao cultivo do dendê. Outra tendência que promove a expansão vem principalmente da Europa e tem a ver com a crescente demanda por biocombustíveis. A expansão exponencial das plantações industriais de dendezeiros tem um preço muito alto: cada vez mais impactos econômicos, sociais, culturais e ambientais que causam perdas significativas de biodiversidade e afetam as comunidades de países e regiões onde se expandem.

A partir do sistema de certificação da Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO, na sigla em inglês) – com sua falsa promessa de “sustentabilidade” dos produtos das plantações industriais de dendezeiros – e de novas certificações semelhantes promovidas principalmente na Indonésia, a tendência mais recente da política de “responsabilidade corporativa” no setor de dendê é o compromisso com o chamado “desmatamento zero”. Os principais atores em um setor dominado por empresas transnacionais e grandes instituições financeiras já fizeram essas promessas de “desmatamento zero”, também promovidas pelas grandes ONGs conservacionistas que colaboram estreitamente com as multinacionais do setor. No entanto, trata-se de compromissos voluntários e não normas de obrigatórias. Em segundo lugar – e talvez, mais importante – os relatos já revelam que, mesmo depois de terem sido formulados esses compromissos, há muitas denúncias de violações ambientais e sociais por parte das empresas. Um exemplo é o das denúncias sobre a Wilmar e suas atividades em Uganda, onde a expansão de suas plantações de dendezeiros causou o desalojamento de camponeses. O mais preocupante, talvez, é que esses “compromissos” publicados por empresas de dendê não visam acabar com a expansão industrial do dendê. Pior ainda, essas promessas sugerem que o desmatamento é o único e principal problema das plantações industriais de dendezeiros.

É claro que a expansão das plantações industriais de dendezeiros e de árvores em geral é responsável por milhões de hectares de desmatamento. As florestas são cruciais e é imperativo deter o desmatamento, entre outras razões, porque as florestas proporcionam os meios de vida e sustento, e são o lar de comunidades que dependem delas. Mas o interesse das empresas em proteger as florestas não é dirigido ao bem-estar das populações locais nem à verdadeira conservação de habitats e espécies. Com uma lógica orientada para o lucro, é crucial para elas que as florestas – e, principalmente, as árvores – tenham se tornado importantes para o “capitalismo verde”, por sua condição de armazenar carbono e biodiversidade, uma fonte potencial de créditos de carbono e biodiversidade que podem ser vendidos a empresas e países poluidores.

As políticas de REDD + e similares, que promovem o financiamento da conservação das florestas através da venda de créditos de carbono e da biodiversidade das áreas florestais, podem beneficiar as empresas, proporcionando-lhes acesso a essas áreas por meio de concessões ou títulos de terras para o estabelecimento de plantações. Assim, os mercados de carbono e biodiversidade podem canalizar dinheiro às empresas de dendê para a conservação dessas áreas de floresta que tenham o chamado “alto valor de carbono”, e que as grandes empresas de dendê vêm identificando em suas concessões de terras através de consultores contratados em todo o mundo. Mas conservar áreas com “valor alto carbono” não resolve os problemas fundamentais de um sistema baseado em plantações industriais em grande escala, que exigem muito uso de água, agrotóxicos, fertilizantes químicos e energia fóssil, e ocupam enormes territórios onde muitas pessoas vivem ou dos quais dependem. E com projetos para se expandir cada vez mais, longe de oferecer uma verdadeira solução à mudança climática, o setor do dendê vai continuar contribuindo para a alteração do clima. Os mais afetados por essas políticas serão os povos da floresta e as comunidades camponesas, que verão como as plantações de dendezeiros aumentam, restringindo-lhes cada vez mais o acesso a suas terras e florestas. Para eles, que não são nem um pouco responsáveis ​pelo atual problema da mudança climática, não apenas a floresta com “alto valor de carbono” é importante, mas todas as áreas que ocupam e controlam também são vitais para a sua subsistência e seu futuro.

