Uma mulher da aldeia de Mbonjo 1, em Camarões, fortemente afetada pelas plantações industriais de dendê e pela constante presença de militares, conclama à solidariedade internacional e lança um grito de alerta para salvaguardar seu direito à vida e à liberdade.
A SOCAPALM, empresa que faz parte do grupo multinacional de alimentos SOCFIN (1), contrata seguranças desde que estabeleceu suas plantações de dendê (oil palm) na região de Dibombari, no sudoeste de Camarões, para evitar que os habitantes locais levem frutos. No início, quem estava encarregado de patrulhar as plantações eram empresas de segurança, mas, cada vez com mais frequência, os moradores vivenciam a chegada de militares cujas intervenções são semelhantes às observadas em zonas de guerra.
Como testemunho disso, uma mulher vizinha das plantações descreve a forma com que as mulheres vivem essa situação, sob o olhar cúmplice dos chefes de aldeia e diante de militares que acreditam que tudo é permitido.
As moradoras se tornam prisioneiras em suas aldeias
“Quando você quer fechar sua casa, encontra homens armados. É para procurar o quê?”
“Você encontra homens armados em todos os lugares.”
“Batem nas pessoas em todos os lugares, surras, esse tipo de coisa.”
Esse é o dia a dia da aldeia de Mbonjo 1, descrito e denunciado pelas mulheres vizinhas das plantações de dendê da SOCAPALM na região de Dibombari, litoral de Camarões. Essa realidade levou um grupo de 20 mulheres a sair em 29 de janeiro de 2018 para expressar ao chefe da aldeia que estavam cansadas da presença de guardas armados e militares em sua aldeia, bem como nas plantações que a cercam.
“Não só a SOCAPALM tomou nossas terras, mas também sofremos com a onipresença de militares armados.”
A partir de 8 de dezembro de 2017, os militares tomaram posição na aldeia. Nós, mulheres de Mbonjo 1, não nos opomos à presença de militares para cuidar dos campos da SOCAPALM, mas não os queremos atrás das nossas casas, dentro das nossas cozinhas. As forças da ordem batem em mulheres e jovens, fazem ameaças por causa dos frutos de dendê e, como se não bastasse, passam o tempo atrás das cozinhas das mulheres. Em Mbonjo 1 já não há privacidade por causa dos militares que, em vez de cuidar dos frutos nas plantações da SOCAPALM, passam seu tempo na aldeia, exercendo sua influência sobre mulheres e jovens. Além disso, esses militares não apresentam nenhum documento que os autorize a revistar casas, quebrar portas ou bater nos moradores. Sua presença começa a criar tensões dentro da aldeia, porque os militares abusam de seu poder.
“Quando estamos dormindo, à noite, os militares estão em nossas casas. Tem dendezeiros nas nossas casas? Os dendezeiros estão na floresta, e não dentro das casas. É por isso que fomos lá, mas o chefe nos expulsou. Ele não nos recebeu bem. Os militares estão em todos os lugares, em todos os lugares. O que nós, de Mbonjo 1, fizemos? Você tenta fechar sua casa e os militares estão lá, armados. O que eles querem?
No momento, as mulheres de Mbonjo 1 só têm perguntas sem resposta diante da presença dos militares. Elas estão desamparadas, sem soluções nem informações sobre o que acontece com elas.
As intervenções desses militares geralmente ocorrem sem qualquer autorização formal que lhes permita se infiltrar em nosso ambiente vital e sem qualquer justificativa. Nós ainda queremos e aspiramos a um ambiente e condições de vida menos estressantes. Para nós, mulheres, a desgraça é ter nascido em Mbonjo 1, embora não tenhamos escolhido e nem contribuído para isso. Isso nos chega como uma maldição. Mas acreditamos que podemos mudar essa situação e estamos determinadas a fazê-lo. Foi o que nos levou a ver o chefe da aldeia.
Militares que acreditam que tudo é permitido
Basicamente, a grande maioria das mulheres tem medo dos militares. Sabemos que será difícil vencermos nossa luta diante desses homens fardados. Eles também sabem que, se cometerem qualquer ato de violência contra nós e nossos filhos e filhas, ou contra nossos maridos, nada lhes acontecerá. Eles nem sequer se preocuparão. Eles serão transferidos o mais rápido possível e continuarão em seus negócios porque têm o apoio total da empresa.
