Rio+20: o poder corporativo sem limites

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Río +20

A conferência Rio+20 juntamente com fatos relacionados ao evento, como a expulsão de um ativista Moçambicano e a realidade que afeta populações locais da região, que sofrem nas mãos das grandes empresas patrocinadoras do evento oficial, mostram que o poder corporativo não tem limites.

Ao chegar ao Brasil no dia 13 de junho para participar da Cúpula dos Povos, atividade organizada por redes e movimentos sociais brasileiros e internacionais antes e durante a Conferência Rio+20 da Organização das Nações Unidas (ONU), o jornalista Moçambicano Jeremias Vunjanhe foi barrado no aeroporto pela polícia federal brasileiro e deportado de volta para Moçambique.

Jeremias e sua organização Justiça Ambiental - Amigos da Terra Moçambique - têm apoiado incansavelmente comunidades daquele país, afetadas pelas atividades nefastas da Vale, uma corporação mineradora transnacional com sede no Brasil e uma das principais do mundo. Jeremias já tinha sofrido ameaças e intimidações por seu trabalho.

Se olharmos para a conferência Rio+20, observamos que o poder corporativo global tem feito um lobby efetivo para defender seus interesses em nível da ONU e individualmente com governos de muitos países, apresentando a proposta da ”economia verde”, incluindo a privatização e a mercantilização da natureza como o caminho certo para um futuro ”sustentável”. Além disso, temos a impressão de que um conjunto de empresas transnacionais de grande porte está de fato mandando na ONU e nos governos e em outras instituições que integram os estados nacionais, como as polícias e o poder judiciário, em defesa dos seus interesses atuais e futuros, criminalizando e perseguindo comunidades e ativistas locais que possam representar algum obstáculo.

Para enxergar essa realidade, bastava olhar apenas um pouco além dos locais das atividades em torno da Rio+20. Organizações da sociedade civil da cidade do Rio de Janeiro organizaram, por exemplo, os chamados Toxic Tours, também chamados de o ”Lado B” do Rio. Foram organizadas visitas de solidariedade à população no bairro de Santa Cruz, no oeste da cidade, afetadas pela mega-siderúrgica TKCSA, de propriedade da Vale e da transnacional alemã Thyssenkrup, e também comunidades na cidade de Magé e na região de Duque de Caxias, entre outras afetadas por instalações da Petrobrás, empresa brasileira de extração de gás e petróleo.

Após essas visitas, representantes das três comunidades se encontraram para compartilhar a experiência dos Toxic Tours num evento durante a Cúpula dos Povos. Moradores de Santa Cruz reclamaram da poluição da água e do ar, dizendo que ”não comemos mais arroz e feijão, comemos pó de ferro” , e também denunciaram problemas de saúde da população e táticas de cooptação da empresa. Moradores das comunidades disseram também que viver da pesca ficou praticamente inviável, e um pescador desabafou: ”querem ouvir da gente que a gente não é mais pescador”; outro complementou, dizendo que ”eu era um homem do mar; não sei mais o que eu sou”.

Uns dias depois da Rio+20, tivemos noção do tamanho da violência que afeta os pescadores no estado do Rio de Janeiro, quando João Luis Telles Penetra e Almir Nogueira de Amorim, da Associação dos Homens do Mar da Bahia de Guanabara (AHOMAR), entidade que defende a pesca artesanal na região, foram brutalmente assassinados. A AHOMAR luta contra os impactos socioambientais dos grandes empreendimentos na região que afetam os pescadores. A entidade lutou em especial contra os impactos de um dos investimentos da Petrobrás na região, um complexo petroquímico.

Ainda durante a Rio+20, 300 indígenas e apoiadores realizaram o Encontro Xingu+23 para protestar contra a construção da usina hidrelétrica Belo Monte no estado do Pará, na Amazônia brasileira, uma obra promovida pela Eletrobrás, outra empresa brasileira de grande porte na área de energia, e que afetará milhares de pessoas e destruirá pelo menos 50 mil hectares de floresta amazônica. Posteriormente, a polícia do Pará pedia à Justiça estadual a prisão de 11 ativistas, entre eles um padre que rezou uma missa e abençoou o encontro Xingu+23 e um morador que já teve sua casa destruída pelas obras. Na cidade do Rio, indígenas realizaram uma breve ocupação do BNDES , o banco público, que, com dinheiro dos brasileiros, é o principal financiador da obra bilionária.

O poder das corporações não afeta apenas populações que protestam contra seus projetos; esse poder parece até ser capaz de derrubar presidentes, se olharmos com atenção para o que ocorreu logo depois de Rio+20 no Paraguai, onde o presidente Fernando Lugo, democraticamente eleito, foi destituído. É inegável a interferência do poder do agronegócio no episódio, um setor que domina a economia paraguaia e também o cenário político, e que conta com transnacionais como a Monsanto, a qual lucra milhões de dólares com a promoção do uso de sementes transgênicos no país .

Analisando essa realidade, o recado da Cúpula dos Povos é bastante claro: é preciso agir, e as organizações e ativistas presentes começaram fazer isso de forma urgente, opondo-se à deportação arbitrária do companheiro Jeremias. E após muitos protestos, em nível nacional e internacional, o governo brasileiro teve que recuar e permitir sua entrada. Jeremias conseguiu viajar novamente de Moçambique para o Brasil e finalmente chegar ao Rio de Janeiro no dia 19 de junho, 6 dias depois da deportação.

Ao chegar no aeroporto do Rio de Janeiro, pôde ver nitidamente as duas faces do mundo atual: por um lado, a face das corporações nos ”belos” cartazes presentes em vários lugares do aeroporto, querendo dar as boas vindas a ele e outros participantes da Rio+20, citando como patrocinadores oficiais do evento da ONU a Vale, tão bem conhecida por Jeremias, mas também empresas citadas neste editorial, como a Petrobrás e Eletrobrás.

Para a sorte de Jeremias, ele pôde presenciar também a face do povo unido e em luta, com a presença de dezenas de ativistas, por quem foi recebido com festa e alegria, celebrando a vitória da justiça.

Por fim, que ninguém se deixe enganar pelas muitas faces ”verdes” que as empresas colocam na nossa frente para ocultar suas violações, suas verdadeiras práticas. Que toda essa solidariedade prestada a Jeremias seja, como ele mesmo bem lembrou, repassada também a todas as comunidades que sofrem com as arbitrariedades e as violações das corporações. E que continuemos nos unindo e fortalecendo na luta contra o poder corporativo e em favor da vida!