Mais além, governos de países produtores de óleo de dendê, em conjunto com empresas transnacionais do setor, têm reivindicado ativamente que as plantações de dendê sejam recategorizadas e passem de culturas agrícolas a “florestas”, não só em seus próprios países, mas também internacionalmente. De acordo com a atual definição da FAO, uma floresta é basicamente uma área com uma cobertura de árvores. O objetivo é garantir o acesso à “oportunidade” que representa um potencial acordo de REDD+ no marco das negociações da ONU sobre o clima, a ser celebrado em Paris no final deste ano, para poder vender créditos de carbono no futuro, usando os absurdos argumentos da promoção de “desmatamento líquido zero” ou “reflorestamento”.

Além disso, a ênfase no desmatamento tende a prestar menos atenção a toda a gama de impactos causados ​​pelas plantações industriais de dendezeiros em muitos países, tais como:

- Destruição de meios de vida locais e desalojamentos. As regiões em que estão sendo promovidas as plantações de dendezeiros são o lar de camponeses e povos indígenas, e são áreas de florestas tropicais das quais essas comunidades dependem econômica, social, espiritual e culturalmente. É por isso que as plantações industriais de dendê provocam a perda de terras e, portanto, dos meios de subsistência das comunidades, e dentro delas, especialmente das mulheres, devido à sua relação específica com a floresta, resultando no desalojamento dessas comunidades. Os quase 20 milhões de hectares atualmente ocupados por plantações industriais de dendezeiros na América Latina, na África e na Ásia tiraram as perspectivas de futuro de várias pessoas cujos territórios foram invadidos e cujas florestas foram destruídas. Essa destruição afetou gravemente a soberania alimentar não só das comunidades, mas de regiões inteiras.

- Atividade madeireira destrutiva e violações dos direitos humanos. Em muitos casos, essas plantações também são resultado da exploração madeireira devastadora que, no passado, abriu caminho para a entrada das plantações de dendezeiros. Estima-se que só em Sabah e Sarawak (os dois estados da Malásia em Bornéu), o tamanho das plantações de dendê – que certamente envolveram conversão de florestas e/ou violações de direitos consuetudinários indígenas sobre a terra – atingiu, em 2014, um total 1,5 milhão de hectares: 1,1 milhão em Sarawak e 0,4 milhão em Sabah. Além disso, há mais de uma década continua o processo de desmonte pela queima, para o estabelecimento de plantações de dendezeiros, causando uma névoa que permanece a maior parte do ano no Sudeste Asiático. Essa prática prejudica não só o meio ambiente, mas também a saúde de milhões de cidadãos.

- Acesso privilegiado à terra para empresas, e não para as comunidades. A introdução do cultivo industrial de dendê em um determinado país ou região através de concessões de terra garante às empresas um acesso privilegiado a terras agrícolas por longos períodos, aumentando seu poder e sua influência. No caso da América Latina, onde o Estado oferece incentivos para a compra de terras com títulos e a propriedade individual de terras estatais – dando origem a especulação financeira – o processo promove mais privatização e concentração de terras. Em todos os casos, as lutas para garantir os direitos coletivos das comunidades sobre seus territórios e uma agricultura diversificada e agroecológica controlada por essas comunidades tendem a ser cada vez mais difíceis. Governos e organizações internacionais que apoiam o desenvolvimento da agricultura industrial não costumam ouvir as reivindicações das comunidades e, em geral, argumentam que as plantações de dendezeiros irão beneficiá-las porque gerarão empregos.

- Condições de trabalho miseráveis. Os postos de trabalhos acabam sendo poucos e as condições de trabalho nas plantações de dendê costumam ser semelhantes à escravidão. Além disso, em muitos casos se documentou a existência de trabalho infantil, bem como abuso de drogas entre trabalhadores, e prostituição. Os trabalhadores também são particularmente afetados pela obrigação de aplicar agrotóxicos nas plantações de monocultivos, incluindo produtos proibidos em vários países. Considerando-se as pesadas condições meteorológicas de temperaturas elevadas nas quais o dendê consegue crescer, o uso de equipamentos de proteção é muito desconfortável. Mas, mesmo usando o equipamento corretamente, há testemunhos revelando que os trabalhadores não têm qualquer garantia de que não serão expostos a doses que ameacem sua saúde. Muitos ficam doentes para o resto da vida, sem poder contar com qualquer tipo de indenização. A situação dos trabalhadores fica ainda pior na atual crise econômica global, na qual as empresas tentam manter os lucros gastando muito menos no que chamam de “custos trabalhistas”.

