Foto: Lúcia Ortiz
Da forma como é usada no mundo empresarial, a “sustentabilidade” promete, entre outras coisas, que a atividade econômica não violará direitos das comunidades afetadas e que futuras gerações poderão desfrutar do meio natural onde a atividade é praticada. ONGs, empresas e governos que promovem o “Manejo Florestal Sustentável” (MFS) afirmam que isso é possível na floresta tropical, lançando mão da certificação pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal) como garantia.
Um estado pioneiro e referência para o MFS no mundo é o Acre, na região Amazônica do Brasil, inclusive para o “Manejo Florestal Sustentável Comunitário” (MFS Comunitário). Neste caso, a extração da madeira é praticada dentro de territórios de comunidades seringueiras. Para elas, o MFS tem sido apresentado com muitas promessas. As principais são que ele poderia aumentar muito a renda dessas pessoas e, ao mesmo tempo, conservar a floresta para as gerações futuras.
Numa visita a campo no Acre, ouvimos seringueiras e seringueiros que, através de suas associações, têm participado do MFS Comunitário, inclusive de áreas certificadas pelo FSC. Eles vivem nos Projetos de Assentamento Agroextrativista (PAEs) Porto Dias e Chico Mendes. O PAE Porto Dias foi a primeira experiência do MFS Comunitário no Acre.
Neste artigo, decidimos não revelar a identidade da maioria das pessoas que tomaram seu tempo para conversar conosco, buscando evitar que sofram constrangimentos em relação àquilo que denunciaram: que o MFS, mesmo quando é chamado de comunitário, não cumpre suas promessas e ameaça os direitos dos seringueiros a manter seu modo de vida e o controle sobre a floresta da qual dependem.
O Manejo Florestal Sustentável (MFS) no Acre
Um dos principais incentivadores do MFS na América Latina foi o Banco Mundial, o qual, junto com outros doadores, lançou o “Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais/PPG7” durante a Rio-92. Um dos objetivos era estimular a “produção sustentável” que pudesse, ao mesmo tempo, desenvolver e conservar a floresta: um “desenvolvimento verde”. (1)
No Banco Mundial e em órgãos da ONU como a FAO, predomina a visão que vê a floresta como “fonte de madeira”. Portanto, o MFS mais incentivado trata-se de uma extração de árvores para madeira, chamada de “seletiva”. Engenheiros florestais começaram a fazer inventários das espécies de árvores em áreas de floresta, o que serve de base para elaborar um plano de extração – “plano de manejo” – pelo qual, a cada ano, uma parcela da área é objeto de corte, fixando-se um limite ao volume de madeira a ser extraído e voltando à mesma área de corte após um ciclo que pode variar de 15 a 30 anos.
Segundo a Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO), as áreas de florestas tropicais no mundo que estão sob algum “plano de manejo” cresceram, chegando a 131 milhões de hectares em 2011. As áreas sob um plano de manejo considerado “sustentável” aumentaram, entre 2005 e 2011, de 36 para 53 milhões de hectares (2).
No Brasil, na gestão da ex-Ministra do Meio Ambiente Marina Silva (do Acre), criou-se em 2006 a Lei 11.284, de Florestas Públicas para poder conceder áreas de floresta do Estado à iniciativa privada, criando-se também o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) para coordenar o tema. As três concessões já ocorridas tratam de exploração de madeira “sustentável” por um período de 40 anos, favorecendo cinco empresas madeireiras. (3) O potencial de concessão à iniciativa privada é estimado em nada menos que 241 milhões de hectares. (4)
No Acre, a coalizão de partidos políticos que governa o estado desde 1999 aderiu desde seu início ao pensamento do MFS. O atual governador Tião Viana afirmou em 2012 que “as florestas acreanas são espaços de produção e de riqueza, com características extrativistas, amparadas pela introdução de ciência e tecnologia”. A partir disso, pode-se criar “uma economia dinâmica e sustentável para as gerações atuais e futuras”, bem como uma “inserção global, inteligente e humana no mundo”. (5)
Durante o “2° Encontro Internacional de Especialistas em Manejo Florestal Sustentável”, realizado no Acre em 2011 para celebrar o 25º Aniversário da ITTO, Eduardo Mansour, representante da organização, disse que “o Acre conseguiu imprimir um modelo de desenvolvimento sustentável que é um exemplo para todos porque seguiu padrões criteriosos de respeito a floresta, às populações tradicionais”.(6)
Impactos do MFS Comunitário sobre as comunidades
- Uma proposta que vem de cima para baixo
O FSC Brasil afirma que a busca de “alternativas de modelos sustentáveis de desenvolvimento” no Acre “está embasada nos ideais de defesa da floresta e desenvolvimento sustentável, iniciados e promovidos por Chico Mendes”, o principal líder no processo de organização e luta dos seringueiros no Acre e no Brasil.(7) A referência constante à figura do Chico Mendes prevalece nos discursos daqueles que comandam e se beneficiam hoje do MFS no Acre.
