No mês de setembro deste ano, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) organizará seu XIV Congresso Mundial de Silvicultura, desta vez, no continente africano, em Durban, África do Sul. Trata-se do mais importante evento relacionado ao tema das florestas que a FAO organiza, e ela faz isso apenas uma vez a cada seis anos. Mas sobre quais “florestas” estamos falando? Quais as tendências desse Congresso e o que ele poderia provocar no continente africano, sobretudo pensando nas comunidades e nos povos que dependem das florestas?
Na língua inglesa, a silvicultura é chamada de “forestry”, um verbo quase igual ao substantivo “forests” (florestas, em português). Em inglês, parece que os dois termos estão muito próximos e quase se confundem. No entanto, a silvicultura – “forestry” – indica uma coisa muito diferente de florestas. Conforme dicionários de inglês, “forestry”, ou silvicultura, significa, por um lado, “a ciência de plantar e cuidar de florestas”, e por outro lado, o “manejo da madeira em fase de crescimento”. Isso mostra que, falando de silvicultura, predomina uma visão de que a floresta é importante em função da madeira e das árvores, daí a afirmação de que a silvicultura trata de “plantar florestas” quando, na realidade, tod@s sabemos que só se podem plantar árvores.
Quando seu mais importante Congresso relacionado ao tema das florestas é centrado na silvicultura, a FAO demonstra o peso que isso tem dentro da instituição e a visão de que uma floresta é, em resumo, um “grande depósito de madeira”, sem gente, sem outras plantas, insetos, animais, sem todas essas inúmeras teias de vida presentes na floresta. Isso se reflete também na definição que a FAO continua defendendo do que seria uma floresta: basicamente, apenas um conjunto de árvores, sem mencionar todos os outros elementos que conformam aquilo que é entendido como floresta no senso comum: algo onde predomina a diversidade e não a monocultura industrial, algo que muitas vezes é chamado de “sagrado” pelas populações locais.
Mesmo que a FAO tenha um documento de “estratégia”, que seria para “florestas e silvicultura”, esse documento continua orientando o trabalho de um departamento que se chama apenas “Departamento de Silvicultura” (1). É outra indicação de onde está o foco da FAO. Além disso, uma relevante comissão de assessoria desse Departamento de Silvicultura é a “Comissão Consultiva sobre Produtos de Papel e Madeira”, que “tem o objetivo principal de oferecer direção às atividades e aos programas de trabalho do Departamento de Silvicultura da FAO sobre assuntos relevantes para a indústria de papel e produtos florestais”. (2)
A Finlandesa Tiina Vahanen, secretária-geral adjunta do Congresso Mundial de Silvicultura, afirma que “quando se reunirem para o XIV Congresso Mundial de Silvicultura, em Durban, em setembro, engenheiros florestais e apoiadores da floresta terão uma oportunidade única de destacar a necessidade urgente de dar crédito às florestas pelo verdadeiro valor que proporcionam” (3). De fato, é uma questão fundamental para a FAO refletir bem. Por quê?
Desde a sua fundação, em 1945, a FAO se dedicou aos seguintes objetivos fundamentais: erradicar a fome e a pobreza. Nessa perspectiva, investiu em programas que, na sua visão, pudessem desenvolver a produção de alimentos nos países para garantir a segurança alimentar da população. Baseada em sua definição, segundo a qual as florestas podem ser “plantadas”, a FAO incentivou a expansão das grandes plantações de monoculturas de eucalipto, pínus, acácia, seringueira, etc. Somam-se a isso as plantações de dendê, com muitas das mesmas caraterísticas das outras monoculturas (de árvores) já mencionadas. Sendo assim, estamos falando de dezenas de milhões de hectares de grandes monoculturas plantadas nos países do Sul nos últimos 20 a 30 anos, principalmente na América Latina e na Ásia.
