Em janeiro de 2021, o povo indígena Karen, de Bang Kloi, retornou ao seu lar ancestral nas florestas de Kaeng Krachan, após anos de expropriação devido à criação do Parque Nacional de mesmo nome. As comunidades Karen estão se mobilizando em todo o país, em solidariedade ao direito das comunidades de Bang Kloi de voltar para casa.
Em janeiro de 2021, o povo Karen de Bang Kloi voltou ao seu lar ancestral nas florestas de Kaeng Krachan, na Tailândia, após anos de expropriação e quase inanição. A criação do Parque Nacional de Kaeng Krachan, em 1981, também significou o início da expropriação daquele povo indígena. Desde então, eles lutam por seus direitos de viver em seus territórios originais. Além da situação insuportável que enfrentam na área para onde foram transferidos, a pandemia de Covid-19 deixou mais claro que voltar para casa era a única resposta para sua sobrevivência.
Agora, a situação nas florestas de Kaeng Krachan é, no mínimo, tensa. Enquanto as comunidades Karen se mobilizam em todo o país, as autoridades do Parque Nacional as denunciam por derrubarem áreas florestais, na tentativa de aprofundar o preconceito contra elas como destruidoras de florestas. Para o povo Karen, entretanto, voltar para casa não é apenas uma questão de sobrevivência. É também mais um esforço para restaurar sua vida cultural, sua identidade e sua dignidade.
Parques Nacionais = Expropriação e Violência
O povo Karen de Bang Kloi pratica a rotação de cultivos há gerações – plantando em uma área e depois passando à próxima, dando tempo para que o solo se reabasteça – junto com a pesca e a coleta de alimentos. Bang Kloi está situada em uma área de 2.915 km2 do que hoje é o Parque Nacional de Kaeng Krachan, uma grande floresta ao longo da fronteira com Mianmar. Desde a designação do Parque Nacional, ocorrem conflitos recorrentes entre os indígenas Karen e as autoridades estaduais.
O Departamento Tailandês de Parques Nacionais, Vida Selvagem e Conservação de Plantas acusa as comunidades Karen de serem invasoras ilegais. Suas práticas de rotação de cultivos são criticadas como uma forma de desmatamento, embora tenham mantido a saúde da floresta de Kaeng Krachan por gerações.
Uma grande virada aconteceu em 1996, quando os funcionários do Parque Nacional queriam tirar os indígenas Karen das florestas. Na época, 57 famílias Karen que viviam em Bang Kloi, em um total de 391 pessoas, foram transferidas para áreas mais baixas, em Ban Pong Luek-Bang Kloi. Depois que as promessas de lotes de terra foram descumpridas, muitas voltaram para seus territórios ancestrais.
Em 2011, o então chefe do Parque, Chaiwat Kimlikitaksorn, liderou um grupo de soldados armados e guardas florestais que incendiou casas e celeiros de arroz dos Karen, acusando-os de envolvimento com drogas e invasões ilegais. Eles danificaram 98 casas, e isso foi divulgado na Tailândia como uma operação contra ameaças à “segurança nacional”.
Com medo, os moradores da floresta fugiram de volta à aldeia de reassentamento, o que foi seguido por mais violência, assassinatos e ameaças.
Quando o defensor dos moradores da floresta, Tatkamon Ob-om, expôs o que realmente aconteceu em Bang Kloi, ele foi morto a tiros. O então chefe do parque foi preso, mas acabou libertado porque a arma não foi encontrada.
Além disso, Porlajee Rakchongcharoen, conhecido como “Billy”, um jovem ativista Karen em defesa dos direitos territoriais do seu povo, e que ajudou Bang Kloi Karen a prosseguir com uma ação contra Chaiwat e foi testemunha-chave no caso judicial, desapareceu misteriosamente em 2014, após ser detido por Chaiwat e guarda-parques por coletar mel silvestre.
Duas testemunhas que disseram que Billy havia sido libertado por Chaiwat depois de uma prisão breve acabaram confessando que os funcionários do parque lhes haviam dito para mentir. Cinco anos depois, em 2019, o Departamento de Investigação Especial encontrou fragmentos do crânio de Billy em um tambor de óleo perto da sede do Parque. Mas Chaiwat não foi acusado, sob a alegação de que não havia provas suficientes.
