Concessões para exploração de madeira: base de uma indústria ou controle político?

“Nas duas últimas décadas, enormes extensões de florestas tropicais virgens passaram a ser exploradas em todas as três regiões subdesenvolvidas. Com algumas honrosas exceções, essa exploração tem sido marcada pela imprudência, o desperdício, até mesmo a devastação. Quase todas as operações tomaram a forma de enclaves, ou seja, não tiveram impacto profundo ou duradouro na vida social e econômica dos países onde aconteceram ... As necessidades locais não estão sendo atendidas, as oportunidades de emprego são insignificantes. Uma parte importante das exportações, seja na forma de toras ou de madeira processada primária, é exportada dentro da mesma empresa, e os valores obtidos são fixados de tal forma para facilitar a acumulação de lucros fora do país ... A contribuição da exploração de florestas para melhorar a vida das pessoas comuns tem sido insignificante até agora”.

Jack Westoby, The Purpose of Forests, 1987, p. 264-5.

Quando Jack Westoby escreveu isso, não foi apenas um profundo desprezo à ortodoxia predominante, que vê a exploração florestal como ferramenta para o “desenvolvimento” dos países pobres, mas também uma admissão honesta do fracasso das políticas que ele mesmo promovera como Diretor de Recursos Florestais da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Isso porque, a partir do final da década de 1950, Westoby tinha estado na linha de frente dos esforços internacionais para usar a indústria madeireira para dar um pontapé inicial nas economias dos países em desenvolvimento, quase que exclusivamente por meio da concessão de grandes extensões de terras às madeireiras comerciais, esperando que isso fosse seguido pelo crescimento das bases industriais próximas.Mas a concessão em grande escala é muito anterior ao período ao qual Westoby se refere. O conceito significa “um território dentro de um país que é administrado por uma entidade que não seja o Estado e que detém a soberania sobre ele” – muitas vezes, principalmente para a produção ou a extração de uma mercadoria específica. Isso é anterior à era colonial, e está enraizado na expansão imperial europeia no Novo Mundo, na África e em partes do sul e do sudeste da Ásia, embora, talvez, tenha encontrado sua expressão mais forte no século XIX. O termo deriva da mesma raiz latina de “conceder”, e é um arranjo que geralmente resulta da rendição, por parte de um estado mais fraco, a um poder mais forte.Possivelmente, o primeiro exemplo de concessão feita especificamente para a exploração madeireira foi a aquisição de direitos, pela Companhia das Índias Orientais, da coroa britânica, sobre as florestas de teca da região de Malabar, no sudoeste da Índia, no início da década de 1800, com a finalidade principal de fornecer madeira aos construtores navais que trabalhavam para a Marinha Britânica. Naquela época, porém, grandes áreas de floresta tropical já tinham sido cortadas mediante concessões agrícolas no novo mundo (especialmente para o cultivo de açúcar).

Como Westoby bem compreendeu, a silvicultura é uma atividade política, e nada mais político do que impor controle administrativo privatizado sobre grandes extensões de terras em países mais fracos para fins de extração de recursos. Mas, quando ele entrou para a FAO, a tecnologia também tinha começado a mudar significativamente a forma como a extração de madeira era feita nos trópicos e em outros lugares. O desenvolvimento, após a Segunda Guerra Mundial, de tratores e retroescavadeiras a diesel, de alta potência e com esteiras, e grandes serras elétricas portáteis, fez que as operações de corte de madeira pudessem penetrar em áreas de floresta tropical onde antes era impossível operar. Árvores muito maiores podiam ser derrubadas e manipuladas. Um consumo e uma riqueza cada vez maiores na Europa, na América do Norte e no Japão, e o desenvolvimento de grandes indústrias integradas de produtos de madeira naquelas regiões, fizeram com que as madeiras tropicais deixassem de ser usadas majoritariamente na marcenaria artesanal de alta qualidade e passassem a ser evocadas por sua consistência e estabilidade, ideais para o processamento em massa das linhas de produção. Relacionada a uma antiga tradição europeia de manejo “sustentável” de florestas naturais para a produção de madeira, surgiu a noção de que as florestas de algumas áreas tropicais pobres, a maioria das quais ainda estavam sob o domínio colonial, poderiam se tornar fornecedoras de matéria-prima para indústrias de madeira no longo prazo.