As mulheres reconhecem o poder da empresa porque, até agora, as decisões judiciais a favor de mulheres abusadas não chegaram a ser executadas. O exemplo mais conhecido é o de uma mulher que perdeu seu bebê após um aborto porque os guardas da SOCAPALM tinham batido nela. Isso aconteceu há seis anos. O tribunal Mbanga decidiu em favor da mulher, mas a SOCAPALM recorreu da decisão e o processo continua em um tribunal de Douala, a capital econômica de Camarões. A próxima audiência acontecerá em 23 de março de 2018.
As cabeças passivas das pessoas
“Nós não viemos para a guerra, nós viemos para a paz, e no final há uma guerra entre o chefe e nós, as mulheres de Mbonjo 1.”
”Queremos a ajuda do nosso pai e é por isso que viemos vê-lo; queremos paz. Mas ele nos expulsou.”
Esse comportamento surpreende as moradoras locais. Elas tentaram obter respostas para suas perguntas com o chefe da aldeia. Mas, infelizmente, ele não as recebeu. Sendo assim, como e com quem conseguirão entender o que acontece com elas? É mais uma decepção que essas mulheres enfrentam.
Esperávamos que o chefe ouvisse as mulheres e as defendesse. Embora tenha a missão de proteger suas populações, ele, pelo contrário, não nos recebe sequer para nos ouvir. Como é possível que um chefe veja 20 mulheres na frente de sua porta e não tente entender os motivos dessa presença?
Cada vez mais chefes de aldeias estão se beneficiando da generosidade da SOCAPALM. Por sua vez, esses chefes chegam a agir em prejuízo de suas populações. Sua atitude faz crer que os chefes estão com os outros. Eles estão em cumplicidade com a empresa e deixam seu povo morrer. Além disso, esse egocentrismo cria uma lacuna maior entre as populações locais e a empresa, porque quem deve agir como intermediário não recebe nem transmite as queixas de suas populações para que se encontrem soluções válidas para ambas as partes e se alcance a Paz e o Desenvolvimento sustentável.
Essa ação expressa o quão profundo é o mal-estar que a SOCAPALM gera e mantém nas populações locais. As mulheres se tornaram prisioneiras em sua aldeia, onde vivem constantemente assustadas.
Arrancaram as nossas terras, que agora exploram. Que a SOCAPALM nos deixe em paz em nossas casas! Estamos cansadas de sofrer esses abusos de parte das forças da ordem, nós e nossas famílias. Nós nos sentimos abandonadas à nossa própria sorte. Lutamos o melhor que podemos para tornar o nosso entorno habitável. Chamamos a mobilizar a solidariedade para além das fronteiras do nosso povo. É um grito de alarme que lançamos para salvaguardar nosso direito à vida, nossa liberdade. Embora nos vejamos forçadas a passar fome e condenadas à pobreza, não aceitamos mais que nos tirem nossa liberdade. É tudo o que nos resta.
Marie Noël ETONDE
Presidente das mulheres de SYNAPARCAM
** Leia mais sobre os impactos da Socapalm na aldeia de Mbonjo: “A apropriação de terras na aldeia de Mbonjo, em Camarões, desaloja a população e não respeita os cemitérios ancestrais”, artigo de Jaff Bamenjo, coordenador da RELUFA, Joining Hands Cameroun (em inglês): https://www.presbyterianmission.org/together-justice/2017/12/06/palm-plantation-invades-ancestral-lands/
(1) Em 1968, o Governo de Camarões criou a Socapalm, empresa nacional de óleo de dendê que foi privatizada em 2000 e vendida ao Grupo Socfin, uma multinacional agroalimentar de propriedade da família belga Fabri (50,2% das ações) e controlada Grupo francês Bolloré (39%). Para saber mais sobre os impactos das plantações da Socfin na África, veja: https://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao1/as-plantacoes-da-socfin-na-africa-no-minimo-irresponsaveis-mas-sobretudo-violentas-e-destrutivas/