Foto: E. Benjamin Skinner
Malásia
A Malásia se tornou um destino para os trabalhadores migrantes de outros países do sudeste da Ásia – principalmente Indonésia, Tailândia e Bangladesh – que geralmente ocupam empregos não qualificados e de salários baixos em diferentes setores, incluindo a indústria de óleo de dendê, de mão de obra intensiva.
Até 2006, a Malásia tinha um sistema direto de recrutamento, que foi substituído por um sistema centralizado de migração que introduz a terceirização – obrigatória para empregadores com menos de 50 trabalhadores e opcional para os demais. Intermediários de mão de obra se transformam em empregadores de trabalhadores temporários, atuando como atravessadores entre estes e a empresa de plantação, pagando menos e lucrando com a diferença. A maximização da produtividade acontece muitas vezes em detrimento de condições razoáveis de trabalho e de vida e dos direitos dos trabalhadores das plantações.
Grupos como Verité e Anistia Internacional têm relatado abusos por parte de intermediários de mão de obra, que cobram até 1.000 dólares por vistos. Esses intermediários também têm sido criticados por encontrar taxas adicionais a ser cobradas de cada trabalhador migrante, exigindo altas quantias para “re-registrar” documentos de imigração.
A terceirização levou a uma situação em que muitos trabalhadores migrantes, seduzidos pelos intermediários, acabam trabalhando em plantações, mesmo se não forem adequados ou não estiverem preparados para esse tipo de trabalho. O resultado é que os trabalhadores migrantes muitas vezes se sentem menos satisfeitos e são menos produtivos e comprometidos com seu trabalho.
Além disso, os trabalhadores costumam ficar presos nos complexos de plantações de dendezeiros, geralmente distantes e fechados, ainda mais porque têm que apresentar autorizações de trabalho, vistos e passaportes aos empregadores. Nos casos em que conseguem sair da plantação, os trabalhadores migrantes ficam muito suscetíveis a extorsão por parte da polícia local, cuja principal tarefa é devolvê-los às plantações em que estão empregados. Os migrantes que conseguem escapar de uma plantação não têm condições de encontrar emprego legal na Malásia e, como passam a ser imigrantes ilegais, tornam-se vulneráveis a multas elevadas, prisão e castigos físicos aplicados pela polícia. No caso de conseguirem encontrar emprego em outro lugar, muitas vezes isso se dá em plantações pequenas e independentes que atraem poucos grupos de fiscalização da indústria e do governo, expondo esses migrantes a práticas trabalhistas mais exploradoras.
Por outro lado, mesmo os não migrantes são vulneráveis ao trabalho forçado por dívidas. O modelo de produção baseado em pequenos agricultores é uma estratégia desenvolvida pelas empresas de dendê para criar um setor de plantações mais abrangente, onde elas são as vencedoras. O relatório Práticas Trabalhistas Exploradoras na Indústria Global do Dendê, elaborado pela Accenture para a Humanity United, revela que “os pequenos proprietários geralmente tomam emprestados entre 3 mil e 6 mil dólares (a 30% de juros ao ano) de um plantador comercial, para comprar mudas, fertilizantes e outros insumos. Como as plantas de dendê levam de 3 a 4 anos para dar frutos, nesse meio-tempo, os pequenos agricultores trabalham como diaristas com salários de 2,50 dólares por dia em plantações comerciais maduras. Quando sua plantação se torna produtiva, a renda média de um lote de dois hectares é de 680-900 dólares por mês. A baixa renda, combinada com os grandes custos iniciais e o pagamento de juros relativamente altos, faz com que os pequenos agricultores frequentemente assumam dívidas com a empresa de dendê, muitas vezes por um tempo longo. Ao invés de exigir pagamento em dinheiro, algumas empresas que fornecem os empréstimos exigem que os agricultores lhes vendam seus frutos de dendê a preços que não são definidos pelo mercado, mas por elas próprias. Os agricultores ficam ligados à plantação principal nos termos estabelecidos pelas empresas até que suas dívidas sejam completamente liquidadas. Estas alegações foram comprovadas por meio de entrevistas de campo, bem como pelo testemunho de agricultores em várias reuniões da RSPO.