Mas companheiras/os que militavam ao lado de Chico Mendes afirmam que ele lutou para criar territórios, Reservas Extrativistas (RESEX), onde os seringueiros pudessem exercer suas atividades com autonomia e com controle do território e da floresta. O MFS não fazia parte dessa proposta, e tampouco o MFS Comunitário. O líder seringueiro Osmarino Amâncio observa que:
“Foram as décadas de 1980 e 1990, foram duas décadas de discussão. (..) e estava eu, Chico Mendes, Raimundão, Pedro Rocha, tinha um bocado de dirigentes da época, que nós sentamos para discutir os critérios da criação da Reserva Extrativista e a primeira proposta era garantir a sobrevivência dos povos da floresta porque a disputa na época era o território. Então a primeira proposta era uma proposta de reforma agrária sob o controle dos trabalhadores.”
O MSF Comunitário surgiu no Acre em meados dos anos 1990 com ajuda de técnicos da ONG CTA (Centro dos Trabalhadores da Amazônia), conforme conta um seringueiro antigo de Porto Dias. Ele diz que foi uma proposta que veio de cima para baixo, dando aos seringueiros duas opções: “ou fazer o manejo legal ou nossa floresta viraria fumaça”, em referência ao avanço da pecuária, o desmatamento e a exploração madeireira ilegal. Para convencer a comunidade, os técnicos do CTA prometeram que o MFS resultaria numa boa renda, enquanto a extração seletiva, de “baixo impacto”, conservaria a floresta.
O governo do estado foi outro ator fundamental, subsidiando o MFS Comunitário e a certificação FSC com recursos, inclusive internacionais. Em 2002, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), deu US$ 65 milhões para o Acre promover o “desenvolvimento sustentável”, tendo o Manejo Florestal e a Infraestrutura como “instrumentos” fundamentais (8). Alguns moradores denunciam que só entrando no MFS conseguiram ter acesso a uma estrada – chamada “ramal” na floresta – melhor, como se entrar no MFS fosse uma condição para obter este beneficio. Outro incentivo do governo foi dar licenças para o MFS, que capacitou também 850 agentes agroflorestais. Como denuncia um dos comunitários ouvidos, esses agentes são formados com o objetivo de “fazer a cabeça das comunidades para o MFS.”
A principal empresa certificadora do FSC no Acre, a Imaflora, também tem se esforçado para convencer comunidades a entrar no MSF Comunitário, afirmando que “tornar a certificação e seus benefícios acessíveis às comunidades e pequenos produtores, atraindo-os para um modelo de uso sustentável da floresta, é um trabalho conduzido como prioridade pela Imaflora desde o início da sua história”.(9)
- Os “engenheiros” e as empresas tomando conta da “colocação”
Quem vem falar do manejo sustentável e também da certificação florestal do FSC, segundo comenta um seringueiro, “não são pessoas da mata”, em referência aos engenheiros das firmas que fazem o inventário ou que conduzem a certificação, complementando que “quando engenheiros falam, fica todo mundo quieto”. Com eles , citando as palavras do governador do Acre, a “ciência e tecnologia” entrou nos territórios dos seringueiros.
