A violência, os massacres e os deslocamentos forçados no contexto do conflito armado na Colômbia têm contribuído para o avanço das plantações industriais de dendê. No município de Mapiripán, a Poligrow cumpre um papel inegável na apropriação de terras e na intimidação. Ainda assim, ela planeja se expandir.
A monocultura do dendê, junto com a indústria do petróleo e outras atividades extrativistas, continua seu avanço sobre os territórios de indígenas e pequenos agricultores do Altiplano, na sub-região da Orinoquía colombiana, historicamente marcada pela violência e pela expulsão da população. Essas explorações em grande escala deixam um rastro de impactos nas comunidades: apropriação de terras, poluição, escassez de água, bem como restrições ao movimento e ao uso tradicional de florestas e savanas.
Apesar de essas injustiças terem sido denunciadas repetidamente pelas comunidades, o governo colombiano continua promovendo a indústria do dendê em conluio com empresas, a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e agências internacionais de cooperação.
Um exemplo disso é o anúncio, em agosto de 2020, de um projeto de promoção de supostas alianças estratégicas entre a multinacional ítalo-espanhola Poligrow e camponeses ou “pequenos produtores” do município de Mapiripán, no departamento de Meta. (1) A empresa começou a operar na Colômbia em 2008 e acumula graves denúncias de apropriação de terras, (2) envolvimento com grupos paramilitares e expropriação forçada, e poluição. (3)
Agricultores de Mapiripán com os quais o WRM conversou disseram ter se recusado a trabalhar com a Poligrow. Eles preferem reservar sua identidade por medo de represálias.
Por sua vez, as comunidades indígenas Jiw e Sikuani, que se encontram em grave situação de vulnerabilidade por já terem sido expulsas do vizinho departamento de Guaviare pelo conflito armado, sofrem com a escassez e a poluição da água causadas pelo cultivo do dendê e o beneficiamento do óleo. Além disso, a empresa lhes impõe proibições à circulação e ao uso do território. (4)
O cultivo industrial do dendê em Mapiripán começou com a chegada da Poligrow, há mais de uma década. Até agora, a empresa ocupou cerca de 7 mil hectares de monocultura e planeja aumentá-los para 15 mil. Em 2014, construiu uma unidade de extração de óleo com capacidade para processar 15 toneladas de cachos de dendê in natura por hora, e planeja expandi-la com o aumento das áreas cultivadas.
Denunciada por organizações da sociedade civil e até do Estado por se apropriar de mais terras do que a lei permite, (5) há pelo menos sete anos a Poligrow vem tentando aumentar suas áreas de plantio por meio de contratos com camponeses e “pequenos produtores” para cultivar dendezeiros nas terras deles. (6)
Nesse contexto, em 14 de agosto de 2020, foi apresentado “Mapiripán, um território de paz com desenvolvimento sustentável”, um projeto do governo colombiano e da FAO, financiado pela Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento, que contribuirá com 2,4 milhões euros (aproximadamente 2,8 milhões de dólares). Os objetivos do projeto incluem “melhorar a qualidade de vida e a segurança alimentar dos moradores de Mapiripán”. (7)
Porém, é difícil imaginar como isso poderia significar uma melhoria para a população, uma vez que a única produção que aparece repetidamente no vídeo de apresentação é a monocultura de dendê da Poligrow. (8) Tanto em Mapiripán quanto em outros municípios da região, há muitas evidências dos impactos negativos das plantações industriais de dendê na vida das comunidades locais.
Embora os detalhes da iniciativa não sejam conhecidos, o representante da Poligrow, Carlo Vigna, anunciou: “Durante toda a vida útil do projeto, ou seja, 30 anos, garantiremos a compra do produto e a assistência técnica a todos os pequenos produtores envolvidos no projeto de dendê”. (9)
Esses tipos de contratos com “pequenos produtores” não são novos na indústria do dendê, e os resultados para os produtores, tanto nos países da América Latina (10) quanto na África e na Ásia, têm sido bastante desfavoráveis e, em alguns casos, até mesmo destrutivos.
Entre muitos outros fatores, isso se deve à perda da soberania alimentar pelos agricultores quando sua capacidade de produzir cultivos para consumo próprio é afetada, ao seu endividamento com as empresas para fornecimento de insumos e à perda do poder de decidir a quem vender sua produção. Em última análise, eles perdem a autonomia e podem até perder as terras, porque muitas vezes são as famílias de agricultores que assumem os riscos em caso de problemas de produção, incêndio ou peste, ou se não conseguirem pagar as dívidas contraídas com a empresa.