Os agricultores falam emocionados sobre serem “fantasmas em [sua] própria terra” por causa do ciclo interminável de dívida a que estão presos. Apesar de não serem universais, esses problemas são comuns e equivalem a extrair trabalho forçado de propriedades de pequenos agricultores.
O trabalho infantil em plantações de dendezeiros é uma espécie de legado da imigração. A lei da Malásia proíbe trabalhadoras migrantes de dar à luz a filhos enquanto estiverem no país. No entanto, muitas o fazem, e essas crianças não têm cidadania da Malásia nem do país de origem de seus pais e, assim, tornam-se apátrida e geralmente são forçadas a trabalhar nas plantações. Elas ajudam os membros da família a cumprir as elevadas quotas estabelecidas pela administração das plantações, recolhendo frutas caídas, ajudando a carregar cachos de dendê e os colocar em caminhões, e a capinar as plantações. Na Malásia, estima-se que entre 72.000 e 200.000 crianças apátridas trabalhem nas plantações de dendê.
Indonésia
Segundo um relatório do Instituto Schuster de Jornalismo Investigativo (2), existe violação generalizada dos direitos humanos em plantações de dendê na Indonésia. Baseando-se em várias entrevistas com trabalhadores de 12 plantações em Bornéu e Sumatra – duas ilhas que detêm 96% das operações de dendê do país – a investigação revelou que, entre os cerca de 3,7 milhões de trabalhadores na indústria de óleo de dendê do país, milhares de crianças e adultos trabalhadores enfrentam escravidão moderna.
A investigação descreve trabalhadores cujas identificações nacionais e outros documentos legais foram confiscados pela empresa para impedir que deixassem a fazenda, ainda que temporariamente, ou voltassem para casa durante os anos de seu contrato. É comum os trabalhadores não receberem por seu trabalho até que seus compromissos tenham sido cumpridos, e o acesso a dinheiro se dá através de empréstimos feitos pelo recrutador. Eles ficam presos a uma situação de falsa dívida, como foi o caso denunciado por vários trabalhadores que se queixaram de ser mantidos em cativeiro pela CV Sinar Kalimantan, que faz intermediação de mão de obra para uma grande empresa produtora de óleo de dendê, a gigante Kuala Lumpur Kepong Berhad (KLK), com sede na Malásia.
Membros da equipe de investigação do Instituto Schuster também encontraram crianças trabalhadoras, algumas de apenas nove anos, em todas as plantações que visitaram. Elas geralmente trabalham no viveiro de mudas, recolhem dendezeiros sem frutas, caídos no chão, ou até mesmo têm seus próprios acordos de trabalho com supervisores das plantações.
Apesar dos abusos generalizados, as grandes empresas de dendê saem ilesas. A Mesa Redonda sobre Dendê Sustentável (RSPO) – o regime de certificação voluntária da indústria de óleo de dendê – declarou que nunca cancelou a certificação nem suspendeu um membro por não aderir às normas de trabalho... Pelo menos 38 empresas compraram óleo de dendê e derivados da KLK desde 2009, incluindo Archer Daniels Midland, Unilever, Procter & Gamble (P&G), além da Cargill, que vendeu o óleo de dendê e derivados para a Nestlé, General Mills, Kraft Foods e Kellogg Company.
Fontes:
(1) “Exploitative Labor Practices in the Global Palm Oil Industry”, elaborado pela Accenture para Humanity United, http://humanityunited.org/pdfs/Modern_Slavery_in_the_Palm_Oil_Industry.pdf
(2) “Forced Labor and Child Labor on Palm Oil Plantations”, relatório do Schuster Institute for Investigative Journalism, Brandeis University, http://www.schusterinstituteinvestigations.org/#!slavery-palm-oil-plantations-indonesia/cqcc