O Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas: Promover plantações de árvores e reduzir as florestas a estoques de carbono comercializáveis

editorial

A 22ª reunião anual da ONU sobre o clima ocorreu em 2016, com os governos celebrando a ratificação do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, adotado na reunião da organização sobre o tema, em 2015. Em 1997, o governo dos Estados Unidos não ratificou o Protocolo de Quioto, o primeiro acordo climático da ONU com limites obrigatórios para os países industrializados, depois de ter insistido na inclusão do comércio de carbono no Protocolo. O governo norte-americano nunca ratificou o Protocolo de Quioto. O comércio de carbono, contudo, permaneceu e se tornou uma grande distração da tarefa urgente dos governos que estão negociando nas reuniões da ONU sobre o clima sobre quando o último barril de petróleo e a última tonelada de carvão forem desenterrados e queimados. Esse plano ainda não está sendo discutido nessas reuniões, como explica o primeiro artigo deste boletim, “O Acordo de Paris prejudica a Campanha Global para deixar o Petróleo no Subsolo”.

A ideia da compensação como alternativa à redução também domina o Acordo de Paris sobre Mudança Climática. Em vez de definir um plano claro de eliminação gradual da queima de carbono fóssil, os governos simplesmente concordaram em “alcançar um equilíbrio entre emissões antropogênicas por parte de fontes e as remoções por sumidouros de gases do efeito estufa na segunda metade deste século”. Isso significa que as empresas podem continuar queimando combustíveis fósseis, desde que paguem alguém para plantar árvores, impedir que a floresta seja cortada ou reduzir as emissões da produção agrícola. Isso pode ser conveniente para a indústria de combustíveis fósseis e para grandes empresas cujos lucros dependam da disponibilidade de petróleo e carvão baratos, mas é uma grande ameaça a pequenos agricultores e povos indígenas dos quais a floresta é o lar. Por quê? Porque o que as corporações agora querem usar como “floresta de carbono” é a terra da qual as famílias de agricultores dependem e as florestas que os povos indígenas têm protegido e resguardado por gerações. O Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas conecta iniciativas como REDD+ e “desmatamento líquido zero” com agricultura industrial e plantações industriais de árvores. A pressão sobre as terras agrícolas e as florestas deverá aumentar quando o Acordo de Paris se tornar algo concreto. (2)

Uma tendência que ajuda a explicar por que as negociações para manter o petróleo e o carvão no subsolo não estão na agenda das negociações climáticas da ONU é a presença cada vez maior de interesses corporativos nas reuniões da organização sobre o clima. Durante anos, grandes empresas dos setores de petróleo, carvão, alimentos globais e finanças organizaram eventos paralelos em locais perto das reuniões da ONU, e suas associações setoriais estiveram presentes nas salas de reunião da organização. Um jornal observou o “envolvimento sem precedentes de interesses empresariais que lutaram contra a ação climática em todo o mundo” na reunião da ONU de 2016, no Marrocos. São empresas com interesse fundamental em extrair e queimar o máximo possível de combustíveis fósseis. (3) No início do ano, os governos de países industrializados se opuseram a restrições à presença de empresas de combustíveis fósseis nas reuniões sobre o clima quando disseram considerar o conceito de “conflito de interesses” muito difícil de definir. Representantes do governo australiano, por exemplo, alegaram que “não há um entendimento claro do que seja um conflito de interesses, e isso significa coisas diferentes para pessoas diferentes”. Eles argumentaram que, sendo assim, deveria ser assumido que não havia risco de “conflito de interesses” na presença de representantes de empresas cujo negócio depende da venda de petróleo e carvão nas reuniões da ONU sobre o clima. Assim, no Marrocos, as associações setoriais que representam empresas de combustíveis fósseis como ExxonMobil, Chevron, Peabody, BP, Shell, Rio Tinto, etc. realizaram discussões privadas com representantes de governos cuja tarefa é negociar medidas para acabar com o uso do carbono fóssil. Foram a extração e o processamento do carbono fóssil que colocaram essas empresas entre as mais poderosas do mundo. Talvez os representantes dos países industrializados que tenham dificuldade em entender o “conflito de interesses” devessem ter conversado com seus colegas presentes à 7ª reunião da Convenção-Quadro das Nações Unidas para o Controle do Tabaco, na Índia, sobre sua experiência com o “conflito de interesses” empresarial e a interferência do lobby do setor para evitar a ação governamental contra o tabagismo. Talvez tivessem entendido que as companhias de petróleo e carvão que apresentam sua indústria como parceira na luta contra mudanças climáticas estão aplicando uma conhecida estratégia empresarial, que a indústria do tabaco também usou muito. As grandes empresas de petróleo e carvão que participam das reuniões da ONU sobre o clima vão lutar por seus lucros, e não pressionar os governos a tomar medidas para interromper a queima de petróleo, carvão e gás natural o mais rápido possível. (4)

