O histórico das empresas de papel e celulose está bem documentado e inclui muito desmatamento, drenagem de turfeiras, incêndios florestais graves, conflitos agrários, além de criminalização e intimidação de ativistas de base na Indonésia. A ONG WALHI tem um longo histórico de campanhas contra a expansão das plantações industriais de árvores, apoio às comunidades que resistem às empresas de plantação, para que reivindiquem seus direitos à terra e espaços de vida saudáveis, bem como de defesa de leis nacionais para a proteção de florestas e terras das comunidades no país.
Mais de 10 milhões de hectares são controlados atualmente pela indústria de papel e celulose, principalmente por duas corporações gigantes: Asia Pulp and Paper (APP – a divisão de papel e celulose do grupo Sinar Mas) e Asia Pacific Resources International Limitada (APRIL). Com o apoio abundante de estruturas estatais e financiamento nacional e multinacional ininterrupto, o negócio das empresas de plantações na Indonésia mantém seu poder econômico e político. (1)
De acordo com os dados coletados pela WALHI em 2018, as concessões da APP incidem sobre 668 povoados e as da APRIL, sobre 114. Os conflitos de terra são o problema mais comum, assim como a criminalização de ativistas ambientais e de direitos humanos. E os problemas não dizem respeito apenas às plantações industriais já estabelecidas.
Apesar das alegações “verdes” das empresas, que dizem proteger florestas e turfeiras, ambas têm sido associadas ao desmatamento. As árvores derrubadas alimentam suas grandes fábricas de celulose, e as florestas se transformam em plantações. Uma coalizão indonésia de ONGs ambientais expôs o amplo desmatamento causado pela APP em 2008 e 2011. Em 2018, o Greenpeace informou que, desde que a APP lançou sua “Política de Conservação Florestal”, em 2013, quase 8 mil hectares foram desmatados por empresas controladas pela empresa. Outro relatório de 2019 mostrou como a APP estava adquirindo madeira de uma empresa envolvida em desmatamento em grande escala, seguido de um relatório de 2020 expondo a destruição de turfeiras por empresas relacionadas à APP, mesmo durante o surto de Covid-19. (2) Da mesma forma, por um caminho semelhante, a APRIL foi denunciada em 2020 por supostamente descumprir seu próprio compromisso com o “desmatamento zero” ao adquirir madeira de uma empresa que desmata florestas na parte indonésia de Bornéu. (3)
As comunidades florestais não só têm seus territórios confiscados e destruídos, e suas vidas violadas, como também sofrem os impactos dos incêndios florestais decorrentes da expansão das indústrias de celulose e papel e de óleo de dendê (palma). A APP e a APRIL supostamente contribuíram para grandes incêndios florestais e terrestres, fazendo com que os moradores tivessem Infecções Respiratórias Agudas. O número de vítimas chegou a 20.471 em Jambi, 15.138 em Kalimantan Central, 28.000 em Sumatra do Sul e 10.010 em Kalimantan Ocidental. (4)
As plantações de árvores da APP: devastação, violência e criminalização
O grupo Sinar Mas é um dos maiores conglomerados da Indonésia e está envolvido no desmatamento de florestas e na destruição de turfeiras para seus vários negócios, incluindo a APP, que é a maior produtora de celulose e papel do país.
A APP controla 2,6 milhões de hectares na Indonésia, distribuídos por cinco províncias: Riau, Jambi, Sumatra do Sul, Kalimantan Ocidental e Kalimantan Oriental. (5) A empresa opera através de 31 filiais nas diferentes províncias. Essas grandes áreas cobertas por plantações industriais de árvores, principalmente de acácia, causam graves danos sociais e ambientais às pessoas que vivem dentro e próximo às concessões – com prejuízos inimagináveis.
