Em 2016, o grupo multinacional agroindustrial SOCFIN, controlado pela família belga Fabri (50,2% das ações) e pelo grupo francês Bolloré (39%), anunciou sua política de “gestão responsável”. (1) Essa política diz respeito a padrões ambientais rigorosos em termos de direitos humanos, transparência, Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO), boa administração, entre muitos outros. Mas essas palavras são vazias, pois não representam práticas transparentes, responsáveis e respeitosas em relação às comunidades que vivem em torno das áreas de plantação e que vivenciam diariamente o comportamento real da empresa.
Este artigo analisa o que está acontecendo concretamente em alguns dos países onde a SOCFIN promove suas plantações de seringueiras e dendezeiros, revelando a grande distância entre a chamada política de “gestão responsável” e a realidade de violência e destruição em torno dessas plantações, que, com a cumplicidade dos governos nacionais, tentam oprimir a resistência das pessoas.
Nigéria
A Okomu Oil Palm Company PLC é uma empresa nigeriana de plantações industriais de dendezeiros e seringueiras. A Okomu foi fundada em 1976 como empresa estatal, mas, em 1990, a SOCFIN adquiriu parte dela e atualmente possui 63% das ações. Em 1998, pelo menos quatro aldeias foram destruídas e as pessoas, despejadas à força de suas casas e propriedades e das terras cultivadas pela empresa. As quatro aldeias são Owieke, com 25 casas, Agbede, com 31, Lemon, com 15, e Ijawgbini, com sete casas. Uma investigação pública acusou os moradores de serem ocupantes ilegais, embora o mesmo relatório tenha reconhecido que eles já estavam nessas terras antes que a área fosse transformada em Reserva Florestal, em 1912. O decreto florestal de 1935 também afirmou a existência das aldeias antes daquele ano.
Em 2010, outra aldeia – Makilolo – ia ser despejada, mas as pessoas resistiram aos planos de despejo da Okomu. Em resposta, a aldeia foi bloqueada por forças de segurança que cortaram qualquer acesso ao mundo exterior, como forma de pressão. Inicialmente, a empresa tentou obter apoio das outras aldeias ao despejo de Makilolo por mais de três meses (de 17 de novembro de 2010 a 25 de fevereiro de 2011); depois, tentou forçar os líderes de Makilolo a assinar um acordo com a empresa afirmando que a aldeia ocupa ilegalmente a propriedade da empresa. No final, a empresa conseguiu obter um acordo assinado, mas apenas por um pequeno grupo de pessoas e não por membros da Comunidade de Makilolo.
O acordo afirma que “a Okomu Oil Palm Company é a proprietária legal de todas as terras atualmente usadas ou ocupadas por moradores de Makilolo (...) e todos os ocupantes da aldeia concordaram que não são os proprietários legais da terra e não têm título nem posse dela (...). Mesmo que a Okomu Oil Palm Company seja a proprietária legal e detenha todos os direitos e o título, segundo a legislação nigeriana, ela deve permitir que os moradores de Makilolo permaneçam e realizem suas tarefas diárias na terra aqui definida”. No entanto, a empresa deixou apenas 50 acres [cerca de 20 hectares] como uma “doação” para a comunidade e, além disso, impôs restrições ao uso, como o direito de plantar alimentos. Além disso, o rio da qual a aldeia dependia para seu abastecimento de água ficou contaminado com agrotóxicos devido à plantação de dendezeiros. (2)
Em 2015, em função do caráter duvidoso dos acordos de terra envolvendo a empresa, o governo do estado de Edo, comandado pelo então governador Adams Oshiomhole, ordenou a sua revogação. A decisão foi publicada no diário oficial do estado em 5 de novembro de 2015. A ordem de revogação incluía cerca de 13.750 hectares espalhados pelas reservas florestais de Okomu até a Reserva Florestal de Owan, abrangendo as áreas de governos locais de Ovia Nordeste, Uhunmwode e Owan.