Além disso, essa tática de expansão das empresas de cultivo de dendê afeta principalmente as mulheres, que precisam aumentar sua jornada de trabalho ao perder os cultivos de subsistência, enfrentar a contaminação do solo e da água e, portanto, fazer mais trabalho de cuidado na família e na comunidade.
O dendê no Altiplano colombiano
A Colômbia é o quarto maior produtor de óleo de dendê de mundo e o primeiro da América Latina. Há mais de 50 anos, sucessivos governos vêm promovendo ativamente a monocultura por meio de políticas de violência e expropriação. O óleo é destinado tanto ao mercado interno quanto à exportação, à indústria de alimentos e cosméticos e, mais recentemente, à produção de biocombustíveis.
O cultivo e o beneficiamento são realizados em diferentes regiões do país. No centro e no norte, ele acontece em pelo menos seis departamentos. No sudoeste, em parte de Cauca e Nariño. E a leste, na região da Orinoquía, nos departamentos de Arauca, Casanare, Cundinamarca e na sub-região do Altiplano, que inclui os departamentos de Meta e Vichada.
Desde 2002, o governo colombiano promoveu a transformação do Altiplano em um “grande celeiro agrícola”, ou seja, uma região produtora de matérias-primas ou commodities para exportação.
Segundo um relatório realizado por uma dezena de organizações sociais, jurídicas e de direitos humanos que denunciam os graves impactos do “plano de desenvolvimento” para a Orinoquía, “empresários nacionais e estrangeiros se vincularam a essa ideia de desenvolvimento e buscaram assemelhá-la ao Cerrado brasileiro, onde prevalecem as grandes plantações altamente mecanizadas, integradas verticalmente, e com um funcionamento de enclave agrícola”. (11) “A estratégia ignora os habitantes dessa região, visto que a ênfase nos projetos extrativistas e na produção de matérias-primas está voltada a atender à demanda internacional, e não exatamente a melhorar as necessidades dos habitantes dessa região”, destaca o relatório. De acordo com o mesmo relatório, quase 45% da população não têm suas necessidades básicas atendidas e, em Vichada, esse número chega a quase 67%.
Esse novo avanço sobre o território e sua população se soma à história de extrema violência que a região vem sofrendo. Em 1997, Mapiripán foi palco de um dos piores massacres da Colômbia, com 49 pessoas assassinadas por paramilitares. O desprezo pela memória e a falta de uma verdadeira intenção de reparar essas comunidades por parte do poder político e econômico ficaram claros na apresentação do projeto feita pelo governo, a FAO e a Poligrow. “Todos os colombianos têm uma sensibilidade especial com relação a Mapiripán, lembrando o sofrimento que essa comunidade sentiu no passado. Queremos deixar isso para trás, queremos uma nova geração, queremos que as crianças que estão nascendo agora pensem que isso é uma história de terror que nunca aconteceu”, disse Emilio Archila, assessor presidencial para Estabilização e Consolidação.
Expropriação de terras
A violências, os massacres e os deslocamentos forçados ocorridos nas últimas décadas durante o conflito armado na Colômbia têm sido úteis para o avanço dos projetos extrativistas, entre eles, as plantações industriais de dendê.