Contrariando a proposta inicial idealizada por Chico Mendes, o MFS Comunitário representa uma forma pela qual outros assumem o controle sobre os seringais das famílias, algo que chega, por exemplo, no caso das famílias do PAE Chico Mendes, a 50% da sua “colocação” – o nome dado à área de coleta do látex de uma família seringueira. Trata-se, na sua essência, de uma violação dos direitos territoriais da comunidade, porque mulheres e homens seringueiros não podem mais usar livremente seu território. O MFS Comunitário, ainda mais quando é certificado, fortalece a voz do engenheiro que dirá o que será feito na área sob esse sistema, e não mais o seringueiro.
- Promessas de renda frustradas
As pessoas e as instituições que convenceram as comunidades a entrar na extração de madeira para fins industriais prometeram uma renda expressiva. Mas um casal de moradores do PAE Chico Mendes se sente frustrado, afirmando que ganhou pouco dinheiro: de cerca de 10 hectares dos quais a madeira está sendo extraída, eles receberão algo como 3.000 reais, mas se queixam de que este valor será pago apenas no final do ano e uma porcentagem ainda fica com a Cooperfloresta (veja quadro abaixo). Eles garantem que, com a coleta da castanha, por exemplo, conseguem uma renda melhor. A família conta ainda que, apesar de terem decidido sair do MFS Comunitário, isso não é tão simples; ela precisa continuar por mais um tempo para poder pagar as despesas com o trabalho técnico, a exemplo do inventário realizado por terceiros antes de o manejo começar. Dizem que isso faz parte do contrato que assinaram e pelo qual assumem essa dívida, com o detalhe de que não tem cópia desse contrato firmado com a Cooperfloresta.
A Cooperfloresta
A Cooperfloresta (Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários) é uma cooperativa fundada em 2005 e composta por famílias extrativistas, através de 6 associações, das quais 4 com áreas certificadas pelo FSC (6). A Cooperfloresta é responsável pela venda da madeira dos associados, buscando um preço melhor. O Governo do Acre tem subsidiado a Cooperfloresta junto com o governo federal, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. (10)
Segundo um dos moradores do PAE Porto Dias, a Cooperfloresta foi criada no prazo de um mês, sem muita discussão, e é “mais empresa que cooperativa”. Seu site mostra uma “parceria consolidada” com, por exemplo, a ITTO e a Triunfo Laminados, empresa madeireira denunciada por crimes ambientais, péssimas condições de trabalho e graves impactos sobre a comunidade seringueira São Bernardo. (11)
Segundo Dercy Teles Cunha Carvalho, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, a Cooperfloresta “não funciona dentro dos conceitos de cooperativismo”, e “(..) mesmo saindo do manejo, se retirando do processo, ainda tem que pagar os serviços que foram prestados para fazer o inventário. É que as pessoas são muito mal informadas e até um certo ponto, ingênuas, confiam na palavra.”
Mesmo chamado de “comunitário”, o MFS Comunitário trata-se de uma atividade com fins industriais, cada vez mais realizada por empresas e não por comunitários. Enquanto o seringueiro fica com algo que, pelos vários relatos, não ultrapassa os 60 reais por metro cúbico por família, uma madeireira em Xapuri conta que a venda da madeira serrada no porto de Santos, um dos principais do Brasil, é capaz de render até 2.500 dólares por metro cúbico.
Um morador de Porto Dias concorda com os “engenheiros” quando estes dizem que a madeira certificada pelo FSC resulta num valor extra, algo como R$ 240/m3 de madeira, comparado com R$ 120/m3 para um plano de manejo não certificado. Mas, ao mesmo tempo, ele denuncia que entrar na certificação aumenta os custos porque há despesas adicionais com consultorias e auditorias. Por isso, o ganho extra se reduz em função desses gastos adicionais, cobrados das famílias que participam do manejo. Outro morador de Porto Dias diz que a tentativa da associação, que tem o manejo certificado, de montar uma marcenaria para agregar valor à madeira certificada não deu certo. As camas que fizeram ficaram muito caras, comparadas com camas de madeira não certificada, e eles não conseguiram vendê-las no mercado local.