Esses projetos de plantações, sem exceção, foram impostos à população local e apresentados a ela como programas que “desenvolveriam” a região e “combateriam” a pobreza. Hoje, nas regiões que concentram grandes monocultivos de árvores, encontramos a população mais pobre do que antes em função da expulsão de suas casas e do seu território, sem falar das perdas que implicou para elas a destruição das florestas. Já compõem uma biblioteca todos os estudos que mostram que as grandes plantações de árvores espalharam a fome e a pobreza, em vez de combatê-la (4).
É simbólico que este ano o Congresso Mundial da Silvicultura seja organizado na África. Conforme diz a empresa de consultoria Poyry, também da Finlândia, como a Sra. Vahanen, “há um interesse crescente na África como destino para investidores em florestas, considerando-se a disponibilidade de terras, taxas competitivas de crescimento das árvores e baixos custos de mão-de-obra.” (5) De fato, o continente africano já se defronta com uma ofensiva de empresas e fundos de investimento que se apropriam de terras para promover o dendê (palma africana) mais no Oeste da África e na África Central, além de plantações de eucalipto, seringueira e pínus, mais ao Leste e ao Sul do continente. Os impactos negativos na África talvez sejam até mais devastadores do que em outros continentes, devido à suma importância que a terra tem para o povo majoritariamente rural, para produzir alimentos. Substituir essas roças por monoculturas de árvores, como está ocorrendo em vários países, leva a pobreza e fome, exatamente porque, em muitos lugares, as pessoas perdem suas fontes de alimentos que são as florestas, destruídas para dar lugar às “florestas plantadas”, além de outros lugares extremamente biodiversos e, portanto, valiosos para as comunidades, como os pastos naturais e as savanas.
A África se tornou, inclusive, um lugar especialmente preferido para implementar plantações de árvores voltadas a “armazenar” carbono conforme o mecanismo REDD (6). Coincidência ou não, a Sra. Vahanen tem coordenado os trabalhos de promoção do REDD dentro da FAO. Desconfiamos que, quando afirma que está na hora de visualizar as florestas e o “verdadeiro valor que proporcionam”, a Sra. Vahanen está pensando, antes de tudo, no valor econômico do carbono armazenado nas florestas quando é comercializado para compensar as emissões de atividades poluidoras em países industrializados. De qualquer forma, o fato deste Congresso ser na África poderia abrir uma excelente oportunidade para a FAO aprender, com povos africanos que dependem das florestas, como eles enxergam o “verdadeiro valor que elas proporcionam”.
Nesse sentido, a Sra. Vahanen tem até afirmado que, para o Congresso, “estamos trabalhando para assegurar que as vozes de jovens, mulheres e comunidades locais sejam ouvidas” (7). Resta saber se isso ocorrerá de uma maneira significativa e verdadeira, e se a FAO e seus funcionários se abrirão para de fato aprender com jovens, mulheres e comunidades locais africanas que dependem das florestas para sua sobrevivência. São elas que têm buscado defender suas florestas das ameaças promovidas pela própria FAO, como as monoculturas de árvores. Se a FAO não busca ouvir essas populações de forma significativa e verdadeira, a tendência é que o órgão continue sendo uma “presa” dos interesses das grandes empresas de madeira e outros interessados na promoção das monoculturas de árvores, concentrados nos países do Norte global, inclusive na Finlândia.
Winnie Overbeek, winnie@wrm.org.uy
Secretariado Internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM)
(1) http://www.fao.org/docrep/012/al043e/al043e00.pdf
(2) http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/a-definicao-de-floresta/
(3) http://forestry.fao.msgfocus.com/files/amf_fao/project_59/February_2015/WFC_InFO_News.pdf
(4) http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/um-panorama-das-plantacoes-industriais-de-arvores-no-sul-global-conflitos-tendencias-e-lutas-de-resistencia-2/
(5) http://www.poyry.com/sites/default/files/imce/files/africanplantationforestry_-_june2011-lfwp-br.pdf
(6) veja a publicação REDD: um conjunto coleção de conflitos, contradições e mentiras,http://wrm.org.uy/pt/livros-e-relatorios/redd-uma-colecao-de-conflitos-contradicoes-e-mentiras/
(7) Referência 3