Árvores transgênicas: Ameaçando florestas nativas da Estados Unidos

 

 

Uma árvore transgênica (GM, ou geneticamente modificada) é aquela cujo DNA foi alterado pelo uso de técnicas de engenharia genética. Na maioria dos casos, o objetivo é introduzir na planta um novo atributo que não ocorre naturalmente na espécie, como a resistência a uma determinada praga ou a um herbicida. A comercialização de árvores transgênicas, como o eucalipto e o álamo, teria implicações ambientais e sociais grandes e irreversíveis, principalmente para as florestas e os povos no sudeste e no noroeste dos Estados Unidos. A pesquisa em biotecnologia com árvores tem recebido apoio do governo estadunidense e milhões de dólares em financiamento. Os canteiros experimentais com plantações de árvores transgênicas no país abrangem 19 estados e mais de 250 hectares de testes de campo (1).

O apoio às árvores transgênicas faz parte de uma estratégia ampla e multifacetada para utilizar a biomassa vegetal viva como substituto do carvão e do petróleo para energia, indústria e produção em geral. Esta estratégia costuma ser chamada de “bioeconomia”. A madeira, por exemplo, é usada na forma de cavacos e pellets para queima, no lugar do carvão, apesar de o CO2 e outras emissões poluentes provenientes da queima de madeira poderem ser maiores do que as da queima de carvão (2).

A madeira também é visada para ser refinada e produzir combustíveis líquidos para transporte, aviação e uso militar, bem como vários outros produtos químicos e compostos para a indústria (ver artigo “Árvores projetadas para se despedaçar? A utilização de celulose de madeira para combustíveis”, neste Boletim). Desde 2013, o “Padrão de Combustível Renovável dos EUA” (US Renewable Fuel Standard) determina que uma parte dos “biocombustíveis” misturados à gasolina inclua combustíveis “celulósicos avançados”, em grande parte derivados de “lixo” agrícola, como palha de milho, e da madeira. Contudo, isso tem se revelado difícil e, até agora, praticamente nenhum desses combustíveis está sendo produzido comercialmente. No entanto, os biotecnólogos estão trabalhando na engenharia de árvores que crescem muito rápido e podem ser mais facilmente “desconstruídas” em combustíveis, produtos químicos e mais. Empresas como a ArborGen, norte-americana que desenvolve produtos biotecnológicos a partir de mudas de árvores, procuram atender a essa insaciável demanda por madeira, afirmando oferecer “mais árvores em menos terra”. Elas estão buscando obter aprovação para comercializar um eucalipto GM tolerante ao frio, codificado como EH1, também conhecida como desregulamentação – pois não será mais regulado pelo USDA (Departamento de Agricultura dos EUA). Se aprovado –, a intenção é de cultivar grandes plantações dessas árvores em todo o sul dos Estados Unidos.

Enquanto isso, os álamos transgênicos são um foco de pesquisa no Noroeste Pacífico dos Estados Unidos, onde há um interesse específico em combustíveis de aviação. Tom Vilsack, secretário (ministro) do USDA, tem sido um ávido defensor de “biocombustíveis” e árvores transgênicas. Ele as vê como um meio para a produção de grandes quantidades de biomassa necessária para abastecer uma parte muito pequena da demanda global de energia.

Sob sua liderança, e em parceria com o Departamento de Energia, no mínimo 136 milhões de dólares foram concedidos para apoiar a pesquisa sobre “biocombustíveis” no Noroeste Pacífico. Entre os pesquisadores, estão empresas privadas e universidades, como a Universidade de Washington, a Universidade Estadual de Washington e a Universidade Estadual do Oregon, onde a pesquisa sobre o álamo GM está em andamento. Atualmente, existem cerca de 100 mil hectares de plantações de álamo híbrido de rápido crescimento cobrindo o Noroeste Pacífico, do sul do Oregon à Colúmbia Britânica, no Canadá. Os híbridos diferem das árvores transgênicas por serem cruzamentos de duas espécies diferentes de álamo. Quando uma árvore é hibridizada, é um ato que poderia acontecer na natureza, ao contrário do que ocorre quando ela é geneticamente modificada. Os defensores vislumbram um aumento de 400% nessas plantações na região para atender às demandas das indústrias de “biocombustíveis” e papel, com uma transição de árvores híbridas a transgênicas.

No entanto, o Eucalipto GM tolerante ao frio (EH1) e os álamos GM estão cheios de complicações. O EH1 é feito de dois híbridos: Eucalyptus grandis e Eucalyptus urophylla. Ambos são documentados como espécies invasoras na Flórida, onde atualmente existem plantações experimentais. O EH1 é conhecido pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos por absorver 20% a mais de água do que espécies de árvores nativas. Também é altamente inflamável, e tem o apelido de “kudzu (uma planta altamente invasiva) inflamável”. O EH1 está sendo modificado para ser tolerante ao frio, com a intenção de expandir sua resistência, aumentando os riscos de o eucalipto competir com florestas nativas. A ArborGen está trabalhando para introduzir a esterilidade em suas árvores, mas 100% de esterilidade são simplesmente impossíveis de garantir.