Enquanto isso, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que as autoridades do Parque infringiram a lei incendiando as casas dos indígenas Karen e destruindo seus pertences. O tribunal também disse às autoridades que, se o povo Karen vivia na floresta antes de a área se tornar um Parque Nacional, seus direitos à terra deveriam ser respeitados. Mas as autoridades florestais fizeram ouvidos moucos, e as expulsões na floresta continuaram, enquanto Chaiwat era promovido.
Em resposta à decisão do Tribunal, o Departamento de Parques Nacionais, Vida Selvagem e Conservação de Plantas promulgou uma Lei de Parques muito mais violenta. Em 2019, a lei foi aprovada às pressas na Assembleia Legislativa Nacional instalada pelos militares, pouco antes de ela ser dissolvida.
A nova Lei de Parques Nacionais torna os funcionários dos parques mais poderosos do que soldados sob um decreto de emergência. Isso significa, entre outras coisas, que eles podem entrar e destruir as casas dos habitantes das florestas a qualquer momento, citando a urgência, sem necessidade de investigar nada. Além disso, a pena máxima de prisão para “invasores da floresta” foi aumentada para 20 anos, e eles também podem enfrentar multas de até dois milhões de bahtes (mais de 65 mil dólares). Insistindo em que as florestas devem ser “livres de seres humanos”, a lei coloca na ilegalidade milhões de pessoas que vivem nelas há gerações.
Consequentemente, as comunidades Karen enfrentam constantes ações na justiça, com acusações de invasão, forçando-as a se mudar à medida que a terra é consumida nos territórios dos Parques Nacionais.
Sem perder a esperança e a força para lutar por suas florestas, em agosto de 2020, os indígenas Karen de Bang Kloi enviaram uma carta à Força-Tarefa Estratégica de Recursos Naturais e Conservação Ambiental, que levou o Assessor da Força-Tarefa a visitar a área e ouvir as comunidades. Foi revelado como os moradores têm sofrido com a falta de terras e o acesso extremamente difícil a qualquer meio de subsistência. Mas não houve nenhum avanço depois disso.
Em 8 de dezembro de 2020, o povo Karen de Bang Kloi enviou uma carta ao Ministro de Recursos Naturais e Conservação Ambiental, na esperança de uma ação concreta para resolver seus problemas, mas não houve resposta.
Como resultado, e depois de muitas tentativas de restaurar seus direitos a viver em seu território, em 9 de janeiro de 2021, membros da comunidade de Bang Kloi retornaram ao seu lar ancestral, após terem sido expulsos à força em 1996 e 2011, para praticar sua rotação de cultivos. Outra razão essencial para voltar foi realizar um ritual para o espírito do líder Karen, o Vovô Ko-I, que nasceu na floresta Kaeng Krachan em 1912. Era essencial que seus descendentes usassem o arroz de lá para alimentar as pessoas que participaram na cerimônia. Isso faria com que o espírito do Vovô Ko-I ascendesse de acordo com sua crença.
Apesar desses conflitos e da violência, o governo da Tailândia está planejando enviar a última solicitação para dar ao Parque Nacional de Kaeng Krachan o status de Patrimônio Mundial em meados de 2021 – o que já foi adiado devido aos conflitos com os Karen.
É hora de o povo Karen de Bang Kloi readquirir o direito de retornar e viver em seu território. Eles não estão apenas lutando por um pedaço de floresta para viver; eles lutam por justiça e dignidade.
Referências
Vídeo sobre a luta de Vovô Koi e do povo Karen nas florestas de Kaeng Krachan, (em tailandês, com legendas em inglês)
Declaração pública – Restaurem os direitos e a dignidade humana do grupo étnico Karen de Bang Kloy, que deseja retornar a Bang Kloy Bon e Jai Pandin
Bangkok Post, Last-ditch fight against forest tyranny, fevereiro de 2021
Globe, As Thai forest aims for UNESCO status, Karen community pushed to the margins