As dificuldades enfrentadas, mesmo com todos os subsídios do Estado, fortalecem a tendência da extração de madeira a ser cada vez mais feita por empresas. Um morador do PAE Porto Dias explica: “Você paga 1.000 reais para 2 motosserristas, mais 150 de gasolina, o caminhão cobra 100 reais. Além disso, muitas reuniões, você perde dia de serviço. No legal, você tira 700-800 reais de 12 metros cúbicos”. Outra tendência crescente em função dos problemas é a venda de “madeira em pé”. Mesmo rendendo menos por hectare, a seringueira/o, neste caso, não precisa fazer mais nada, só receber o valor combinado por hectare com a empresa madeireira.
- O modo de vida e o futuro da floresta dos seringueiros colocados em cheque
Uma família da PAE Chico Mendes decidiu se retirar do MFS Comunitário. Um dos principais motivos foi a devastação da mata que presenciou dentro do seu território que costuma usar para a coleta de produtos não madeireiros. Durante a nossa visita, eles mostram um grande pátio aberto no meio da floresta, dentro da sua “colocação” – vários novos caminhos no meio da floresta foram abertos para que o chamado “skidder”, uma espécie de pequeno trator usado para arrastar as toras, chegasse a esse pátio onde as toras ficam estocadas até o transporte com caminhão para a serraria. A família conta que todos esses caminhos abertos contribuem para entupir estradas de seringa que costumam usar, fazendo crescer plantas daninhas.
Um morador do PAE Porto Dias conta que há três anos abandonou o MFS comunitário. Ele diz que “despertou”, entendendo que mexer com madeira foi uma forma de tirar a tradição dos seringueiros: “Ele [o seringueiro] tira borracha, sabe vender, tira castanha, sabe vender. Madeira não é coisa para seringueiro, é para engenheiro”.
Dercy Teles conta sobre o MFS comunitário que:
“Participei da primeira discussão que fizeram de forma regional. Os seringueiros ficavam todos encolhidos, encostados na parede morrendo de medo dessa história. Era uma estratégia tão bem montada que, apesar de não ser fácil, eles conseguiram convencer as pessoas. (..) eles apresentaram o Plano de Manejo didaticamente, minuciosamente, com todos os detalhes, com essa história de que a atividade não é ameaçadora, pois onde tem três árvores da mesma espécie – mãe, filha e neta – você tira a mãe, depois a filha e depois a neta, e neste ciclo, outras vão crescendo. Isso não procede – quem conhece a floresta sabe disso. Eu, conversando com um seringueiro de uma dessas famílias que eu acompanhava dentro da reserva e a gente falando sobre o manejo, ele me disse: ’Dercy, moro aqui há 24 anos, quando cheguei aqui aquele pé de jatobá já produzia frutos. Vai lá e vê quantos pés de jatobá novo tem em torno dele: zero’. Então não procede essa questão. Até porque o inventário é feito, por exemplo, se aqui eles fizeram três talhões de 10 hectares, ele faz o inventário de 1 hectare. A gente sabe que a floresta é assim, pode ser que aqui tenha duas ou três árvores da mesma espécie e no resto, nenhuma. Então, se tira aqui, compromete a espécie.”
Um morador de Porto Dias faz um alerta quanto ao risco de a quantidade extraída de madeira ser maior, aumentando ainda mais o impacto sobre a floresta; ele justifica esse risco dizendo: “Todo mundo sabe que madeira dá dinheiro”. Além disso, a tendência a vender a madeira “em pé” é outra que pode resultar em mais destruição. E ainda existe o risco de mais destruição pela falta de cuidado nos trabalhos de extração e transporte por trabalhadores terceirizados, às vezes pouco preparados e com frequência atuando em condições precárias, o que é confirmado em diversos relatórios de auditoria do FSC no estado. A presença de empresas e trabalhadores de fora nas comunidades também causa outros impactos.
