Dendê no Peru: uma destruição que avança na Amazônia

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Peru. Ph: Environmentl Investigation Agency (EIA)

Comunidades afetadas por monoculturas de dendezeiros organizaram um fórum na cidade de Yurimaguas para denunciar e tornar visíveis os impactos ambientais e sociais do cultivo. As empresas desviaram, drenaram e reduziram córregos, a ponto de muitas comunidades não terem mais água. As famílias que ainda vivem dentro e ao redor das plantações também veem sua permanência no território ameaçada diante de uma iminente expansão dessa monocultura.

É fato que a megaindústria do óleo de dendê não está mais limitada às plantações localizadas no Sudeste Asiático, embora a Indonésia e a Malásia continuem a produzir 80% desse óleo em todo o mundo. Além de se expandir a vários países africanos, desde 2001, a área de terra plantada com dendê dobrou na América Latina. De acordo com um estudo que analisou os tipos de uso da terra convertidos para o cultivo do dendê em dez países da América Latina, o Peru registrou a maior taxa de desmatamento para a produção do óleo. A situação é particularmente preocupante na região de Loreto, onde 85% dos dendezeiros foram plantados onde antes havia floresta tropical. (1) Esses dados, juntamente com as muitas denúncias feitas por povos e comunidades que estão sendo afetados pela indústria, fazem da monocultura do dendê uma nova ameaça para a Amazônia peruana.

Um histórico de colonização

A partir de 1832, o governo peruano promoveu normas que concediam gratuitamente títulos de propriedade sobre a terra amazônica para o desenvolvimento de atividades agrícolas. Isso deu início ao que hoje se conhece como a colonização “oficial” da Amazônia. Em meados do século XX, iniciou-se um processo mais intenso de ocupação territorial e a consequente expansão da fronteira agrícola. Nesse processo, a Amazônia estava sendo concebida como um enorme depósito de recursos “sem dono”, que precisavam ser dominados. Territórios indígenas foram tomados, invadidos ou destruídos com o apoio do Estado. Um elemento fundamental foi a construção de estradas e rodovias que, por sua vez, beneficiavam madeireiros, traficantes de terras, construtoras, entre outros. (2)

Na década de 1990, com o ajuste neoliberal, foram abandonados os mecanismos de apoio à pequena agricultura (subsídios, créditos, compra de produção, etc.), e os colonos foram incentivados, principalmente pelo Estado, a avançar a fronteira agrícola sobre a Amazônia. Na década de 2000, vieram novas incursões: a construção de duas megaestradas (as interoceânicas norte e sul), o aumento acelerado da exploração e da extração de hidrocarbonetos, a implementação do sistema de concessões para extração de madeira, o surto de crescimento da mineração aluvial de ouro e as plantações industriais de dendezeiros.

Embora não seja muito importante no mercado mundial de dendê, de acordo com algumas estatísticas, o Peru seria o país onde esse cultivo cresce mais rapidamente.

Arrasando florestas e povoados

No contexto da promoção da expansão agrícola, o governo peruano promoveu uma série de reformas regulatórias para promover o cultivo do dendê, entre as quais se destaca a publicação, em maio de 2000, do Decreto Supremo nº 015-2000-AG. Esse decreto declara de “interesse nacional” a instalação de plantações de dendezeiros com o objetivo, entre outros, de contribuir para a recuperação de solos desmatados pela agricultura migratória e pelo desenvolvimento de atividades ilícitas, em áreas com maior capacidade de uso, para estabelecer plantações de dendezeiros. (3)

No entanto, fica claro que o chamado “interesse nacional” significa o “interesse econômico”, ao se apresentar uma realidade de usurpação de terras, desmatamento, violência e até assassinatos. Em uma entrevista em setembro de 2017, Iván Flores, líder indígena shipibo-konibo da comunidade de Nuevo Requena, no departamento amazônico de Ucayali, disse: “Nós estamos todos com medo, e nenhuma autoridade nos apoia. Desde a chegada da empresa [de dendê] Plantaciones de Pucallpa, nós perdemos a tranquilidade. Eles estão desmatando o território ancestral e agora, depois do caos, os mortos começam a aparecer” (4).

Na selva, o Estado classifica dois tipos de capacidades de solo: silvícola e agropecuária. Em solos de capacidade silvícola, não são permitidos o gado nem os cultivos, e qualquer atividade desse tipo é ilegal. As plantações de dendê deveriam ter sido feitas em áreas desmatadas (em solos de capacidade agrícola), mas a grande maioria foi cultivada onde havia floresta (com solos de capacidade silvícola evidente). De forma ilegal, as empresas obtiveram licenças sobre áreas florestais para fins agroindustriais. Em algumas dessas áreas, havia agricultores assentados em suas propriedades e pequenos povoados, afetando inclusive a territórios indígenas.