Mas até agora, a Okomu desconsiderou a Ordem de Revogação do governo estadual de Edo, militarizou as áreas das comunidades e, sob proteção militar, começou a derrubar incessantemente a floresta para expandir suas plantações de dendezeiros. Como resultado, mais de 20 mil comunidades camponesas e dependentes da floresta foram deslocadas. A aldeia de Okomu, Agbede, o campo de Ik, Makilolo, Lemo, Oweike, Avbiosi, Sobe, Uhiere, Owan, Ugbebezi, Oke-Ora, Ekpan, Oke, Atorumu, Ogbetu, Umokpe, Orhua, Ozalla, Sabo, Odiguetue, Agudezi, Uhunmora, Uzeba e Odighi são algumas das comunidades diretamente afetadas. (3)
Em 21 de junho de 2017, apesar de várias tentativas de intimidação por parte de forças de segurança, as comunidades afetadas, os camponeses, as mulheres e grupos da sociedade civil, como ERA/Amigos da Terra – Nigéria, organizaram um grande protesto contra a cumplicidade do atual governador do estado de Edo, Obaseki, em relação às atividades da Okomu.
Serra Leoa
A SOCFIN chegou em Serra Leoa em 2011, prometendo empregos e bolsas de estudo aos habitantes da Chefatura de Malen, no distrito de Pujehun, na Província do Sul. Mas, em vez disso, impôs pagamentos a proprietários e tomou terras das quais o povo local dependia. Como compensação pelas plantações de dendê (dendezeiros e terras) que as comunidades perderam, a SOCFIN pagou 200 dólares por acre [cerca de meio hectare] por um período de 50 anos. A SOCFIN também paga um Arrendamento Anual de 5 dólares por acre, do qual 50% vai para os proprietários de terras e o resto é pago às autoridades locais e ao governo central. Essas quantias são absolutamente ridículas, considerando que as comunidades poderiam ganhar mais de 200 dólares por acre por ano trabalhando em suas terras. Os poucos membros da comunidade que conseguiram empregos na empresa recebem muito pouco.
A SOCFIN queria tirar as comunidades, mas as pessoas resistiram. Em 2011, foi criada a Organização de Proprietários e Usuários de Terras de Malen (MALOA, na sigla em inglês), depois de 40 proprietários serem presos pela polícia local durante um protesto contra as atividades da SOCFIN. Desde então, membros da MALOA vêm sofrendo intimidações constantes, inclusive com prisões. Há pelo menos cinco ações criminais contra líderes e membros da MALOA, incluindo seis líderes processados em 2013 e onze membros, em 2015. Em todos os casos, os membros da organização ficaram detidos durante vários dias, às vezes, semanas, sem julgamento. Em 4 de fevereiro de 2016, os seis líderes da MALOA foram condenados e receberam uma multa de cerca de 35 mil dólares. A multa draconiana foi paga por meio de uma campanha internacional de arrecadação.
Em 2015, a MALOA registrou cerca de duas mil pessoas da área como membros, mas o processo de registro foi interrompido quando sete desses membros, incluindo alguns encarregados do processo, foram presos em setembro daquele ano por “escrever nomes de pessoas” sem o conhecimento das autoridades locais. Em março de 2017, o Chefe de Gabinete da Presidência entrou em contato com a organização declarando ter ordens do Presidente para abrir um diálogo entre a SOCFIN e as comunidades, mas alguns dos mediadores e pessoas de contato que ele propôs já tinham feito críticas antes a MALOA e outras organizações que se opõem à empresa, o que era inaceitável para a MALOA. Desde então, o chefe de gabinete realizou duas reuniões com representantes da organização, mas parece não haver a vontade política necessária para avançar o diálogo, que ainda está para iniciar.
Mulheres que são membros da MALOA reclamam que as condições de trabalho nas plantações da SOCFIN são ruins, principalmente para elas. Uma trabalhadora, mãe de filhos, declarou que tem que sair de casa às 4:30 da manhã para ir ao trabalho, enquanto seus filhos ficam mal alimentados. Ela reclama que, antes da chegada da empresa, ela conseguia alimentar os filhos com a comida que produzia em seu campo, e com essa renda, conseguia pagar os estudos deles. Agora, o dinheiro que ganha trabalhando nas plantações da SOCFIN é muito pouco para pagar a escola. Além disso, sua própria ausência de casa e, portanto, a falta de atenção a seus filhos criaram outros problemas. As mulheres também sofrem com violência, abusos e prisões. Uma mulher grávida foi presa sob a alegação de ter “roubado” frutos de dendê da empresa.