Impactos da entrada de empresas madeireiras na vida das meninas e das mulheres
Outro aspecto preocupante é que quando comunidades entram no MFS Comunitário, também entram no seu território empresas, trabalhadores de fora, gerando impactos, sobretudo sobre as meninas e mulheres. As empresas entram não só para fazer trabalhos de inventário e de corte, mas também acabam interferindo na vida da comunidade. Segundo conta Dercy Teles:
“Sabemos que quem faz a exploração da madeira são as empresas contratadas para este fim. O seringueiro em si é apenas o guia. Quem faz o inventário da área são pessoas externas. Além dos danos colocados, ainda alteram a situação familiar porque, na maioria dos casos, arranjam casa para as mulheres da região e acabam com os casamentos. Tem casos de prostituição. Na comunidade Simintuba, a empresa que foi fazer o inventário alterou toda a vida da comunidade. O índice de prostituição aumentou – as meninas adolescentes se prostituíram a partir da chegada dessa empresa, o que levou em separação de um casal.”
Outro morador de Porto Dias afirma que seria melhor “largar a mata, a questão da madeira”, mas reclama que há pouco incentivo do governo para isso e, em geral, pouco apoio para propostas das comunidades. Dercy Teles afirma: “A RESEX [Reserva Extrativista], este instrumento foi pensado para garantir o meio de vida do seringueiro, para garantir que pudesse ter a floresta e que o extrativista vivesse dela, e nela, de maneira legal, com direitos de uso do território concedido a ele e sua família. A questão é que o RESEX virou outra coisa pela falta de políticas públicas que favoreçam o extrativismo de base comunitária. (..) Com os pecuaristas avançando na reserva, os comunitários acabam cedendo à criação de gado, porque o boi é a única coisa que gera renda, dinheiro rápido para eles atender a nova demanda de consumo, com a chegada da rede de energia.”(12) Mas Dercy também disse: “Não sou obrigada a derrubar a floresta da minha colocação para criar gado e posso conciliar isso com outra atividade. Como eu concilio. Crio gado. Não sou pecuarista.” Vários comunitários confirmam que a falta de renda que vem da venda de madeira faz com que a pecuária – atividade que a extração de madeira pretendia parar – avança.
Considerações finais
Ricardo da Silveira Carvalho, em sua dissertação de mestrado sobre o manejo madeireiro em comunidades no Sudoeste da Amazônia, com um olhar para além da engenharia florestal (2009), resume que “o maior cuidado técnico-científico na exploração de madeira [com o MFS Comunitário], além de não garantir a conservação da estrutura da floresta (...), não se reverteu em ganho financeiro para essas comunidades (...). Comunidades que, aliás (...), nunca tinham sequer pensado esse tipo de exploração em suas florestas, tendo sido abordadas numa ação de convencimento, de difusão do manejo madeireiro” e que “a política de difusão do manejo madeireiro em comunidades no Acre não cumpriu nenhuma das suas promessas originais”.
Mas a prioridade do governo do Acre continua sendo o MFS, incentivando cada vez mais uma atividade da qual tiram proveito sobretudo empresas que fazem parte da cadeia de comercialização das madeiras tropicais no Acre, no Brasil e no mundo. No Acre, em 2010, mais de 960 mil hectares já tinham planos de manejo sustentáveis licitados pelo IMAC (Instituto do Meio Ambiente do Acre) em áreas públicas, privadas e comunitárias, das quais 30,3 mil hectares foram explorados em 2010. Isso resultou numa quantidade de madeira extraída de 756 mil m3 em tora, a maior parte extraída por empresas e grandes proprietários. Isso representa um volume 79% maior do que em 2009 e 150% maior em relação à quantidade de madeira em tora extraída anualmente na década anterior, (13) mostrando que a extração de madeira no Acre está em plena expansão.
Em consonância com o aumento do volume de madeira “certificada”, o governo do Acre destaca seus investimentos para a “inserção global, inteligente e humana no mundo” citando mais uma vez o governador do estado. Num dos seus materiais de propaganda, o governo do estado afirma que a construção da rodovia BR-317 abrirá “importantes oportunidades para o escoamento da produção do Norte e do Centro-Sul do Brasil para os portos do Pacífico” e que a continuação desta rodovia para o estado do Amazonas “possibilitará o transporte das mercadorias acreanas até o Porto de Manaus e daí para os mercados da Venezuela e do Atlântico Norte”, visando a exportação. (14) Vemos então que, em vez da redução do consumo de madeira tropical, necessária por ser ele uma das principais causas diretas de desmatamento, criou-se um novo mercado de madeira “sustentável”. Ironicamente, é no Acre que falta madeira.
