Em março de 2017, os povos de El Salvador conquistaram uma enorme vitória. Com a Lei de Proibição da Mineração de Metais, decretou-se a proibição absoluta da prospecção, da exploração e do processamento de minérios, tanto a céu aberto quanto subterrâneos, e o uso de substâncias tóxicas como cianeto e mercúrio. A lei é retroativa e, portanto, nega de forma absoluta as licenças que poderiam estar em tramitação. O risco de prejudicar rios e fontes de água tem sido uma das frentes de luta dos movimentos sociais contra a indústria extrativa.
A lei é o ponto culminante de mais de dez anos de luta por parte de organizações de base e líderes comunitários que se opuseram principalmente aos trabalhos realizados na mina El Dorado, no departamento central de Cabañas, pela empresa Pacific Rim – agora, a australiano-canadense OceanaGold. A oposição ao projeto El Dorado foi brutalmente reprimida, deixando um saldo trágico de mortos e feridos.
Embora a participação ativa das mulheres nos processos de resistência seja quase sempre invisibilizada, as mulheres que estão por trás da luta antimineração em El Salvador não só conseguiram continuar lutando, mas também têm assumido o papel de protagonistas.
Conversamos com Rhina Navarrete, coordenadora geral da ASIC (Associação Amigos de San Isidro Cabañas).
O que fez com que as populações resistissem com tanta força e por tanto tempo contra o projeto El Dorado?
Um dos principais motivos foi a defesa dos recursos hídricos, já que a maioria da população tinha muito claro que a cidade ficaria sem o líquido vital. Além disso, houve alguns eventos, como a morte de gado em áreas onde foram feitas as explorações, e alguns poços também secaram.
Como a resistência foi organizada? Qual foi a estratégia?
Foram várias etapas. Em primeiro lugar, coletar toda a informação possível sobre o projeto de mineração e conhecer em primeira mão os impactos que ele teria sobre a região e o país. Em seguida, fazer trabalho de campo para informar as comunidades sobre os efeitos negativos da mineração de metais. Foram realizados fóruns informativos com especialistas (Dr. Robert Moran e Dina Larios) sobre a questão da mineração e também com pessoas que já tinham experiência com os danos causados por ela, como no caso de Honduras (Dr. Almendares). Elaboramos material escrito, audiovisual e de rádio, em linguagem popular, para que fosse de fácil assimilação por toda a população. Também foram criadas alianças estratégicas com outras organizações em todo o país.
Como a empresa reagiu?
A empresa não ficou de braços cruzados. Eles também iniciaram uma campanha de propaganda nas comunidades, querendo fazer com que acreditassem que o cianeto não era fatal, mas a maioria das pessoas não acreditou. Além disso, usaram a estratégia que usam em todo o mundo: comprar autoridades, governos locais e líderes comunitários, fazer obras sociais, etc. Em algumas ocasiões, estavam presentes nos fóruns que promovíamos, questionando quem falava, mas não sabiam que essas pessoas eram peritos científicos no assunto.
Qual foi o papel das mulheres nessa luta? Como ele é diferente da participação dos homens?
Em primeiro lugar, a participação nos diferentes espaços informativos, na maioria, foi das mulheres. À medida que a população ia se informando e tomando consciência da magnitude do problema, as mulheres iam liderando o processo de luta (cerca de dez mulheres líderes). Elas faziam parte de uma estratégia para fazer denúncias e promover mobilizações.
Por que você acha que as mulheres assumem um papel de liderança nessas lutas?
Em primeiro lugar, porque somos a maioria da população. Além disso, nós sofremos o impacto dos desastres e de qualquer conflito, bem como danos econômicos, à saúde, entre outros. Uma mulher sabe o quanto a água e os alimentos são necessários em um lar, seja ela mãe solteira ou não. Eu não estou dizendo que o homem não saiba, e sim que ela é a provedora direta de bens para a sobrevivência, é a cuidadora da família, da casa, das hortas, e a criadora dos animais domésticos.
A mulher é mais sensível aos problemas que a humanidade enfrenta e é excelente cuidadora e administradora de todos os bens (por exemplo, da mãe natureza, a deusa do mar, etc.). Uma mulher é muito decidida em suas convicções e não é tão fácil comprar sua vontade quando ela sabe que a vida está em jogo.
Para ter participação ativa na resistência, as mulheres também tiveram que lutar dentro de suas próprias comunidades ou lares?
As mulheres conquistaram seu próprio espaço. Se em algum momento sua participação foi ofuscada por qualquer elemento masculino, foram casos especiais. Da mesma forma, eu acho que a sua maior luta se deu dentro de seus lares, uma vez que tinham que deixar sua família para se juntar à luta.
Você acha que a luta já está ganha ou é preciso estar vigilantes?
Uma lei que proíbe a mineração de metais em El Salvador não é garantia de nada, já que é uma lei secundária e a qualquer momento pode ser vetada ou modificada. Enquanto o país continuar aderindo a acordos de livre comércio, continuaremos expostos a qualquer ameaça – não só da indústria de mineração. Além disso, as legislaturas mudam a cada três anos e ninguém nos garante que a próxima não vá modificar as coisas. Pelo menos para o momento, podemos estar um pouco tranquilos/as com relação a esse assunto, embora o futuro dos salvadorenhos permaneça incerto. E mais agora, com a Lei de Parcerias Público-Privadas, que visa aumentar o investimento privado, principalmente o investimento estrangeiro direto, já que o presidente divulgou sua posição de cumpri-la.
Que mensagem você daria a outras mulheres e comunidades que estejam lutando contra empresas de mineração que tentam usurpar seus territórios?
Que nós somos a maioria. Nós somos o enxame de abelhas, de formigas, e temos a capacidade de mudar o curso da história se ficarmos unidas/os. Eu insisto, nós, mulheres, somos maioria. É nosso direito e nossa responsabilidade defender a vida e o território. Eu acredito que a humanidade deve ter muito claro que o inimigo é o mesmo em todo o mundo e se chama CAPITALISMO. Devemos retomar nosso papel no cuidado da criação ou evolução, dependendo da perspectiva ideológica de cada indivíduo. É um desafio entre a conservação ou a destruição do ser humano. Sabemos que as riquezas são privadas, mas as consequências afetam a todos/as. Os custos são pagos pelo povo: nos vendem o que roubam de nós e, ao longo da história, os mortos são os mesmos de sempre. O ouro não se come, não é um bem essencial para a humanidade. A água é um recurso finito. Mas acima de tudo, nós, mulheres, temos uma grande capacidade de amar, e amar com o coração, de modo que devemos fortalecer o amor ao próximo, à vida, à família, à humanidade, à natureza e à criação ou evolução. A chave para a vitória está no AMOR.