Aviões voando com óleo de dendê? São as empresas de óleo de dendê que devem ganhar com os planos da OACI para os “combustíveis alternativos”

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De 11 a 13 de outubro, a Cidade do México sediará uma “Conferência de Alto Nível sobre Aviação e Combustíveis Alternativos”, convocada pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). A OACI é uma organização especializada da ONU, com um longo histórico de representação dos interesses da indústria de aviação, ou seja, de companhias aéreas e fabricantes de aeronaves.

Antes da conferência, a Secretaria da OACI publicou uma proposta de “Visão”, que prevê o uso futuro de enormes quantidades de agrocombustíveis em aviões: 128 milhões de toneladas por ano até 2040 e 285 milhões de toneladas até 2050 (1). Para se fazer uma comparação, cerca de 82 milhões de toneladas de agrocombustíveis foram usadas no mundo em 2016 (2).

Os volumes propostos pela Secretaria da OACI parecem totalmente fora da realidade: as companhias aéreas são altamente sensíveis ao custo do combustível e é muito raro que qualquer agrocombustível chegue a preços comparáveis aos dos combustíveis fósseis. Atualmente, os agrocombustíveis mais baratos para a aviação custam quase três vezes mais do que a querosene à base de petróleo (3) – o que é muito mais do que os agrocombustíveis usados em carros. A Secretaria da OACI está apoiando os pedidos de subsídios do setor, mas haverá um limite à quantidade de subsídios que os países estarão dispostos a pagar ou transferir aos passageiros. No entanto, como explicado abaixo, em breve podem surgir agrocombustíveis de aviação muito mais baratos no mercado, que sejam adequados para misturas de até 15%.

Contudo, se fossem adotadas, as propostas da OACI poderiam causar danos muito graves, tendo a indústria da aviação e as empresas de óleo de dendê como as únicas a se beneficiar:

1) Isso vai legitimar expansões aeroportuárias em todo o mundo, o que significará mais emissões de gases de efeito estufa e mais poluição atmosférica e sonora.

O interesse da indústria da aviação – e da OACI – nos biocombustíveis decorre da busca de um crescimento rápido e sem fim. As emissões de gases do efeito estufa provenientes da aviação internacional cresceram 87% entre 1990 e 2014, mais do que as de quase qualquer outro setor (4). A expectativa da indústria é de que o volume de viagens aéreas quase dobre até 2035 (5). As taxas de crescimento ultrapassam o potencial de melhorias na eficiência, e não há soluções tecnológicas no horizonte que possam permitir que os aviões voem sem queimar combustíveis líquidos. Para desviar as exigências de limites genuínos às emissões e, portanto, ao crescimento, a OACI aprovou o conceito proposto pela indústria, sobre um “crescimento neutro em carbono”, que depende principalmente de compensações de carbono na aviação – amplamente condenadas por mais de 100 grupos da sociedade civil no ano passado (6) – e dos agrocombustíveis, falsamente classificados como “neutros em carbono”.

2) Qualquer uso em grande escala dos agrocombustíveis na aviação terá que usar óleo de dendê.

Como mostrará um novo relatório da Biofuelwatch (7), o único tipo de agrocombustível adequado para aviões e que pode ser produzido em quantidades substanciais, sem problemas técnicos, é o dos fabricados a partir de Óleo Vegetal Hidrotratado (HVO, na sigla em inglês). Fala-se em combustíveis de aviação gerados a partir de açúcar, madeira ou algas, mas eles permanecem no domínio da ficção científica, mesmo que tenham sido produzidas pequenas quantidades a custos exorbitantes. O HVO depende de tecnologia e infraestrutura desenvolvidas para refinarias de petróleo. Em 2016, ele representou 4% da produção global de agrocombustíveis, mas cresceu mais de dez vezes acima da taxa dos agrocombustíveis em geral (8). Atualmente, os combustíveis do tipo HVO para aviões são muito mais caros do que o diesel HVO usado em carros. No entanto, as empresas esperam que seja aprovado em breve o diesel HVO mais barato para misturas de até 15% com combustível para aviões a jato à base de petróleo, o que significa que uma simples ampliação dos atuais subsídios aos agrocombustíveis de aviação poderia bastar para criar um novo mercado de proporções significativas. A matéria-prima representa 60-80% do custo dos combustíveis HVO, e o óleo de dendê é, de longe, o mais barato, além do óleo de cozinha usado e das gorduras animais, cuja oferta é escassa. Além disso, o processo de refino do óleo de dendê é mais barato do que os dos outros óleos vegetais.