Na província de Jambi, a APP tem três subsidiárias: PT. Wirakarya Sakti (WKS), PT. Rimba Hutani Mas (RHM) e Tebo Multi Agro (TMA). As plantações dessas empresas estão localizadas nas cinco regências de Tanjung Jabung Barat, Tanjung Jabung Timur, Muaro Jambi, Batanghari e Tebo. Existem 120 povoados afetados pelas atividades dessas empresas em Jambi, e vários conflitos ativos – a maioria relacionados a disputas de terra. Em Sumatra do Sul, a APP administra sua segunda maior área de concessão na Indonésia, de cerca de 789 mil hectares, bem como uma grande fábrica de celulose, impactando pelo menos 80 povoados. (6)
Para encobrir seu histórico de violência, a APP lançou campanhas e assumiu compromissos de “restauração florestal” ao mesmo tempo em que simplesmente ignora os crimes sociais e ambientais, os conflitos e as graves violações dos direitos humanos pelos quais é responsável. As críticas generalizadas e a oposição das comunidades levaram a APP a lançar uma Política de Conservação Florestal em fevereiro de 2013. Essa Política incluiu um compromisso com o “desmatamento zero”, incluindo uma moratória imediata sobre a extração de madeira em florestas e turfeiras, estendida a todos os seus fornecedores. A Política afirma que a empresa deve proteger áreas de alto valor de conservação (HCV) e florestas com elevado estoque de carbono (HCS) e reconhece que Povos Indígenas e comunidades locais podem ter direitos consuetudinários sobre terras que coincidem com suas plantações de celulose. (7)
No entanto, um relatório de 2019, feito por uma coalizão de organizações indonésias, incluindo WALHI e a Environmental Paper Network, concluiu que a APP está envolvida em centenas de conflitos com comunidades nas cinco províncias. (8)
Em 2015, apenas dois anos após o lançamento da Política, Indra Pelani, agricultora local e ativista central na luta pela recuperação de terras apropriadas pela APP na província de Jambi, foi torturada e morta por seguranças contratados pela WKS, fornecedora controlada pela APP. (9)
Em março de 2020, a WKS usou drones para pulverizar herbicidas e envenenar as plantações dos moradores dos povoados em Sumatra, resultando em grandes perdas para os agricultores. Moradores de Lubuk Mandarsah denunciaram que a empresa enviou agentes de segurança de porta em porta para assustá-los e fazer com que deixassem a região, como uma tática de intimidação. Esse povoado está em conflito com a empresa para recuperar suas terras desde 2007. (10) Em outubro de 2021, dois moradores que estavam limpando a terra de um membro do sindicato de agricultores Sekato Jaya – criado em 2013 para organizar a resistência com vistas a recuperar terras – foram presos por seguranças da empresa.
Além dos conflitos e da criminalização de ativistas, as empresas de papel e celulose continuam destruindo florestas e turfeiras. Em Kalimantan Ocidental, existem 41 madeireiras, com uma área de 1.901.491 hectares, dos quais 302.498,59 são de turfeiras. Da mesma forma, em Riau, 803.708 hectares de concessões de empresas afiliadas à APP estão localizados em turfeiras.
Com base em uma avaliação feita pela WALHI de Kalimantan Ocidental, existem três padrões de negócios das empresas de plantações de madeira:
1) As licenças concedidas cobrem áreas de alto potencial madeireiro natural (florestas),
2) A concessão de licenças ignora turfeiras e habitats de animais protegidos e
3) Há indícios de que as empresas estejam fazendo “banco de terras”, já que a área das licenças concedidas não corresponde à área de plantio. (11)
Enquanto as plantações estabelecidas representam apenas 45% da área planejada, a capacidade das fábricas de celulose está aumentando. As florestas tornam-se, então, alvos para suprir a escassez de matéria-prima e atender à demanda das fábricas de celulose, em processo de expansão.
Em Sumatra do Sul, a já enorme fábrica de papel da APP, Ogan Komering Ilir (OKI), deve triplicar de tamanho, o que certamente terá consequências devastadoras para as pessoas e o meio ambiente, principalmente as turfeiras. A escalada de conflitos de terra, incêndios florestais e a forte ameaça às florestas serão consequências certas no futuro próximo. Esse plano de expansão também pode pressionar todas as subsidiárias de plantações industriais de árvores, pois a demanda aumentará muito. Isso, no final das contas, elevará a pressão para ignorar ainda mais os compromissos sociais e ambientais, bem como as regras e legislações existentes.
Além disso, as atividades de “restauração florestal” em grande escala na verdade prolongam a cadeia de conflitos. São outra forma de expropriar florestas pertencentes a Povos Indígenas e comunidades locais na Indonésia. As afirmações “verdes” e “sustentáveis” da APP não passam de uma agenda de lavagem verde e uma estratégia para melhorar a imagem da empresa. A restauração de áreas com funções importantes e críticas, dentro e fora das concessões da empresa, é de responsabilidade das próprias permissionárias, incluindo APP e APRIL.
