Um artigo recente, “Grilagem Terceirizada”, do jornalista brasileiro Theoney Araújo Guerra, publicado na íntegra no site do WRM (http://wrm.org.uy/es/otra-informacion-relevante/grilagem-terceirizada/), ajuda a desvendar a história que levou a uma grave violação do direito humano fundamental a ter acesso a terra. Seguem alguns dos principais elementos do artigo do Theoney, e informações de uma nova ação proposta pelo Ministério Público Federal do Espirito Santo contra a Fibria (ex-Aracruz) para anular títulos fraudulentos de terras griladas por essa empresa nos anos 1970.
O ataque e o despejo, em princípio realizados por um bando de foragidos e pistoleiros, continuou na década de 90 com a chegada da empresa Veracruz Florestal, iniciadora do negócio que hoje é a Veracel Celulose. Em agosto de 1994, os irmãos Geraldo e Dedé tiveram suas terras “confiscadas” à força. Aproveitando que eles haviam ido à cidade de Eunápolis e deixado dois trabalhadores cuidando de seus cultivos e animais, homens armados e encapuzados da Veracruz irromperam violentamente no local e os expulsaram. Ao regressar, os irmãos encontraram uma cena desoladora: casa e plantios semidestruídos, objetos esparramados e animais mortos.
Nos dias que se seguiram, os irmãos trataram, sem sucesso, de falar com os dirigentes da empresa. Mais tarde, tentaram regressar a suas terras, mas homens armados bloqueavam todos os acessos. Tentaram a via judicial, mas isso também não deu resultado.
Esta é apenas mais uma das centenas de histórias de invasão, destruição de bens e até de assassinato de camponeses sem titulação registradas que vêm sendo registradas há mais de 20 anos nas delegacias de polícia de várias cidades da região. Mesmo assim, nenhum desses crimes jamais se transformou sequer em processo judicial.
O fato é que não foram atos individuais, e sim uma ação organizada de grandes empresas que estiveram direta ou indiretamente envolvidas, como, inicialmente, Indústrias Cabrália S/A, Florestas Nipo-Brasileiras (Flonibra), que, durante muitos anos compraram terras com essa procedência, ou a Brasil Holanda de Indústria S/A (Bralanda), uma multinacional madeireira holandesa com um longo histórico de invasões de terras, atos de violência e assassinatos, a qual expulsou mais de uma centena de pequenos camponeses que ocupavam terras em Vale Verde, distrito de Porto Seguro.
A compra de terras mediante títulos fraudulentos (grilagem) foi incentivada ao se incluírem novas zonas do extremo sul baiano nos planos de expansão das empresas de celulose. Criaram-se dois pólos florestais, um no Extremo sul e outro no Litoral Norte, que contaram com o investimento inicial da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), associada à empresa Japan Brazil Pulp Resources Development Co. (JBP). As duas empresas criaram a Flonibra, que também adquiriu da Indústrias Cabrália milhares de hectares de terras griladas.
Durante todo o processo de invasão de terras, a Flonibra desmatou extensas superfícies para explorar madeira, que vendeu para o Japão e países de Europa.
O embate final, a partir da década de 80, foi feito pela empresa Bahia Sul Celulose, no município de Mucuri. No início da década seguinte, na microrregião de Eunápolis, o Grupo Odebrecht estabeleceu a Veracruz Florestal, embrião de Veracel Celulose.
Movimentos sociais, a ONG Cepedes – com sede em Eunápolis – e o próprio Ministério Público denunciaram essa empresa por haver ocupado ilegalmente milhares de hectares de terras públicas e ter adquirido propriedades com títulos fraudulentos.
Atualmente transformado em pólo industrial celulósico, o extremo sul baiano é um imenso eucaliptal A implantação desse projeto de “desenvolvimento” deixou um enorme passivo socioambiental, fazendo vítimas entre as centenas de famílias que hoje vivem na periferia das cidades da região, sem perspectivas de vida e sem a mínima chance de voltar às terras das quais foram expulsas.
Contudo, há uns dois anos, os irmãos Geraldo e Derolino voltaram a ocupar uma parte das terras nas quais viveram. Como resposta, a Veracel enviou dois funcionários para visitar o lugar, e eles reconheceram que a área não pertence à empresa.
“Aqui eu vivi parte da minha vida, e aqui eu vou ficar pelo resto dela”, disse Geraldo. Com seu irmão, ele construiu uma casa de barro entre os eucaliptos e instalou plantios que já deram as primeiras colheitas e lhe devolveram a felicidade de plantar e colher.
Essa boa notícia da recuperação das terras por parte dos dois irmãos camponeses vem acompanhada de outra: no último dia 20 de novembro, o Ministério Público Federal de São Mateus, Espírito Santo, iniciou uma ação na justiça contra a empresa Fibria S/A (antiga Aracruz Celulose), o estado do Espírito Santo e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A ação pede a anulação dos títulos de terras públicas concedidos pelo governo à Aracruz Celulose, por se tratar de processo fraudulento em que a Fibria (ex-Aracruz) usou seus próprios trabalhadores para assinar declarações em que eles se fizeram passar por agricultores para poder comprar e legalizar terras públicas – as quais eles passaram imediatamente às mãos da empresa.
Além de devolver a propriedade pública obtida mediante ocupação ilegal de terras, o Ministério Público quer que, uma vez demonstrada a posse tradicional dessas terras por comunidades quilombolas, seja feita a titulação em nome das comunidades de São Mateus e Conceição da Barra. Por outro lado, em função da privação do direito de ocupação dessas terras pelas comunidades quilombolas, o Ministério Público pede à Fibria uma reparação por danos coletivos no valor de um milhão de reais (equivalentes a cerca de 430.000 dólares).
A ação também busca que, por um prazo de 30 dias, seja suspenso qualquer tipo de financiamento do BNDES à Fibria com objetivo de estabelecer plantações de eucalipto e produção de celulose nas terras em questão
Baseado no artigo “Grilagem terceirizada”, do jornalista Teoney Araújo Guerra, disponível na íntegra no site do WRM no link: http://wrm.org.uy/es/otra-informacion-relevante/grilagem-terceirizada/; e na nota à imprensa da Procuradoria da República no Espírito Santo – “MPF/ES entra com ação contra antiga Aracruz Celulose por grilagem de terras públicas” – publicada em EcoDebate, http://www.ecodebate.com.br/2013/12/06/mpfes-entra-com-acao-contra-antiga-aracruz-celulose-por-grilagem-de-terras-publicas/