Os membros da MALOA organizaram ocupações para que o contrato de concessão seja revisto e que haja uma investigação independente sobre suas reivindicações, bem como a implementação das recomendações contidas no relatório sobre a investigação sancionada pela EPA sobre a contaminação do rio Malen por produtos químicos usados pela SOCFIN. Eles também querem o retorno de algumas terras agrícolas e uma indenização adequada por suas terras e cultivos, pois isso significaria uma pequena melhoria em sua situação atual. No entanto, eles sabem que, sem suas terras, a situação nunca será a mesma e, portanto, continuarão a luta até recuperá-las.
Libéria
A SOCFIN vem operando na Libéria desde 1983. Através de suas duas subsidiárias Liberian Agricultural Company (LAC) e Salala Rubber Corporation (SRC), conseguiu ter acesso a quase 130 mil hectares através de concessões de terras, dos quais mais de 18 mil são para plantações de seringueiras (4).
A empresa levou as comunidades a uma situação de extrema pobreza. Em maio de 2006, a Missão das Nações Unidas na Libéria (UNMIL) publicou um relatório que descrevia a grave situação dos direitos humanos nas plantações: trabalhadores infantis menores de 14 anos, uso intenso de subcontratação, uso de produtos cancerígenos, destruição de sindicatos, demissões arbitrárias, manutenção da ordem através de milícias privadas e despejo de camponeses que obstruíam a expansão da área de plantação.
O testemunho da mulher de uma comunidade afetada por plantações de seringueiras da Salala mostra a situação horrível que eles enfrentam agora: “Eu cresci em uma cidade que nos foi dada por meus antepassados. Nós costumávamos ter liberdade de ir e vir em nossas comunidades. Tínhamos terra em abundância para atividades agrícolas, florestas para caçar e coletar plantas medicinais, e rios para pescar. Em um dia ensolarado em 2010, estávamos em nossa cidade quando vimos um grupo de homens com cutelos, machados e outras ferramentas de trabalho caminhando em direção à cidade. Quando chegaram, nós perguntamos por que eles estavam aqui. Eles responderam que a terra que estávamos ocupando havia sido comprada do governo muito tempo atrás, pela empresa de borracha Salala. Nós dissemos a eles que essa afirmação nos parecia estranha, pois tínhamos nascido, crescido e tido nossos filhos nessa terra. Como poderia ser da empresa? Eles então nos disseram que a terra da cidade seria limpa no dia seguinte porque a empresa estava pronta para iniciar suas operações.
Na noite seguinte à visita, eles vieram com a polícia e as máquinas amarelas enquanto dormíamos. As máquinas começaram a derrubar árvores (seringueiras, pés de café e cacau, bananeiras, laranjeiras, etc.) em torno da cidade, destruindo as nossas fontes de água. Foi o som das máquinas que despertou os moradores. Os moradores da cidade começaram a chorar e saíram sem nenhum dos seus pertences. Cada um seguiu seu caminho separado para encontrar um novo lugar para recomeçar a vida, de forma que a comunidade já não está reunida e nós não temos terra. Nós tínhamos crianças de apenas um mês de idade e tivemos que caminhar duas a três horas para chegar à cidade vizinha. Durante a nossa longa jornada, não tínhamos nada para comer nem água para beber. Nós passamos por muita dor com as pernas e os pés inchados! Chegamos à cidade vizinha sem a menor ideia de onde poderíamos dormir durante a noite. Dormimos no chão de uma velha cozinha abandonada por muitos meses. Outras cidades em torno das operações da empresa também tiveram experiências semelhantes ou ainda piores.
A SOCFIN destruiu todas as nossas fazendas, onde trabalhamos, a sepultura dos meus pais, nossas árvores frutíferas, nossos locais culturais e sagrados, nossas escolas tradicionais para meninas e meninos. A empresa também destruiu nosso local de cura para mordidas de cobras e danificou o local sagrado onde as mulheres davam à luz.
Nós já nos tornamos indigentes por causa do dano que eles causaram em nossas vidas. Atualmente, alugamos um pequeno pedaço de terra de proprietários de nossa nova cidade, que usamos para plantar cultivos para a sobrevivência. Os produtos químicos usados nas plantações de seringueira também contaminaram o rio usado pelos moradores da nova cidade. Nossa fonte de água é o pântano. Abrimos buracos de manhã e a água sai. A água do buraco do pântano não é limpa, mas temos que usá-la para beber e para outras atividades. Não queremos morrer por causa da água poluída pelos produtos químicos.