APRIL: fazendo lavagem verde em sua expansão
A APRIL é a segunda maior produtora de celulose e papel da Indonésia e opera uma das maiores fábricas de papel do mundo, na província de Riau, em Sumatra, a Riau Andalan Pulp & Paper (RAPP). Do 1 milhão de hectares de terras que o Grupo APRIL administra, 480 mil são usados para plantações. Entre 2008 e 2011, os fornecedores da empresa desmataram pelo menos 140 mil hectares de florestas, principalmente para atender à demanda de madeira das fábricas de celulose da APRIL. (12)
A ONG indonésia JIKALAHARI, assim como a WALHI, contestou a afirmação da APRIL, que diz ter restaurado 58,21 hectares e aumentado a presença de 42 espécies de flora e fauna com seu programa de Restauração do Ecossistema Riau (RER). A APRIL afirma que o aumento de espécies nas concessões do RER, que cobrem uma área de 130.789 hectares, indica que as florestas recuperaram sua biodiversidade. No entanto, as atividades de 11 empresas afiliadas à APRIL, que cobrem uma área de 242.692 hectares na Península de Kampar, incluindo turfeiras, destruíram mais flora e fauna ao converter essas áreas em plantações de acácia e eucalipto. (13)
Desde 2002, a Península de Kampar foi lentamente destruída devido às atividades da APRIL. Nove de suas 11 afiliadas na Península estiveram envolvidas em corrupção ao subornar o regente de Pelalawan para obter licenças e cortar florestas. (14)
A APRIL também se comprometeu a restaurar 433,49 hectares de turfa queimados em 2015, o que atende à legislação, mas nunca cumpriu a promessa. Em vez disso, foi à justiça contra o governo para que as áreas queimadas não fossem consideradas como tendo funções de proteção de turfa. A APRIL também planeja expandir suas operações de fabricação de celulose na província de Riau, em Sumatra, até 2025. Estima-se que a expansão da fábrica, se totalmente implementada, aumentaria o consumo anual de madeira da APRIL na Indonésia em mais de 50%. (15)
Portanto, as campanhas e programas de “restauração” da APRIL são também uma tentativa de enganar o público e continuar expandindo sua destruição.
O “direito ao carbono”: outro mecanismo de apropriação de terras
Em 2021, o decreto presidencial nº 98, relativo à Implementação dos Valores Econômicos do Carbono, estabeleceu que a concessão do direito ao carbono é prerrogativa do Estado (Hak Menguasai Negara, em bahasa indonésio). Isso significa que cada entidade licenciada que queira operar no comércio de carbono deve ser (não) regulada por meio de um mecanismo de mercado. As que têm mais acesso à obtenção e à gestão dos direitos de carbono estão no setor corporativo, ampliado por seu capital, seu networking, seu conhecimento de mercado, etc. A classificação do “direito ao carbono” como “prerrogativa do Estado” é um ataque aos Povos e comunidades locais que têm convivido, protegido, administrado e tido a posse de suas florestas tradicionais por gerações. Essa é uma ameaça direta de apropriação de terras, pois mais empresas proporão Licenças de Restauração de Ecossistemas para obter “o direito ao carbono” e promover sua imagem no mercado mundial, enquanto obtêm lucros abundantes com o comércio de carbono e o controle da terra.
Os compromissos ambientais, “verdes” e de sustentabilidade assumidos pela indústria de celulose e papel, principalmente a APP e a APRIL, são falsos e fazem parte de uma promoção de imagem política ou um artifício de mercado voltados a maximizar seus lucros. Esses compromissos visam apenas satisfazer a consciência dos consumidores e investidores para que continuem comprando e investindo, e permitem que as mesmas práticas destrutivas continuem e se ampliem, ao mesmo tempo em que possibilitam várias atividades ilegais e violações de direitos humanos. Não podemos confiar em esquemas de mercado e instrumentos voluntários. A impunidade dos crimes das empresas deve acabar agora.
Uli Arta Siagian
Campainha de Florestas e Plantações dos Amigos da Terra Nacionais Indonésia/WALHI
https://www.walhi.or.id/
(1) WALHI, Pernyataan Sikap WALHI, Selembar Kertas dan Jejak Kejahatan Korporasi dari Hulu hingga Hilir, Jejak Pelanggaran Hukum dan HAM APP-Sinar Mas group Ditemukan dalam Selembar Kertas.
(2) Bank Track, Asia Pulp and Paper (APP).
(3) Mongabay, Paper giant APRIL linked to Borneo forest clearing despite zero-deforestation vow, October 2020.
(4) Mongabay, Walhi: Berikut Korporasi-korporasi di Balik Kebakaran Hutan dan Lahan Itu, 2015.
(5) Idem (1)
(6) Conflict Plantations. Revealing Asia Pulp & Paper’s trail of disputes across Indonesia.
(7) Idem (2)
(8) Idem (4)
(9) WALHI, Selembar Kertas dan Jejak Kejahatan Korporasi.
(10) Environmental Paper Network, Social conflict, abuses and intimidation in the Jambi region, Indonesia - a chronology of pulp industry actions and events.
(11) Idem (9)
(12) Environmental Paper Network, Asia Pacific Resources International Limited (APRIL).
(13) Jikalabari, APRIL Membunuh Lebih Banyak Spesies Di Semenanjung Kampar, 2019.
(14) Idem (9)
(15) Mongabay, Paper giants’ expansion plans raise fears of greater deforestation in Indonesia, October 2021.