Convenção sobre a Diversidade Biológica: apostando nos mercados financeiros

De 8 a 19 de outubro, aconteceu em Hyderabad, Índia, a 11ª Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Entre seus temas estava a busca de meios para concretizar os Objetivos de Aichi e do Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Distribuição de Benefícios, adotados em 2010 na COP 10 – que constituíram as novas diretrizes para orientar os países sobre as medidas a tomar com vistas a deter a perda de diversidade biológica até 2020, já que a meta para 2010 havia fracassado. (1)

Levantou-se a necessidade de estabelecer indicadores internacionais de cumprimento das metas e criar capacidade de aplicação das diretrizes e de outros mecanismos semelhantes, principalmente para países do Sul global. Mas o que várias organizações ecologistas denunciam por suas graves repercussões é a aprovação de um Plano Estratégico para a Diversidade Biológica revisado e atualizado (http://www.cbd.int/sp/), resultante das negociações. Esse acordo, que constituirá o marco global em matéria de diversidade biológica para todo o sistema das Nações Unidas, aponta a necessidade de contar com novos recursos financeiros como elemento central na proteção da biodiversidade. Fala-se de estudar “mecanismos financeiros inovadores”.

Com um critério neoliberal, considera-se que o dinheiro é o mecanismo mais importante para conservar os recursos biológicos e, usando esse mesmo enfoque, toma-se o dinheiro como meio para avaliar os aspectos ambientais de importância. Isso tem várias implicações, que a Aliança CDB (2) vem estudando e divulgando em documentos elaborados para a Cúpula de Nagoya 2010 e para a recente cúpula de Hyderabad. Entre os mecanismos financeiros, conceberam-se figuras como o pagamento por serviços ambientais, um mecanismo de desenvolvimento verde, compensações de biodiversidade. Também já se avançou nas tentativas de atribuir um valor monetário aos serviços dos ecossistemas, como é o caso da “Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade” (TEEB, na sigla em inglês; ver boletins 175, 176, 181 do WRM), uma proposta do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Nos relatórios da Aliança CDB, adverte-se sobre a dificuldade de se atribuir um valor financeiro à biodiversidade com o objetivo de comercializá-la, bem como a ideia, vinculada a isso, de que uma espécie ou uma zona de alta diversidade biológica possa ser equivalente a outra do ponto de vista monetário. Também há consequências para os direitos sobre a terra e um risco de priorizar o “serviço” de um ecossistema sobre outro, em função da rentabilidade (3). Na realidade, para proteger a biodiversidade, o que importa não é tanto a quantidade de recursos financeiros, e sim a qualidade e a direção dos mesmos.

Em um relatório elaborado como aporte para a Aliança CDB, que aprofunda a discussão sobre os mecanismos financeiros para a biodiversidade (4), os autores citam a IUCN ao apontar que há um grande fundo potencial nos milhões vinculados a subvenções nocivas ao meio ambiente, tais como políticas fiscais que apoiam práticas agrícolas que destroem florestas e esgotam os estoques de água.

Basicamente – e seguindo uma tendência que aponta à retirada de poderes de governo e decisão de governos e comunidades – a introdução de mecanismos financeiros inovadores para a proteção da biodiversidade possibilita a criação de instrumentos de mercado que aprofundam a privatização e a mercantilização dos bens que ainda continuam sendo de uso comum. Podem ser novas oportunidades de lucro para as empresas e inclusive para os capitais especulativos, mas são falsas soluções para a perda da biodiversidade, pois não abordam as verdadeiras causas do problema, que são os sistemas destrutivos de produção, comercialização e consumo. Além disso, o Plano Estratégico para a Diversidade Biológica 2011-2020 também abre espaço à especulação financeira, que em sua expansão, procura chegar a todos os espaços possíveis que antes estavam fora do mercado.

No entanto, podemos identificar algumas recomendações positivas. A Biofuelwatch e a Global Forest Coalition comentam favoravelmente (5) o fato de que a COP 11 tenha reconhecido a recomendação do SBSTTA de revisar e, quando for necessário, remover, subsídios e outros incentivos aos biocombustíveis e outros setores econômicos que ameaçam a biodiversidade. Isso significa um reconhecimento de que os subsídios e outros incentivos aos biocombustíveis podem ser agentes importantes de expansão das monoculturas industriais com esse fim.

Por sua vez, espera-se que, como disse Helena Paul, da Econexus, essas recomendações incentivem a UE a abolir todo o apoio à energia com base em biomassa industrial e em grande escala.

Alguns países expressaram a necessidade de mudar os modelos de produção. Conforme relatado pela organização brasileira Terra de Direitos, a Bolívia denunciou que os mecanismos financeiros para a conservação da biodiversidade, tais como a REDD+, nada mais são do que políticas neocolonialistas que não buscam realmente proteger o meio ambiente, pois mantêm inalterado o modelo de produção do Norte global, que tanto dano causou ao meio ambiente e as comunidades do Sul. (6)

Fontes de informações do artigo:

(1) Para um resumo dos objetivos de Aichi, ver “Guía de la biodiversidad. Las metas de Aichi para periodistas y otras especies en extinción”, Ecologistas en Acción,http://www.ecologistasenaccion.org/IMG/pdf/guia_de_la_biodiversidad.pdf

(2) A Aliança da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD Alliance) é uma rede de ativistas e representantes de ONGs, OBs, movimentos sociais e organizações de povos indígenas que defendem uma participação melhor e mais informada nos processos da CDB. Para mais informações, consulte www.cbdalliance.org.

(3) Documentos da Aliança CDB: “Resource Mobilisation (implementation of the strategy) and Financial mechanism”, em http://www.cbdalliance.org/storage/sbstta-wgri/cbda_briefing_wgri4_finances.pdf; “Finanzas, Instrumentos Económicos y Biodiversidad”, emhttp://www.wrm.org.uy/actores/CBD/COP10/Informativo2_LosTop10paralaCOP10.pdf; Informes para la COP11, em http://www.cbdalliance.org/cop11-briefing-notes/

(4) “Civil society views on Scaling Up Biodiversity Finance, Resource Mobilization and Innovative Financial Mechanisms.” Produzido por Simone Lovera e Rashed Al Mahmud Titimur para a Aliança CDB,http://www.cbdalliance.org/stora/ifm/CBD%20Alliance%20Civil%20society%20views%20
on%20Scaling%20Up%20Biodiversity%20Finance.pdf

(5) “Forest Groups Welcome Global Biodiversity Conference Call to Review Biofuel Subsidies and Incentives”, 19 de outubro de 2012, http://globalforestcoalition.org/2474-forest-groups-welcome-global-
biodiversity-conference-call-to-review-biofuel-subsidies-and-incentives#more-2474

(6) “11ª COP da Convenção sobre Diversidade Biológica: dos debates para a ação concreta?”, Larissa Packer e Fernando Prioste, Terra de Direitos,http://terradedireitos.org.br/biblioteca/11%C2%AA
-cop-da-convencao-sobre-diversidade-biologica-dos-debates-para-a-acao-concreta-2/