Os álamos estão sendo geneticamente modificados para se obterem resistência a doenças, tolerância a herbicidas, crescimento rápido, menos lignina e mais. A lignina é a parte da árvore que é fibrosa e ajuda a mantê-la forte. Ela também é a barreira que os cientistas têm que romper para transformar as árvores em “biocombustíveis” líquidos. Existem 30 espécies de álamo nativas do hemisfério norte, tornando os riscos de contaminação profundamente preocupantes, dado que essas árvores podem espalhar seu pólen por centenas de quilômetros. Fazer contenção não é viável e, quando há contaminação, são poucas as possibilidades de revertê-la. Como os álamos também podem brotar de tocos, e os testes com álamos GM vêm sendo feitos há mais de 13 anos nos Estados Unidos, a contaminação de árvores nativas já pode ter ocorrido no país.

Já foram autorizadas plantações experimentais do EH1 em sete estados do sul dos Estados Unidos e, atualmente, a solicitação da ArborGen para a desregulamentação está sendo avaliada pelo USDA – a mesma instituição que financia a pesquisa com árvores transgênicas e é sabidamente frouxa em sua regulamentação da biotecnologia. O Relatório de Impacto Ambiental, uma análise dos seus impactos cumulativos sobre a água, a saúde humana, a qualidade do ar e da terra, etc, deve ser divulgada em breve, mas a resistência a árvores transgênicas está crescendo à medida que as pessoas se tornam cada vez mais conscientes dos seus riscos. Antes de o USDA encerrar o período de discussão pública sobre o Estudo de Impacto Ambiental sobre as plantações experimentais com eucaliptos GM, mais de 40.000 pessoas enviaram comentários públicos se opondo aos testes. Em maio de 2013, o maior protesto contra as árvores transgênicas aconteceu quando centenas de manifestantes protestaram em frente à Conferência de Biotecnologia de Árvores, evento bianual organizado pela União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal. Em novembro de 2013, uma reunião de estratégia da oposição às árvores aconteceu nos Estados Unidos, reunindo muitos grupos que trabalham para divulgar os riscos das árvores transgênicas. Em 14 de maio de 2014, os manifestantes interromperam um evento corporativo patrocinado pela ArborGen. Agora, a campanha para acabar com as árvores transgênicas é uma coalizão internacional de grupos de todo o mundo pedindo sua proibição, e está crescendo em apoio público.

Nos Estados Unidos, a resistência às árvores transgênicas já enfrentou a repressão do Estado. Quando palestrantes das organizações Global Justice Ecology Project e Everglades Earth First! fizeram uma turnê de divulgação no sudeste dos Estados Unidos, em outubro de 2013, um dos eventos foi cancelado pela Universidade da Flórida quatro dias antes da data prevista. A Universidade está envolvida na pesquisa com árvores transgênicas e tem plantações experimentais de Pinus taeda geneticamente modificado. Após o cancelamento, a Universidade não fez qualquer tentativa de ajudar os palestrantes. Ao tentar falar com alguém no campus sobre esse cancelamento, eles foram banidos da universidade por três anos. Na sua próxima parada universitária na Flórida, o FBI entrou em contato com o reitor do campus e, embora as negociações tenham lhes permitido fazer a palestra, um guarda armado esperou do lado de fora até que o evento terminasse.

As plantações de árvores não são florestas, e as árvores transgênicas, que se destinam a ser cultivadas em plantações, não são árvores. O plano da indústria para um futuro de árvores transgênicas é mais um exemplo da desconexão distorcida da natureza que o capitalismo industrial facilita. Apresentadas como uma “solução para a mudança climática”, as árvores transgênicas ameaçam simplesmente agravar os impactos sobre as florestas e sobre as pessoas cujas vidas dependem de florestas saudáveis​​. Atores globais estão agindo rapidamente para liberar as árvores transgênicas, de forma que é imperativo que a resistência cresça para que salvemos o futuro das florestas, que é também o nosso futuro.
Ruddy Turnstone, ruddy@globaljusticeecology.org 

Global Justice Ecology Project, membro da campanha STOP GE trees

(1) APHIS Notification, Permit, and Petition Data. Biotechnology Regulatory Services, APHIS, USDA. Última atualização em  2 de setembro de 2014. Acessado em 3 de setembro de 2014.

(2) Partnership for Policy Integrity. Trees Trash and Toxics: How Biomass Energy Has Become the New Coal. Abril de 2014.

 

Leituras complementares

- Reuters. ArborGen Partners with University of Florida to Advance Pine-Based Biofuels as Part of a 6.3 Million Dollar DOE-ARPA-E grant. 4 de outubro de 2011.

- Centro de Segurança Alimentar. Genetically Engineered Trees: The New Frontier of Biotechnology. Novembro de 2013.

- Mitra, Maureen Nandini. Anti GE Tree Activists Kicked Off Florida University Campus, Spied on by FBI. Earth Island Journal. Dezembro de 2013.