- O aumento da criminalização dos movimentos sociais e da oposição local. Outro aspecto muito preocupante é que as comunidades e as organizações que as apoiam, assim como trabalhadores das plantações de dendezeiros, devem enfrentar uma tendência mundial crescente à violação dos direitos humanos, incluindo a criminalização. Apenas em Honduras, nos últimos 10 anos, cerca de 140 pessoas foram mortas como resultado de conflitos entre comunidades e empresas de dendê – principalmente membros dessas comunidades. Em outros países também houve assassinatos, prisões e perseguições àqueles que apenas lutavam em defesa dos direitos coletivos das comunidades sobre seus territórios, e se opunham à invasão desses territórios por empresas de dendê. Além disso, as empresas podem contar com todos os tipos de proteção fornecidos pelas forças de segurança do Estado, como a polícia e até o exército.

Desde 2006, definiu-se o 21 de setembro como o Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores, com o objetivo de aumentar a visibilidade do número crescente de povos e comunidades, muitas vezes os mais marginalizados, entre eles, principalmente, as mulheres e os jovens, que estão lutando em diferentes lugares e países contra as monoculturas industriais de dendezeiros e outras plantações monoculturas, de eucaliptos, pínus, acácia e seringueira. É uma maneira de romper o círculo de silêncio em torno das violações enfrentadas pelas comunidades cujo território é invadido e cercado por essas monoculturas.

Tentativas atuais de fazer “lavagem verde” no setor industrial de dendezeiros e outras plantações em grande escala, com os outros compromissos de “desmatamento zero” ou de “melhorar” as plantações através de sistemas de certificação como a RSPO e novos sistemas relacionados, mantendo a lógica da expansão ilimitada, representam outra ameaça de que mais comunidades percam suas terras e seus meios de subsistência. É por isso que condenamos o modelo de crescimento em grande escala voltado à exportação, que atualmente impulsiona a expansão do dendê no mundo todo. Não há maneira de as monoculturas de árvores em grande escala serem aceitáveis, nem para as comunidades locais nem para um mundo que enfrenta uma grave crise, com sintomas múltiplos, incluindo mudança climática, deterioração econômica e ambiental, e aumento da militarização e das violações de direitos humanos.

Nos países onde as plantações industriais de dendê ocupam grandes extensões de terra, os governos deveriam dar prioridade absoluta às demandas das comunidades, apoiar seu controle sobre terras e florestas das quais dependem, em vez de adotar políticas que facilitem a entrega desses territórios a empresas transnacionais. Também instamos os governos a investir na produção local diversificada de alimentos e na soberania alimentar como a melhor maneira de apoiar as comunidades e as economias locais e nacionais, ao mesmo tempo em que se promove mais justiça social e ambiental.

”As plantações não são florestas!”

 

- Acción Ecológica, Ecuador
- Asian Peasant Coalition (APC)
- Brainforest, Gabon
- CALG - Coalition against Land Grabbing, Philippines
- Censat Agua Viva, Colombia
- Centre pour l'Environnement et le Développement - CED, Cameroon
- COECOCEIBA - Amigos de la Tierra Costa Rica
- Colectivo de Reservas Campesinas y Comunitarias de Santander, Colombia
- Consumers' Association of Penang, Malaysia
- ERA/FoE Nigeria
- FASE/ES, Brasil
- Friends of the Earth International
- Fundaexpresión, Colombia
- GRAIN
- JA! / FOE Moçambique
- Kilusang Magbubukid Ng Pilipinas (KMP), Philippines
- Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales - OLCA
- Organización Ambiental Chinampa, Colombia
- Organización Fraternal Negra Hondureña - OFRANEH, Honduras
- Otros Mundos, México
- People Common Struggle Centre – PCSC, Pakistan
- Red latinoamericana contra los monocultivos de árboles - RECOMA
- Sahabat Alam Malaysia / FOE Malaysia
- SAVIA, Guatemala
- Sawit Watch, Indonesia
- School of Democratic Economics - SDE, Indonesia
- Struggle to Economize Future Environment (SEFE), Cameroon
- Third World Network, Malaysia
- World Rainforest Movement - WRM