O caso da Golden Veroleum, na Libéria
Em julho de 2015, representantes do Departamento Florestal da Libéria apresentaram um projeto de “Manual para a Colheita de Árvores nas Áreas do Contrato para Expansão da Agricultura de Plantações e Mineração”. O manual facilitaria a extração de madeira de dentro de áreas de concessão “agrícolas”, legalizando a chamada “madeira de conversão”. Essas concessões, por exemplo, no noroeste e no sudeste do país, ainda estão cobertas por vastas áreas florestais. Até agora, a conversão dessas áreas não foi possível, já que o marco jurídico em vigor exclui o corte de madeira nas atuais concessões agrícolas para exportação. No entanto, segundo o “Manual” proposto, seriam abertas possibilidades para muito mais destruição florestal. (1)
Uma das maiores detentoras de concessões “agrícolas” na Libéria é a empresa de dendê Golden Veroleum Liberia (GVL), com uma área de cerca de 220 mil hectares. A GVL é de propriedade da empresa de agronegócio Golden Agri Resources (GAR), que anunciou, em 2014, um compromisso com o “desmatamento zero”, incluindo todas as suas operações de dendê, também as de suas subsidiárias. Por que a proposta de revisão do manual para extração de madeira das concessões agrícolas e de mineração na Libéria, se aprovada, causaria desmatamento? E como ela realça as contradições por trás do compromisso de empresas como a GAR com o “desmatamento zero”?
A proposta permitiria que companhias como a GAR afirmassem internacionalmente não estar – neste caso específico, sua subsidiária GVL – se expandindo para áreas florestais, enquanto fazem exatamente isso na prática. De acordo com as alterações propostas, a GVL poderia alegar que outra empresa retirou a madeira de sua concessão, de forma que a área não é mais florestada, ao passo que, sem as alterações, apenas a GVL, como concessionária, tem permissão para retirar madeira. Assim, se a GVL se expandisse sobre a área florestal, não haveria a quem culpar, além da GVL, pela expansão – algo que a empresa se comprometeu em nível internacional que não mais faria.
Enquanto a GAR promove sua política de “conservação florestal” em nível internacional, as alterações propostas no manual para extração de madeira de concessões agrícolas implicam a abertura de áreas de concessão “agrícolas” à exploração industrial de madeira e, portanto, a mais desmatamento. Esta não é uma prática nova: de acordo com o think thank Chatham House, metade da madeira tropical vendida hoje em dia é madeira de conversão. (2)
Os casos da Wilmar e da APP, na Indonésia
Nos últimos meses, a Indonésia foi fortemente afetada, mais uma vez, por grandes incêndios florestais, um enorme problema ao qual dedicamos um artigo neste boletim. A maioria das empresas plantadoras que aderiram a um compromisso de “desmatamento zero” opera na Indonésia. Elas incluem a Wilmar, ativa na promoção de plantações de dendezeiros, e a APP, que promove plantações de madeira para produzir celulose.
De acordo com a ONG indonésia WALHI, os incêndios florestais recentes também estão acontecendo nas concessões ligadas à Wilmar e à APP. Uma das principais causas dos incêndios é a queima de florestas e terras (de turfa) por empresas – incluindo subsidiárias da Wilmar e da APP – para a expansão de plantações. Em Kalimantan Central, por exemplo, os incêndios florestais foram detectados nas áreas de plantio de 14 subsidiárias da Wilmar, enquanto em Riau, detectaram-se incêndios em áreas de seis subsidiárias da APP. (3) O impacto dos incêndios florestais sobre pessoas, territórios e o clima é agravado pela seca excepcionalmente longa que afeta a Indonésia.
O desmatamento zero só pode acontecer se as empresas deixarem de promover grandes plantações
Sabe-se que a agricultura industrial, incluindo as plantações de dendezeiros e monoculturas de árvores, é a mais importante causa direta de desmatamento no mundo. O que impressiona, então, é que empresas que promovem essas plantações e que se comprometem com o “desmatamento zero” não digam uma palavra sequer, nesses compromissos, sobre o que vai ser feito para realmente frear a expansão das plantações.
Para que o “desmatamento zero” fosse levado a sério, por exemplo, na Libéria, com a tendência a regras muito mais permissivas para exploração de madeira nas áreas de concessão agrícola, empresas como a GVL precisariam rejeitar essas tendências e não permitir qualquer corte industrial de madeira em suas áreas de concessão, pois isso causaria desmatamento em grande escala. Da mesma forma, o anúncio da Wilmar e da APP, de que interromperiam a expansão das plantações em suas atuais concessões, seria um passo necessário para reduzir incêndios florestais e, portanto, o desmatamento e seus enormes impactos na região.
Ao mesmo tempo, um grande desafio que permanece para as comunidades locais é como lidar com os milhões de hectares de plantações que já existem. É importante apoiar os esforços de organização e luta das comunidades para assumir o controle dessas terras, transformando o uso dos territórios ocupados por plantações industriais em outros usos, que permitam a essas comunidades e às futuras gerações conviver e se beneficiar deles.
Sobre este boletim
Mais uma vez, estamos diante de duas semanas de negociações da ONU sobre clima e florestas, na França. Essas negociações são controladas por corporações, e nossa resposta é mostrar, novamente, as falsas soluções que saem desse processo e as dificuldades que elas provocam concretamente, mas também a forma como as comunidades resistem a essas falsas soluções.
Assim como os compromissos de “desmatamento zero”, há muitas outras táticas que as empresas estão usando para fugir à responsabilidade pela destruição social e ambiental que causam. Um artigo sobre “compensações de biodiversidade” na Malásia mostra como se cria o mecanismo para “compensar” a destruição da biodiversidade que, na prática, fortalece os interesses das indústrias de dendê e extração de madeira no país. Outro artigo reflete sobre a decisão tomada por comunidades que dependem da floresta em uma área de conservação florestal na Amazônia brasileira de rejeitar uma proposta de ONGs para um projeto de REDD em seu território. Outro relata a luta e a organização muito interessantes de antigos trabalhadores das plantações madeireiras na África do Sul, demitidos no processo de mecanização e privatização de uma empresa sul-africana de plantações, com décadas de existência, e que agora lutam por dignidade. Seu objetivo é converter as plantações para extração de madeira que cercam suas aldeias em áreas onde eles possam produzir cultivos e começar a restaurar a terra como parte de sua luta pela soberania alimentar.
Outra afirmação persistente na lavagem verde da destruição é que as grandes hidrelétricas são “verdes” e produzem energia “sustentável”. Um artigo sobre a recente Cúpula Mundial Indígena sobre Meio Ambiente e Rios, que aconteceu em Sarawak, na Malásia, mostra uma imagem completamente diferente das grandes hidrelétricas. A reunião facilitou a troca de experiências e o fortalecimento da resistência entre as comunidades que lutam contra as megabarragens.