Como escrevi no boletim de maio do WRM (9), a produção de HVO foi responsável pelo aumento acentuado do uso de óleo de dendê nos agrocombustíveis da União Europeia nos últimos anos, então, se as companhias aéreas começassem a usá-lo em grande escala, o uso do óleo de dendê também cresceria inevitavelmente.

Até agora, as companhias aéreas evitaram o uso de óleo de dendê, mesmo no número limitado de voos que já utilizaram misturas de agrocombustíveis, por receio de má publicidade. A OACI certamente não vai sair a público “apoiando” o óleo de dendê, mas é impossível conceber a ampliação dos biocombustíveis de aviação sem o seu uso.

A Neste Oil – maior produtora de HVO – está em busca de uma opção para colocar o óleo de dendê em motores de avião. Ela faz uma classificação discutível de uma fração do óleo de dendê bruto como sendo “resíduo” (10) e se recusa a divulgar o quanto de seus “78% de descarte e resíduo” consistem nesse óleo de dendê. Ao mesmo tempo, a Indonésia e a Malásia intensificaram a pressão sobre a UE para que não haja “discriminação” contra o óleo de dendê nos agrocombustíveis, usando e ameaçando recorrer a negociações e acordos comerciais para proteger seus mercados crescentes (11). Uma vez que exista um mercado para agrocombustíveis na aviação, podem-se esperar pressões e táticas desse tipo.

3) Mesmo que o novo mercado para agrocombustíveis de aviação permaneça pequeno, a simples divulgação disso poderia desencadear mais concentração de terras e investimento em óleo de dendê.

A divulgação enganosa de um mercado futuro pode ter impactos tão graves quanto a demanda real. Assim, a ActionAid descobriu que, em maio de 2013, investidores europeus adquiriram 6 milhões de hectares de terra na África subsaariana para a produção de agrocombustíveis para a União Europeia, mas a UE não importou quase nenhuma matéria-prima para agrocombustíveis da África. A concentração de terras em uma escala tão grande foi legitimada e incentivada por uma mera “promessa” de demanda futura.

Portanto, a oposição à promoção dos agrocombustíveis de aviação – tanto na OACI quanto em diferentes países e regiões – será fundamental para evitar o surgimento de mais um mercado para o óleo de dendê que alimente o crescimento das plantações. Ao mesmo tempo, é importante que a sociedade civil não faça inadvertidamente o jogo das empresas de plantações, exagerando a escala provável de um mercado futuro desse tipo e, assim, contribuindo para a propaganda enganosa a respeito disso.

Almuth Ernsting, almuthbernstinguk [at] yahoo.co.uk

Biofuelwatch, http://www.biofuelwatch.net/

(1) Proposed ICAO Vision on Aviation Alternative Fuels, 2017, https://www.icao.int/Meetings/CAAF2/Documents/CAAF.2.WP.013.4.en.pdf

(2) BP Statistical Review of World Energy, junho de 2017, com/content/dam/bp/en/corporate/pdf/energy-economics/statistical-review-2017/bp-statistical-review-of-world-energy-2017-renewable-energy.pdf

(3) Sub Group on Advanced Biofuels, European Commission, fevereiro de 2017, nl/wp-content/uploads/2017/07/2017_SGAB_Cost-of-Biofuels.pdf

(4) National greenhouse gas inventory data for the period 1990-2014, UNFCCC, http://unfccc.int/resource/docs/2016/sbi/eng/19.pdf

(5) IATA Forecasts passenger demand to double over 20 years, outubro de 2016, http://www.iata.org/pressroom/pr/Pages/2016-10-18-02.aspx

(6) International Civil Society Statement, setembro de 2016, org/sites/fern.org/files/Final_September.pdf

(7) O relatório da Biofuelwatch sobre agrocombustíveis de aviação estará disponível em org.uk/2017/aviation-biofuels a partir de 6 de outubro de 2017

(8) Renewables 2017, Global Status Report, http://www.ren21.net/wp-content/uploads/2017/06/17-8399_GSR_2017_Full_Report_0621_Opt.pdf

(9) Demanda fabricada: os fatores que impulsionam as políticas por trás do crescimento implacável do consumo de óleo de dendê, Boletim 230 do WRM, abril-maio de 2017, org.uy/articles-from-the-wrm-bulletin/section1/manufactured-demand-the-policy-drivers-behind-the-relentless-growth-of-palm-oil/

(10) O Destilado Ácido de Óleo de Dendê (PFAD) é a parte não comestível do óleo de dendê cru, que seria usado em sabões, cosméticos, etc.

(11) Palm oil for fighter jets, Euractiv, setembro de 2017, com/section/biofuels/news/palm-oil-for-fighter-jets-under-eu-attack-producers-seek-alternatives/