De uma ideia essencialmente pré-colonial para conquista territorial e pacificação, a “concessão” se transformara em uma parte central da estratégia rumo ao que se acreditava ser uma economia florestal global emergente. No entanto, a incorporação do sistema de concessões como base para essa nova “indústria” geradora de riqueza se baseava em um pressuposto enorme, não testado e, como se vê, falacioso: o de que as condições que permitiram que florestas da zona temperada fossem (falando muito amplamente) manejadas e sustentadas para a produção de madeira durante longos períodos de tempo poderiam ser traduzidas no atacado para os trópicos. Ao fazê-lo, os engenheiros florestais tinham subestimado os desafios ecológicos e silvícolas das florestas tropicais, e não previram as consequências de grandes expansões de populações de países em desenvolvimento relacionado aos direitos de posse universalmente inseguros de pequenos agricultores. Mais importante (e talvez, mais compreensivelmente), eles não conseguiram entender as realidades da dinâmica política de “descolonização”, em rápida mutação, na qual estavam operando. Falando dos quadros de engenheiros florestais que surgiu para administrar os recursos florestais dos países recém-independentes, que foram sendo cada vez mais divididos em concessões, Westoby escreveu em seu trabalho final que “embora os serviços florestais tenham sido aumentados, sua principal tarefa era facilitar a operações dos madeireiros, nativos ou estrangeiros. Não foi culpa de jovens engenheiros florestais que muitos deles tenha se tornado auxiliares involuntários no esgotamento imprudente do seu patrimônio de recursos naturais”. (1) Em suma, as novas administrações florestais se tornaram servas das concessionárias, e muitas delas continuam sendo.

A concessão para exploração madeireira em grande escala, embora nunca tenha conseguido ser a base para a produção sustentável de madeira e crescimento econômico, era, por si só, uma mercadoria altamente valiosa nas lutas internas pelo poder e disputas de elite que passaram a dominar a política de muitos países pós-coloniais, principalmente na África. Em um ensaio de 2007, eu e Arnaud Labrousse, um pesquisador francês, especialista e autor que escreve sobre a exploração madeireira em países da África francófona, tentamos listar os efeitos reais das concessões madeireiras sobre a economia política da África Central. (2) Era uma longa lista, que incluía enriquecer a família presidencial e seu clã ampliado, recompensar comparsas políticos e empresariais por serviços prestados, financiar campanhas “eleitorais”, incentivar a lealdade entre policiais e oficiais militares de alta e média patente, aplacar ou cooptar potenciais rivais ou adversários políticos, complementar a renda legal de altos membros do governo, muitas vezes incluindo o Ministro das Florestas e sua equipe principal, facilitar o comércio e o abastecimento de carne de animais selvagens, legitimar “investimentos no setor florestal” por parte de agências doadoras internacionais, como o Banco Mundial, camuflar a extração não autorizada e ilegal de outros recursos preciosos, como diamantes e ouro, desenvolvimento de infraestrutura e serviços em áreas favorecidas, como a região de moradia do presidente ou de um ministro, repovoar regiões rebeldes ou instáveis ​​com famílias pró-regime, sedentarizar povos nômades, “reembolsar” aliados regionais por ajuda militar, proporcionar um meio para desviar a ajuda externa, criar um pretexto para iniciativas internacionais de conservação cujos fundos também possam ser desviados, lavar dinheiro do crime internacional e comprar armamentos.

Todos os itens acima poderiam ser ilustrados com exemplos de apenas uns poucos países da Bacia do Congo. Outras razões para a existência de concessões madeireiras poderiam ser acrescentadas, sem dúvida, a partir de outras regiões, como sua alocação em áreas em que empresas estrangeiras ou agências internacionais, como o Banco Mundial, tenham um interesse particular, e proporcionar um veículo a agências doadoras para que continuem financiando um modelo de desenvolvimento baseado em concessões de grande escala para cultivos ou recursos a ser exportados.

Isso ajuda a explicar por que esforços como o desenvolvimento de conceitos como “rendimento sustentado”, “manejo florestal sustentável”, “manejo por múltiplos interessados”, “certificação”, etc. não conseguiram fazer quaisquer mudanças significativas nos resultados gerais das concessões madeireiras no mundo em desenvolvimento: eles partem da premissa de que a finalidade geral da concessão para exploração de madeira é a produção de madeira que, com os ajustes técnicos adequados, pode se tornar ecológica e economicamente sustentável e socialmente benéfica – quando, na verdade, é principalmente uma expressão de desigualdade de poder e riqueza, e é usada para mantê-la. É como tentar recolher água de um riacho de forma mais eficiente melhorando o desenho de um tridente.

Olhando por esse prisma, é um pouco mais fácil entender algumas das mais recentes tentativas drasticamente fracassadas de usar o sistema de concessão madeireira como um fator positivo para estimular o crescimento econômico e a sustentabilidade ambiental. Na República Democrática do Congo, no início de 2000, por exemplo, o Banco Mundial fez projeções que poderiam ter levado à criação de até 60 milhões de hectares de novas concessões, prometendo que o país se tornaria o maior exportador de madeira do continente e se beneficiaria com centenas de milhões de dólares em receitas anuais. Os planos do Banco foram interrompidos por um recurso bem-sucedido de organizações locais de povos indígenas ao Painel de Inspeção do Banco Mundial, mas os cerca de 15 milhões de hectares de concessões que se materializaram estão gerando um total de apenas dois milhões de dólares por ano em impostos, e o setor continua atolado em ilegalidades, corrupção, abusos de direitos humanos e más práticas. No Peru, a partir de 1999, a “Forest Alliance” do Banco Mundial-WWF propôs “regularizar” a exploração madeireira ilegal desenfreada, criando 3,2 milhões de hectares de novas concessões para a “gestão sustentável”, mas, em dez anos, ficou claro que a exploração ilegal tinha piorado, com até 90% do mogno exportado sendo proveniente de fontes ilegais.