Durante o conflito, milhares de líderes políticos foram assassinados e desapareceram, e incontáveis massacres foram levados a cabo. Organizações colombianas alertam para o fato de que esses massacres foram cometidos pelos paramilitares em cumplicidade com as Forças Armadas, gerando expulsão, desapropriação e esvaziamento territorial, já que um dos objetivos da estratégia paramilitar era garantir o controle dos territórios para dar lugar aos projetos empresariais. (12)
Nesses processos, a responsabilidade de empresas como a Poligrow é inegável. Um relatório elaborado pelo Coletivo de Advogados “José Alvear Restrepo” e apresentado à Comissão da Verdade da Colômbia em maio de 2020, diz: “O padrão de comportamento ilegal por parte de empresas que se apropriam de terras abandonadas por seus donos após ameaças, assassinatos, massacres e recorrentes violações dos direitos humanos, como as situações dos envolvidos nos conflitos armado em diversos regiões da Colômbia, é corroborado quando a justiça mostra que empresas como Cementos Argos S.A., Sociedad Agropecuaria Carmen de Bolívar, San Simón S.A., Poligrow e um grupo de mineradoras, entre outras, se beneficiaram do deslocamento e da expropriação de comunidades camponesas (...) para se apropriar diretamente ou se recusar a investigar os contextos das regiões onde atuam”. (13)
No caso específico do dendê, um estudo recente (14) publicado na revista Journal of Rural Studies explica que: “Durante a guerra civil na Colômbia, ocorreu expropriação em grande escala, quando milhões de camponeses foram deslocados de suas terras ou forçados a vendê-las abaixo de seu valor real. Os participantes das reformas agrárias anteriores supostamente estavam protegidos da concentração de terras, de modo que as empresas de plantação de dendezeiros que buscavam se expandir não poderiam obter o controle direto da terra, mas sim de sua produção, por meio de ‘alianças’ ou relações de ‘fornecedor aliado’ com grupos de pequenos proprietários cujas colheitas eram processadas nas moageiras das empresas. No entanto, permanecem dúvidas quanto à legitimidade dos atuais membros da aliança como participantes da reforma agrária e quanto ao nível de proteção que os pequenos produtores legítimos realmente receberam. Nas partes mais remotas do Altiplano, cuja maioria estava livre dessas alianças, a coerção foi suficiente para que os poderosos se apropriassem da terra e, às vezes, plantassem dendê, como no caso da Plantation Poligrow”.
Ao mesmo tempo, deve-se destacar que, em muitos casos, a apropriação de terras não teria sido possível sem a participação e a colaboração de funcionários públicos que se prestam a realizar vários tipos de operações para “legalizar” a desapropriação.
Nesse contexto, é extremamente preocupante a situação de vulnerabilidade e perigo que as milhares de pessoas expulsas enfrentam ao tentar regressar aos seus territórios. A título de exemplo, organizações locais apontam que, desde 2011, foram protocoladas pelo menos cinco mil solicitações de vítimas do conflito visando a recuperação de suas terras, só no departamento de Meta. E que em Mapiripán, um de seus municípios, a maioria não conseguiu retornar. “O Poder Público informa que não há condições de segurança para o retorno, mas sim para a restituição”, alertam. “O resultado dessa equação é uma estratégia de formalização e segurança jurídica da propriedade fundiária em favor dos investidores privados”. (15)
Segundo a organização colombiana Justiça e Paz, “ainda há estruturas paramilitares no município [de Mapiripán], e por causa delas, o silêncio, o medo e a injustiça estão latentes em seus habitantes. O controle paramilitar e o abandono por parte do Estado permitiram que a Poligrow desenvolvesse o projeto de dendê na região, apropriando-se de terras não cultivadas e, em alguns casos, de territórios obtidos sob ameaça”.
Comunidades afetadas
O Altiplano colombiano é uma região de planícies (também conhecidas como Planícies Orientais), com savanas, matas de galeria e buritizais. Estas últimas são zonas húmidas formadas por grupos de buritis, onde se originam pequenos cursos d’água que deságuam nos rios e são as principais fontes de água para as comunidades.
A monocultura industrial do dendê é o segundo cultivo que mais consome água no país, além de ser pulverizado com agrotóxicos, que, junto com outros resíduos da atividade, são despejados no solo e nos cursos d’água, contaminando-os. (16)
Os indígenas Jiw enfrentam problemas de saúde devido ao consumo de água contaminada do córrego Yamu, cuja nascente se encontra em uma das propriedades da empresa. Isto foi afirmado pela Comissão Intereclesial de Justiça e Paz, que acompanha as reivindicações desses povos. (17) Além disso, eles denunciam a Poligrow por restringir sua circulação em seu próprio território e proibir a caça, a pesca, a coleta e o uso da madeira.
Essas situações não são novas. Em junho de 2016, a autoridade ambiental colombiana, Comarcarena (Empresa para o Desenvolvimento sustentável da Área de Gestão Especial da Macarena), ordenou que a Poligrow suspendesse suas operações em função de violações ambientais e deu início a um processo de sanção. Especificamente, ordenou-lhe que interrompesse o descarte de águas residuais industriais nas florestas e nos buritizais locais, o bloqueio do fluxo natural de água por um dique de cimento construído sem autorização, o descarte de ráquis (resíduos) das plantações de dendê diretamente no solo, o uso de água do córrego Macondo para fins industriais e o descarte de resíduos da área de compostagem da empresa. (18)
A estas alturas, é inaceitável que tanto o governo colombiano quanto a FAO promovam a expansão da monocultura de dendê, principalmente a Poligrow, considerando o histórico de contaminação e violação de direitos que a empresa acumula. Ainda mais preocupante é quando essa promoção é realizada em nome da paz e do suposto progresso das comunidades, e sob esquemas que se apresentam como “alianças” com agricultores e “pequenos produtores”, os quais, como a experiência demonstra, acabam favorecendo apenas as empresas.