Mas não são apenas as indústrias de petróleo e carvão que colocaram as reuniões climáticas da ONU em sua agenda. Empresas de plantações, corporações globais de alimentos e a indústria de conservação têm sido presença constante nas reuniões da ONU, por anos. Suas esperanças são de que o Acordo de Paris sobre Mudança Climática estabeleça a demanda global por créditos de carbono a partir de iniciativas que supostamente estejam reduzindo as emissões do desmatamento – em outras palavras, a demanda por seus produtos.

Em 2007, os governos introduziram o REDD nas negociações climáticas da ONU, como uma nova forma de salvar as florestas. Desde então, as indústrias globais de plantações, alimentos e conservação das florestas têm trabalhado para estabelecer a ideia – tanto dentro quanto fora das negociações da ONU sobre o clima – de que os pagamentos pela redução das emissões provenientes do desmatamento ou pelo plantio de árvores contribuem para combater as mudanças climáticas. Foram lançadas inúmeras iniciativas baseadas no pressuposto de que os pagamentos pelo armazenamento de carbono nas árvores reduzirão as emissões resultantes do uso da terra. Embora a realidade dos últimos dez anos tenha demonstrado que o REDD e iniciativas semelhantes no setor agrícola são falsas soluções que não conseguem reduzir a destruição da floresta em grande escala, culpando falsamente a agricultura camponesa e o cultivo itinerante pelo desmatamento, bancos regionais de desenvolvimento e governos de países industrializados continuam a financiar iniciativas empresariais de REDD. (5)

A Estratégia para a Transformação Agrícola na África, do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) para 2016-2025, por exemplo, não menciona uma só vez a palavra “agroecologia”. No entanto, o documento inclui 12 referências principais à “agricultura inteligente para o clima”, um conceito duvidoso, que visa principalmente expandir o controle da indústria de agroquímicos e sementes sobre a pequena agricultura. A Estratégia do BAD para a Transformação Agrícola na África também promove o comércio de carbono. O documento fala sobre promover o “crescimento verde” e o investimento, entre outros, na “agricultura sustentável e inteligente para o clima, em grande escala”. O Banco propõe investimentos “em parceria” com fundos do setor privado, como o Fundo de Subsistência para a Agricultura Familiar (cujos investidores incluem Danone e Mars), o Fundo Moringa (cofundado pelo banco Rothschild) ou o Fundo Climático Althelia. O relatório “O Projeto REDD+ do Corredor de Kasigau: um mergulho para o Fundo Climático Althelia”, a ser lançado em breve pelas organizações Counter Balance e Re:Common, denuncia o que os investimentos desse fundo significam para as comunidades locais: as injustiças históricas da distribuição de terras são reforçadas, e os mais afetados pelas restrições impostas pelo projeto de REDD+ têm pouco ou nenhum benefício com o projeto. (6)