A falta de madeira no Acre
O aumento do volume de madeira “sustentável” para o mercado internacional contrasta fortemente com a falta de acesso à madeira para as pequenas serrarias e moveleiras na capital do Acre, Rio Branco. Essas empresas conseguiram em algum momento um acordo com intermediação do governo do Acre para que as grandes madeireiras lhes fornecessem madeira por um preço combinado, mas contam que isso não funcionou porque só recebiam toras pequenas e não as boas, grandes, que não ficam no Acre. Significa que o tipo de exploração “sustentável” que é feito acaba prejudicando o mercado local e favorecendo outro mercado, fora do Acre e do Brasil. Serrarias que se atrevam a comprar madeira de áreas sem a devida licença correm o risco de ser multadas pelos órgãos do Estado que não admitem a comercialização de madeira que não seja oriunda de áreas de MFS.
Sendo assim, a extração da madeira tropical “sustentável” e “certificada” hoje em dia é feita para que alguns poucos, nos centros urbanos do Brasil e em outros países, principalmente os mais industrializados dos países do Norte, tenham acesso a produtos exclusivos feitos com essa madeira nobre, à custa da grande maioria do povo das áreas de extração e seu entorno.
Encerramos, reafirmando que é preciso respeitar, valorizar e incentivar o modo de vida das comunidades seringueiras; elas têm uma vasta experiência em práticas que dominam, as quais não acabam com a floresta e nas quais que gastam relativamente pouco como a coleta de látex, castanha e açaí. Como afirma Dercy Teles: “Em primeiro lugar, acreditamos que, se é para garantir a preservação da natureza, tinha que valorizar os produtos que são secularmente provados que são sustentáveis, como é o extrativismo. (..) Seringueiro é o extrator. Extrai látex. Para a gente, o significado disso é de bem-estar, porque você tem uma vida extremamente sossegada, em harmonia com a natureza. É muito bom viver na floresta.” Ou citando o próprio Chico Mendes:
“Aprendemos com os índios e com a floresta uma maneira de criarmos os nossos filhos. Atendemos a todas as nossas necessidades básicas e já criamos uma cultura própria, que nos aproxima muito mais da tradição indígena do que da tradição dos ´civilizados´. (..) juntos (índios, seringueiros, ribeirinhos, etc.), nós podemos proteger a natureza (..).”(15)
Winnie Overbeek, winnie@wrm.org.uy, WRM,
(1) http://www.mma.gov.br/port/sca/ppg7/capa/.
(2) Em Paula, Elder Andrade de (2012), “A dupla face da destruição das florestas tropicais” (http://www.wrm.org.uy/oldsite/paises/Brasil/A_dupla_face_da_destruicao_das_florestas_tropicais.pdf).
(3) www.florestal.gov.br.
(4) br.fsc.org; “FSC certification Project for community management and concessions´ stakeholders”.
(5) Acre+20 – Uma Terra de Sonhos, um Mundo de Oportunidades, 2012 – revista .
(6) Op. cit Nota (2).
(7) http://br.fsc.org/newsroom.261.4.htm.
(8) Carvalho, Ricardo da Silveira: “Desenvolvimento, sustentabilidade e manejo madeireiro em comunidades no sudoeste da Amazônia: um olhar para além da engenharia florestal”. Dissertação de mestrado, universidade de Lavras, 2009.
(9) http://intranet.gvces.com.br/cms/arquivos/caminhos_para_a_mudanca.pdf.
(10) http://cooperfloresta.com/home/index.php?option=com_content&view=article&id=63&Itemid=57.
(11) http://www.wrm.org.uy/oldsite/boletim/172/opiniao.html#7%20e.
(12) Revista Contracorrente, entrevista com Dercy Teles Cunha Carvalho, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Acre, “O extrativismo morreu”, 2013 (http://issuu.com/guilhermeresende/docs/contracorrente5).
(13) Op. cit Nota 2
(14) Op. cit Nota 5
(15) Op. cit Nota 8