Nós, as mulheres, nossos filhos que tenham idade suficiente e os homens, não temos emprego. As crianças precisam ficar em casa e não estudam por causa da falta de escola na comunidade. Não há estruturas de saúde, por isso tivemos muitas mortes por doenças comuns, para não mencionar a morte de mulheres grávidas e seus bebês ainda nem nascidos. Tenho uma família de cinco pessoas, incluindo meu pai cego. Atualmente, faço serviços gerais, que incluem roçar, remover ervas daninhas, capinar, plantar arroz, etc. Eu trabalho de fazenda em fazenda executando qualquer trabalho e recebo um dólar pelo dia todo, que é usado para dar comida aos cinco membros da minha família. Não tenho mais nada a fazer que possa ajudar a melhorar meu padrão de vida”.
(A identidade dessa mulher é mantida anônima por motivos de segurança)
Camarões
Em 1968, o governo de Camarões criou a SOCAPALM, uma empresa nacional de óleo de dendê que foi privatizada em 2000 e vendida ao Grupo SOCFIN. Em 2005, o Estado garantiu 20 mil hectares de terras às comunidades, mas não informou àquelas afetadas sobre o acordo de compra da SOCFIN. Somente em 2008, os membros da comunidade descobriram que, apesar da privatização, os direitos das comunidades foram garantidos no contrato entre a SOCFIN e o estado de Camarões. No entanto, a empresa continua promovendo e expandindo as plantações de dendezeiros em terras que pertencem às comunidades, sem pagar arrendamento nem indenização.
Em 2010, moradores das comunidades que vivem dentro das áreas de plantação da SOCFIN formaram a “Associação Nacional de Populações Camponesas e Ribeirinhas” (SYNAPARCAM), uma organização que reúne membros de seis plantações diferentes e visa defender seus direitos. Mas o governo só os reconheceu em 2014.
A SYNAPARCAM, juntamente com organizações de outros países, como a MALOA em Serra Leoa e outras, criou uma aliança de pessoas afetadas pela SOCFIN. Em 2013, organizaram uma ação em quatro países para protestar contra a empresa e reivindicar seus direitos. Isso resultou em uma reunião na França, em outubro de 2014, com Vincent Bolloré, o proprietário francês da SOCFIN. Mas Bolloré não assumiu sua responsabilidade pelos problemas e violações que a SOCFIN está causando. Em vez disso, sugeriu que as pessoas deveriam resolver os problemas com as filiais nacionais de sua empresa em cada país, como a SOCAPALM em Camarões. Não surpreendentemente, porém, o diálogo não está avançando significativamente.
Várias ONGs apresentaram uma queixa contra a SOCFIN na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2010, acusando a empresa de afetar negativamente os meios tradicionais de subsistência das pessoas e dos trabalhadores das plantações. (5) Por exemplo, com base em uma análise de amostras, a denúncia alegava contaminação da água por agrotóxicos. A OCDE considerou as alegações admissíveis e elaborou um plano de ação. Mas a empresa não fez esforços reais para implementá-lo e, de acordo com a SYNAPARCAM, muitos problemas e impactos continuam.
Assim, a luta das comunidades cercadas por plantações da SOCAPALM segue, com protestos, bloqueio de estradas, disseminação de informações em níveis nacional e internacional, entre outras táticas. No curto prazo, a SYNAPARCAM exige o acesso das comunidades a um espaço vital de 250 hectares de terra em torno das comunidades.
Comentários finais
Embora a SOCFIN formule políticas e planos de responsabilidade, suas práticas concretas, algumas das quais descritas aqui, são completamente opostas. Um conjunto de histórias de destruição de terras comunitárias, meios de subsistência e culturas, e de violência grave em muitas áreas de plantações da empresa, compõe a crua realidade que as pessoas enfrentam diariamente. Essa parece ser a política que está prevalecendo. Isso evidencia, uma vez mais, como as políticas e os planos de “responsabilidade” são um discurso vazio. Também continuará sendo um discurso vazio enquanto a impunidade prevalecer.
Mas as comunidades não desistiram. Pelo contrário, continuam resistindo contra todas as injustiças, e cada vez mais o fazem de forma articulada. Elas merecem todo nosso apoio e nossa solidariedade radical!
Compartilhamos aqui um abaixo-assinado internacional permanente de apoio às comunidades que lutam contra a plantação da Okomu na Nigéria. Assine, aqui http://erafoen.org/index.php/2017/07/28/uphold-edo-state-government-revocation-order-on-okomu-oil-palm-company-plc/