“O que significa o Acordo de Paris da ONU para as florestas e os povos da floresta?” – essa é a questão central a todos os artigos deste boletim. Um deles examina por que, mesmo que a cada ano se fale mais da urgência da ação para combater a mudança climática, o Acordo de Paris não menciona sequer uma vez as palavras combustível fóssil, gasolina ou carvão. Os dois artigos seguintes examinam como as florestas são incluídas no Acordo de Paris e quem se beneficia de iniciativas referentes a essa inclusão explícita do REDD no Acordo. A denominação equivocada das plantações como se fossem florestas e a promoção de plantações industriais como resultado do Acordo de Paris são discutidas em dois artigos. Por fim, o projeto Ibi Batéké de plantio de árvores para carbono, na República Democrática do Congo, conecta o mecanismo de comércio de carbono do Protocolo de Quioto – o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – ao Acordo de Paris. Mesmo antes das primeiras árvores serem plantadas, o projeto já foi vendido como um sucesso que nunca foi.

Há poucas dúvidas de que o Acordo de Paris das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas é uma má notícia para as florestas, bem como para comunidades e povos indígenas aos quais essas florestas fornecem não só um meio de vida, mas também o lar físico, cultural e espiritual. Sua luta na defesa das florestas e de um modo de vida que reconheça seu valor muito além do preço do carbono a que o REDD+ as reduziu é mais importante do que nunca. Ignorando as evidências claras de que as plantações industriais de árvores criam enormes problemas para as comunidades locais e não são solução para a crise climática, o Acordo de Paris também abriu uma nova porta para mais expansão das monoculturas de árvores. Nos próximos anos, será importante reforçar a resistência contra esses planos de expansão maciça das plantações industriais, erroneamente justificadas como uma contribuição para combater as Mudanças Climáticas. Também é por isso que temos de continuar a exigir que a FAO corrija a sua definição equivocada de floresta. Por favor, apoiem a carta que relembra, mais uma vez, que plantações não são florestas e que a FAO deve rever urgentemente a sua definição! (7)

Esperamos que você goste da leitura!

(1) Mais informações, por exemplo, na publicação Trade in Ecosystem Services. When payment for environmental services delivers a permit to destroy, do WRM http://wrm.org.uy/books-and-briefings/trade-in-ecosystem-services-when-payment-for-environmental-services-delivers-a-permit-to-destroy/
(2)http://www.nature.com/nclimate/journal/vaop/ncurrent/full/nclimate2870.html Williamson 2016: http://www.nature.com/news/emissions-reduction-scrutinize-CO2-removal-methods-1.19318
(3) Reportagem no jornal The Guardian, em 6 de novembro de 2016: Marrakech climate talks: giving the fossil fuel lobby a seat at the table. https://www.theguardian.com/environment/2016/nov/07/marrakech-climate-talks-giving-the-fossil-fuel-lobby-a-seat-at-the-table e Corporate Accountability International report Uncovered: Fossil Fuel Industry Has Back-Door Access to U.N. Climate Talks. https://www.stopcorporateabuse.org/blog/uncovered-fossil-fuel-industry-has-back-door-access-un-climate-talks
(4) O relatório da Organização Mundial de Saúde “Impact assessment of the WHO FCTC: Report by the Expert Group” diz que “o papel e as atividades da indústria global de tabaco continuam sendo, de longe, o obstáculo mais importante à ação, em todos os aspectos da FCTC”. http://www.who.int/fctc/cop/cop7/FCTC_COP_7_6_EN.pdf
(5) Veja, por exemplo, REDD: Uma Coleção de Conflitos, Contradições e Mentiras. http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/redd-uma-colecao-de-conflitos-contradicoes-e-mentiras/
(6) The Kasigau Corridor REDD+ Project in Kenya: a Crash dive for Althelia Climate Fund. Report by Counter Balance and Re:Common. February 2017
(7) Você pode assinar a carta pedindo à FAO que reveja sua definição de floresta aqui: http://wrm.org.uy/all-campaigns/support-the-letter-urging-fao-to-revise-its-forest-definition/