Não surpreende que a Poligrow exiba as certificações ISO 9001 e Rainforest Alliance em seu site e seja aceita como membro da Mesa Redonda do Dendê Sustentável (RSPO), da qual espera receber a certificação em 2020. (19)
A Poligrow é apresentada como a primeira empresa a ter o certificado de conformidade Rainforest Alliance da Rede de Agricultura Sustentável (RA/RAS) na Colômbia. Isso apesar de as comunidades que ainda se encontram no território terem denunciado a intensificação das ameaças nos últimos anos, bem como a deterioração e a contaminação do seu território, particularmente as nascentes.
Mais uma vez, fica claro como a RSPO e outras certificadoras, bem como governos nacionais e instituições como a FAO, ignoram sistematicamente as reivindicações e as reais necessidades das comunidades locais, inclusive em contextos de violência, criminalização e vulnerabilidade extremas. E fazem isso em favor da expansão da indústria do dendê, que monopoliza a terra, viola direitos e vidas, e afeta gravemente a soberania alimentar dos povos.
Secretariado Internacional do WRM
(1) FAO Colombia: Agencia Italiana de Cooperación dona 8.846 millones para reactivar la economía y fortalecer tejido social en el municipio PDET de Mapiripán, Meta.
(2) Veja: Nueve malas prácticas empresariales que profundizaron la guerra, El Espectador, maio de 2020, e El rol de las empresas en el conflicto armado y la violencia sociopolítica, Colectivo de Abogados “José Alvear Restrepo”, 2020; La maraña de tierras y empresas de Poligrow e El negocio ‘baldío’ de Poligrow, La Silla Vacía 2013 y 2015; Despojar y Desplazar, estrategia para el desarrollo de la Orinoquía, Mesa Copartes Misereor – Llanos Orientales 2017, p. 41. E a resposta da Poligrow, 2018.
(3) Continúa grave afectación ambiental por parte de la empresa palmera Poligrow. Justicia y Paz, fevereiro de 2018.
(4) Deterioro de salud en la comunidad Jiw de Mapiripán por desabastecimiento de agua potable, Justicia y Paz, 2020. Indígenas Sikuani se oponen a ocupamiento de predios por empresa Poligrow, Contagio Radio, 2018
(5) Idem 2.
(6) Proyecto agronómico de Poligrow. Extraído de www.poligrow.com, 14 de agosto de 2020
(7) Agencia Italiana de Cooperación para el Desarrollo. “Estrategia de desarrollo territorial sostenible para la reactivación económica y la integración social en el municipio de Mapiripán”
(8) Video de la presentación realizada el 14 de agosto de 2020 a través de la página de Facebook de Renovación Territorial Colombia.
(9) Idem 8.
(10) Glass, Verena. “Expansão do dendê na Amazônia brasileira: elementos para uma análisedos impactos sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará”. Repórter Brasil, 2013.
(11) Despojar y Desplazar, estrategia para el desarrollo de la Orinoquía, Mesa Copartes Misereor – Llanos Orientales, 2017.
(12) Idem 11.
(13) El rol de las empresas en el conflicto armado y la violencia sociopolítica, Colectivo de Abogados “José Alvear Restrepo”, 2020
(14) Potter, Lesley. Colombia’s oil palm development in times of war and ‘peace’: Myths, enablers and the disparate realities of land control. Journal of Rural Studies. Volume 78, agosto de 2020, p. 491-502.
(15) Idem 11.
(16) Colombia: escasez de agua por palma y petróleo en Puerto Gaitán, Mongabay, outubro de 2019.
(17) Deterioro de salud en la comunidad Jiw de Mapiripán por desabastecimiento de agua potable, Justicia y Paz, 2020
(18) Environmental Investigation Agency. Poligrow Colombia Ltda., Ordered to Suspend Operations due to Presumed Environmental Infractions. 2016.
(19) Poligrow en el sitio web de RSPO ; https://www.rspo.org/members/308/Poligrow-Colombia-Ltda