COP 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica: Soluções para empresas, perdas para a biodiversidade e as comunidades

Imagem
B272-editorial

A destruição da biodiversidade para alimentar a ganância das empresas tem se manifestado na forma de números e dados alarmantes: 54% das zonas húmidas desapareceram desde 1900, a degradação do solo devido às atividades humanas está causando a extinção de um sexto das espécies, e 50% da expansão agrícola entre 1980 e 2000 ocorreram em áreas de florestas tropicais devastadas (1). Na Ásia, a monocultura do dendê foi a principal causa da perda florestal nesse período.

Há 32 anos, durante a Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro, no Brasil, mais de 170 países se comprometeram a tomar medidas para começar a conter essa destruição. Com esse objetivo, assinaram a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Porém, o fracasso foi retumbante.

Apesar das numerosas declarações a favor da ação e da adoção de objetivos e metas, os governos não demonstraram qualquer interesse real em tomar as medidas necessárias para interromper a destruição da diversidade biológica. Basta analisar o cumprimento dos objetivos estabelecidos para a década 2010-2020, conhecidos como metas de Aichi: nenhuma delas foi atingida.

A 16ª Conferência das Partes (COP) da CDB acontece em Cali, na Colômbia, entre 21 de outubro e 1º de novembro de 2024. Os negociadores dos governos pretendem avaliar os avanços de cada país em direção às novas metas estabelecidas para 2030, incluídas no chamado Marco Global da Biodiversidade. No entanto, mais de 85% dos países deixaram de cumprir o prazo para apresentar seus novos compromissos antes do início da COP (2), mostrando que a falta de comprometimento não mudou.

Para conter a devastadora problemática da biodiversidade e tentar revertê-la, seria necessário, antes de tudo, acabar com a destruição causada por empresas de petróleo, mineração, agroindústria, plantações florestais, hidrelétricas, etc, e os outros setores econômicos que se beneficiam, como companhias aéreas, bancos, finanças, investidores, etc. Mas, em vez disso, as propostas a ser implementadas a partir da CDB tendem a agravar a situação através de ações que prejudicam a soberania e a permanência de Povos e comunidades Indígenas nos territórios que habitam e protegem.

Uma das maneiras específicas pelas quais a CDB gera esse tipo de conflito é o objetivo conhecido como 30x30, que foi promovido por grandes ONGs conservacionistas. Esse objetivo visa ter 30% da superfície do planeta, tanto terrestre quanto aquática, declarada como área protegida até 2030, sem levar em conta o sofrimento e a resistência de milhares de comunidades afetadas pela imposição dessas áreas de conservação em seus territórios, com graves violações dos seus direitos. Esse modelo de conservação desprovido de gente está longe de ser uma solução e, pelo contrário, gera conflitos e violência, e ceifa vidas em comunidades que perdem o controle dos territórios que habitam.

Outra das ameaças mais preocupantes, gerada pela CDB e pela influência empresarial na referida convenção, é incluir compensações e créditos de biodiversidade como um mecanismo legítimo de “reparação” pela destruição causada pelas empresas.

Por meio da compensação, as indústrias poluidoras reivindicam o direito de destruir territórios, com a desculpa de que danos e perdas serão compensados ​​em algum outro lugar do planeta, o que não é possível. Em uma declaração recente, centenas de organizações da sociedade civil alertaram: “A compensação da biodiversidade pode gerar conflitos sobre os direitos de posse e uso da terra, pesca e florestas, competindo com a agroecologia e a pequena agricultura e prejudicando a soberania alimentar. “É provável que isso gere concentração de terras, deslocamento de comunidades, aumento da desigualdade no acesso à terra e violações dos direitos humanos, como acontece com as compensações de carbono.”

Esta declaração alerta que esses créditos e compensações pretendem imitar os que já existem para o carbono, não só reproduzindo seus fracassos, mas também aprofundando os impactos negativos ao incluir inúmeras formas de vida em uma estratégia de financeirização. O que está provado, até agora, é que esse tipo de mecanismo beneficia as grandes corporações que continuam poluindo – como as petrolíferas, as mineradoras ou as companhias aéreas – bem como a cadeia de gestores, certificadores, consultores e financiadores que os implementam. Isso ocorre enquanto as comunidades sofrem impactos e são enganadas, com casos amplamente documentados pela academia e pela imprensa, entre outros.

Convidamos você a ler a declaração completa, que também faz diversas propostas para outro ponto central da agenda da COP16: o financiamento de estratégias para conter a perda de biodiversidade.

Da mesma forma, o boletim inclui artigos que explicam como projetos baseados na lógica da compensação e da monocultura de árvores se expandem e ocupam territórios, além de outros que exaltam a resistência das comunidades.

Vindo do Gabão, um dos artigos documenta o poder de resistência das comunidades contra as tentativas da empresa Sequoia de estabelecer 60 mil hectares de plantações de eucalipto na região dos Planaltos Batéké, que também seriam usadas para gerar créditos de carbono. Outro artigo, da República do Congo, também descreve a concentração de terras visando estabelecer monoculturas de árvores para o mercado de carbono, levada a cabo por empresas petrolíferas, entre outras, com fins de lavagem verde. Um terceiro artigo conta como, em duas províncias de Moçambique, as monoculturas de eucalipto têm devastado a diversidade biológica e genética contida nas machambas, ou áreas de cultivo tradicional, homogeneizando em vez de permitir a expressão da diversidade de sementes e variedades locais, que desaparecem com o avanço da indústria de celulose.

Também há um artigo da Tailândia, no qual se analisa a estratégia do governo daquele país de aplicar uma política climática baseada na compensação, um conceito com contradições inerentes e que amplia o controle das empresas sobre as terras comunitárias, a ser extrapolado agora da esfera do clima para a da biodiversidade. Os projetos de compensação seriam realizados em zonas verdes que cobrem mais de 50% do país.

Por fim, apresentamos o terceiro episódio do Podcast intitulado “Lutas de mulheres pela terra”, que visa destacar a voz das mulheres e as suas muitas formas de resistência contra a ocupação dos seus territórios. Este terceiro episódio, vindo da Indonésia, foi produzido em conjunto com a organização Solidaritas Perumpuan e relata as experiências de mulheres da região de Kalimantan que enfrentam projetos de plantações e de REDD.

Este conjunto de casos mostra como o tipo de ações propostas pela COP afeta a soberania das pessoas sobre os territórios que habitam, soberania esta que é essencial para conter a crise da biodiversidade. Diante disso, muitos desses povos e comunidades de todo o planeta estão reivindicando o controle dos territórios que ocupam e lutando por sua defesa, que é a defesa da diversidade biológica – é a defesa da vida!

(1) Estado actual y resultados de la IPBES | Biodiversidad Mexicana
(2) COP16: More than 85% of countries miss UN deadline to submit nature pledges - Carbon Brief