No mundo dos grandes negócios, um pequeno grupo de corporações transnacionais domina, cada vez mais, quase todos os setores da economia. Se já eram grandes, agora ficaram muito grandes, e suas atividades estão causando cada vez mais impactos negativos. Ao mesmo tempo, e muito em função de grandes lutas de comunidades, movimentos, organizações e ativistas, essas mesmas corporações foram forçadas a assumir alguns compromissos por escrito com a ética, com a responsabilidade social e ambiental; começaram montar esquemas de certificação da “sustentabilidade” e falar em “melhores práticas”; até mesmo começaram a falar em direitos humanos.
Neste boletim, dedicado mais uma vez ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, buscamos refletir sobre este tema observando a atuação das grandes corporações. Ao fazer isso, é impossível não enxergar um comportamento dessas empresas que viola os mais diversos direitos fundamentais – sejam eles consagrados ou não em leis e tratados internacionais. Como direitos fundamentais, consideramos, por exemplo, aqueles que buscam garantir a dignidade do ser humano e a justiça social e ambiental.
Veremos, neste boletim, como é violenta a concentração de terras, talvez uma das ações mais fortes no momento, se expressando de diversas formas. É violenta a forma como grandes corporações do setor de eucalipto e celulose concentram cada vez mais terras em países como o Brasil, para fazer grandes monoculturas, e como elas têm feito isso historicamente na ilegalidade e com todo o apoio do Estado. É igualmente violenta a expansão desenfreada das grandes corporações de óleo de dendê na África, invadindo terras camponesas, afetando a soberania alimentar e aumentando a fome em países como Serra Leoa. É violenta também a maneira como grandes corporações do setor de energia concentram terras para construir mega-hidrelétricas – por exemplo, na Malásia e em outros países - destruindo a biodiversidade, as florestas e a sobrevivência de milhares de pessoas para lucrar com a geração da energia que beneficia, sobretudo, a essas mesmas corporações. Há um passivo enorme com milhões de pessoas expulsas e jogadas nas periferias de grandes cidades, que hoje concentram cada vez mais gente nos países do Sul global, enquanto há terra suficiente para que grande parte dessa população pudesse trabalhar e garantir a soberania alimentar dos seus países.
É violento o tratamento também dispensado pelas corporações hoje em dia a seus trabalhadores diretos e, sobretudo indiretos. A escravidão, abolida há muito tempo no mundo, continua prevalecendo e se agravando nas regiões que abastecem grandes corporações com suas matérias-primas, por exemplo, nas extensas plantações da monocultura do dendê na Malásia e Indonésia, principais países produtores.
É violento o modo como grandes corporações não aceitam barreiras a suas atividades cada vez mais globalizadas e querem o comércio livre – uma grande vantagem para que elas aumentem ainda mais seus lucros. Como controladores de mercados, podem tirar mais proveito disso. Elas buscam garantir seus interesses em espaços fundamentais, como na Organização Mundial de Comércio (OMC), que acabou de se reunir em Bali, na Indonésia.
É violento até mesmo quando grandes empresas fazem um discurso de “sustentabilidade” da madeira tropical vinda de “manejo florestal sustentável”, quando isso contribui com a destruição gradativa das florestas tropicais, acabando com o futuro de comunidades que dependem totalmente dessas florestas para realizar seu modo de vida, servindo unicamente a objetivos de lucro e incentivando um consumo de produtos de luxo, desnecessários.
Certamente, é de suma importância continuar lutando para que nossos governos, incluindo a ONU, garantam os direitos humanos fundamentais, dando um destaque especial à luta incessante da Via Campesina nestes últimos anos para garantir a aprovação de uma declaração na ONU sobre os direitos camponeses, que merece o apoio de todas e todas.
Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que grandes corporações, pela lógica do próprio sistema capitalista contemporâneo, buscam acumular, especular e lucrar cada vez mais. São elas a expressão maior de um sistema intrinsicamente injusto e explorador. Buscam abrir cada vez mais mercados, até em cima da “sustentabilidade”, através de “certificados de sustentabilidade”, “políticas de responsabilidade social e ambiental” ou “códigos de ética”. Não aceitam regras compulsórias, mas sempre defendem os sistemas voluntários, até porque, na lógica do capital, os mercados não podem impor barreiras ao livre comércio das corporações, nem mesmo em nome da “sustentabilidade”.
Sem mudanças em nível global para restringir drasticamente a ação das grandes corporações, assistiremos à contínua privatização das terras e florestas em mãos do poder corporativo, e as múltiplas violações de direitos não cessarão. Vale a pena centrar esforços em buscar responsabilizar as corporações por suas violações atuais e históricas. Fazemos um apelo por apoio e a participação na Campanha para Desmantelar o Poder Corporativo e dar um fim à Impunidade que hoje rege a ação das Corporações. Direitos humanos não combinam com corporações; combinam bem com um sistema econômico baseado na solidariedade, na soberania alimentar e na justiça social e ambiental.