O WRM, em seu papel de acompanhar e apoiar as lutas populares e de base em defesa de territórios e florestas, vem ouvindo e aprendendo com os vários encontros, intercâmbios, diálogos e visitas com nossas aliadas e aliados em diferentes regiões do Sul e do Norte Globais. Nessa caminhada, também temos profunda admiração pelas inúmeras e diversas resistências que se levantam e se sustentam, mesmo com as mais inimagináveis dificuldades.
É apesar da violência exercida contra seus territórios e suas vidas, da imensa pressão e dos múltiplos planos para expandir ainda mais o modelo extrativista sob os slogans das “soluções verdes”, apesar do assédio e da violência sexual sofridos por muitas mulheres e meninas que vivem dentro e próximo de concessões extrativistas, principalmente plantações industriais de monoculturas, da contaminação de seus solos, alimentos e fontes de água, da intimidação e da criminalização, da marginalização e do racismo estrutural e tantas outras coisas. É apesar de tudo isso que as lutas continuam, e é apesar de tudo isso que se pode chamar a esperança pelo nome.
Convidamos vocês a ler uma reflexão muito importante da militante do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, Rosalva Gomes, que convive e depende da coleta do babaçu para sobreviver. Durante um encontro com líderes e representantes de comunidades afetadas por plantações industriais de árvores em Moçambique, Tanzânia e Brasil, Rosalva compartilhou as experiências e aprendizados delas sobre a resistência e seus desafios.
“Não existe receita pronta para resistir. Depende de cada território, do alcance de cada território, vai depender muito da fortaleza interna de cada território e da especificidade de cada país, estado e comunidade. Mas existe uma estratégia unificadora. Porque de uma coisa temos certeza: se não contribuirmos com fortalecimento, unindo forças, vamos sofrer impactos muito grandes, ainda maiores. Já estamos atravessando muitas dificuldades. A união de forças entre comunidades e organizações é um dos caminhos.”
Referindo-se à fábrica da Suzano Papel e Celulose, em Imperatriz, no Maranhão, que desde 2014 produz cerca de 1,65 milhão de toneladas de celulose e 60 mil toneladas de papel higiênico por ano, e que junto com as rodovias, o transporte constante de madeira e a afluência maciça de trabalhadores, causa muita devastação para as populações da região, ela nos conta:
“Na comunidade de Curvelândia, aqui perto de Imperatriz, formada por trabalhadoras e trabalhadores rurais, o conflito começou com os caminhões que transportavam toras de eucalipto. Antes, esses caminhões iam por uma estrada atrás da comunidade, mas agora eles queriam passar pela comunidade. No primeiro dia, a comunidade se organizou, se reuniu e fechou a estrada. A polícia chegou com ar de superioridade, querendo proteger a empresa. Mas a comunidade fechou a estrada. A empresa chegou, as negociações começaram e a comunidade exigiu uma reunião, porque não estava sendo ouvida. Depois de muita insistência, foi realizada uma reunião com a Suzano, onde se pediu que os caminhões não passassem mais por ali. Enquanto isso, as organizações de apoio estavam pensando em maneiras de se comunicar e alertar sobre esse caso. Porque o que essas empresas não gostam é a visibilidade dos seus crimes. Fizemos um vídeo contando a história, armamos uma denúncia, e agora estamos encaminhando ao conselho nacional de direitos humanos. O número de caminhões foi reduzido. Mas a empresa tentou intimidar, ficou observando, passando a mensagem de “estamos alertas”.
Como eles conseguiram isso? Todas as pessoas da comunidade participaram, havia homens, mulheres, idosos, jovens, todos da comunidade. Eles assinaram uma petição, registraram um protocolo no município. Eles não consultaram ninguém. É um processo lento. O levantamento tem que começar de dentro para fora. Não há força maior do que essa. As organizações de apoio ajudam muito, mas essa força a partir de dentro, essa dedicação, essa advertência constante, esse saber como avisar, deixar a mensagem, articular esta ou aquela pessoa para participar … Esse nosso caminho tem uma força muito maior, e fortalece as forças que nos ajudam.
Então, falamos de resistência, mas precisamos encontrar a forma de enfrentar isso, porque muitas vezes a gente só aguenta, né? Mas temos que enfrentar nossas situações, levar em conta nossos próprios contextos, nos impor de alguma forma.
A semeadura da luta e a articulação coletiva são duas estratégias, de acordo com as especificidades de cada região e país, que vemos que funcionam”.
Sejamos todas e todos parte da resistência coletiva de nossos próprios contextos e espaços de luta!