Por que organizações como o Banco Mundial continuam promovendo esse modelo claramente fracassado? Parece haver duas maneiras básicas de responder a isso. A primeira explicação, mais generosa, é que, apesar do que Westoby entendeu mais de 40 anos atrás, economistas e técnicos de Washington, Paris, Roma e Tóquio ainda acreditam que a posse temporária de grandes extensões de terras florestais por parte de empresas majoritariamente estrangeiras pode ajudar a dar um “pontapé inicial” nas economias dos países pobres. Em termos puramente econômicos, as florestas naturais são um recurso não usado, que deve ser explorado para melhorar o balanço econômico nacional. A derrubada de florestas naturais é extremamente atrativa para alguns economistas desenvolvimentistas porque é um negócio muito fácil de se entrar, já que exige pouco conhecimento ou investimento de capital, baseia-se principalmente em mão de obra barata, tem mercados confiáveis, costuma ser mal regulamentado e tem risco relativamente pequeno.

Uma segunda explicação é que, em alguns casos, os promotores internacionais do sistema de concessões madeireiras estão bem cientes de suas deficiências; na verdade, eles têm décadas de evidências empíricas, arquivos cheios de relatórios de conclusão de projetos, avaliações sobre programas de intervenção no setor florestal e de desenvolvimento da indústria madeireira, e tentativas de reorganizar a silvicultura em “concessões sustentáveis” que terminam sendo, na melhor das hipóteses, “apenas moderadamente bem-sucedidas”. Mas eles também estão cientes da realidade mais profunda das concessões madeireiras em florestas tropicais: os interesses que quem toma decisões tem nessas concessões (um dos principais fatores que as torna ingovernáveis) e o dinheiro que ilicitamente flui delas às contas bancárias privadas de ministros e chefes de Estado, e de seus comparsas e famílias é exatamente o que tem mais valor. Visto cinicamente, ao cumprir esse papel, elas ajudam a manter o status quoem governos que costumam ser basicamente instáveis, servindo para lubrificar as engrenagens clientelistas de estruturas de poder. Elas ajudam a assegurar que países mal governados não colapsem completamente em anarquia e conflito, que possam pagar suas dívidas internacionais, e permaneçam acessíveis a empresas nacionais e transnacionais interessadas nos recursos extraídos dessas áreas de concessão. Na verdade, os mesmos fatores que tornam as concessões madeireiras atrativas aos economistas as tornam excepcionalmente propensas a clientelismo político, intervenção e corrupção desenfreados. Portanto, a ingovernabilidade persistente da massa de terra coberta por concessões é vista como um efeito colateral lamentável, mas inevitável, a serviço de uma causa muito maior. Assim, por exemplo, organismos como o Banco Mundial se recusam a defender condicionalidades ou exigir rigorosamente os objetivos dos programas diante do flagrante descumprimento das reformas do setor florestal por parte dos governos locais.

Jack Westoby já tinha percebido, antes de se aposentar da FAO, em 1974, que as boas intenções de sua carreira anterior tinham naufragado na dura realidade. Se ainda estivesse vivo (ele morreu em 1988), poderia se surpreender com o fato de que as instituições globais, como o Banco Mundial e a FAO, continuam até hoje promovendo o modelo de concessão florestal tropical industrial em grande escala. O fato de o conceito continuar sendo o modelo dominante de exploração/posse para florestas tropicais, mais de 40 anos depois, apesar da montanha de evidências quanto a seu fracasso generalizado, atesta a sua utilidade como instrumento político e mecanismo para captar e garantir terra, e expressar dominação e clientelismo político. O erro é confundi-lo sempre com a base de uma “indústria” racional que possa beneficiar as comunidades pobres nos países pobres.

Simon Counsell, Diretor Executivo, Rainforest Foundation UK, email: simonc@rainforestuk.org
(1) Westoby, J 1987, Introduction to World Forestry, 1989, Wiley.(2) Counsell S and Labrousse A, 2007, The political economy of the African logging concession system and the complicity of international donors, in RFUK and Forests Monitor, Concessions to Poverty; The environmental, social and economic impacts of industrial logging concessions in Africa's rainforests, fevereiro de 2007, London and Cambridge.