Usmar, um agricultor da comunidade Cotoyacu afetado pela empresa Palmas del Shanusi, recorda: “A empresa chegou dizendo que iria nos apoiar em tudo, na saúde, na educação, em dar uma vida melhor para as pessoas, trabalho. Mas isso foi uma grande mentira, e é aí onde eles enganam as pessoas. Eles começaram a comprar e continuaram vindo, procurando testas de ferro para que comprassem de quem não queria vender à empresa. Foi assim que fomos ficando sem terra à medida que a empresa começava a adquirir terras. Eles começaram a derrubar toda a floresta e drenar os pântanos, depois plantaram o dendê. Aqueles de nós que não venderam estão cercados pela empresa”.

O Grupo Palmas (parte do Grupo Romero, segundo grupo econômico mais importante do Peru) é um dos pioneiros do óleo de dendê no país e, atualmente, seu maior produtor. Esse grupo tem duas grandes plantações: a Palmawasi, em Tocache, e a Palmas del Shanusi, na fronteira entre Loreto e San Martín. Depois vem o Grupo Melka, do cidadão checo-norte-americano Dennis Melka, investidor ligado a plantações industriais de dendê na Malásia. Esse grupo tem duas grandes plantações em Ucayali, que, juntas, representam cerca de 11.000 hectares.

O caso do Grupo Palmas

Em 2006, órgãos do governo, consultores e representantes de empresas promoveram a chegada do Grupo Romero, hoje chamado de Grupo Palmas, nas regiões de Loreto e San Martín, como uma suposta alternativa de desenvolvimento importante para as comunidades. Mais de dez anos depois, no entanto, verifica-se que o “desenvolvimento” resultou em destruição e conflito para essas comunidades.

Contrariando a Lei, o Grupo Palmas obteve terras que eram florestas primárias, corpos d’água, zonas úmidas e locais de nascentes para estabelecer suas monoculturas de dendezeiros. Em 2006, o Ministério da Agricultura distribuiu mais de 7 mil hectares de florestas primárias à empresa Shanusi – hoje Palmas del Shanusi S.A. – a um custo equivalente a cerca de 18 nuevos soles por hectare (cerca de cinco dólares). A Empresa Agrícola del Caynarachi – hoje Palmas del Oriente S.A. – recebeu 3 mil hectares em 2007, a um custo de 150 soles por hectare (cerca de 45 dólares). Ambas as empresas pertencem ao Grupo Palmas.

“A empresa [palmas Shanusi, do Grupo Romero] entrou na comunidade em 2005, abrindo trilhas para poder instalar os acampamentos e desmatar nossas florestas. Em 2006, eles colocaram máquinas para desmatar, retificar os nossos córregos e plantar. Nessa terra havia áreas úmidas, havia corpos d’água suficientes, que dava vida aos córregos”, relata Jovina, da Asociación de Productores Amigos del Bosque, da comunidade de Cotoyacu.

Diante dessa situação, em junho de 2018, 14 comunidades afetadas pelas plantações da Palmas de Shanusi S.A. e da Palmas del Oriente S.A. organizaram um fórum, na cidade de Yurimaguas, para denunciar e divulgar os impactos visíveis em áreas adjacentes aos vales do Huallaga, do Shanusi e do Cainarachi, nas regiões de San Martin e Loreto. (5)

O Fórum declarou que as empresas, em vez de solicitar terras degradadas, como manda a norma, têm lucrado com a terra e a madeira extraída de florestas primárias. Com suas operações, elas têm desviado, drenado e reduzido os córregos a ponto de muitas comunidades não terem mais água. Fontes de água e centenas de hectares de corpos d’água desapareceram. A água dos córregos, que as comunidades usavam para suas necessidades básicas, foi contaminada, o que também causou o desaparecimento de peixes.

Também foi denunciado que os resultados dos testes de laboratório que as instituições estatais realizaram para determinar o estado da água foram manipulados, uma vez que indicaram não haver poluição. Os testemunhos sobre animais mortos pelo consumo de água e o desaparecimento de peixes confirmam outra realidade. Além disso, observe que os pesticidas são pulverizados de avião sobre as plantações de dendê, e seus componentes são prejudiciais não só para as fontes de água, mas também para a saúde humana, a fauna e a flora, e as áreas de cultivo de subsistência.

As pessoas que participaram do Fórum declararam que grande parte da compra de terras foi fraudulenta. Em alguns casos, afirmam que foram usadas muita pressão e violência, com testas de ferro e grupos de guardas armados. Como resultado, existem agora comunidades onde grande parte da população não tem terra. Também se disse que as empresas estão impedindo o acesso das pessoas à sua própria terra ao colocar porteiras em estradas públicas. Também revelaram que alguns agricultores são processados injustamente por crimes contra florestas existentes e em formação, por supostamente ter cortado árvores sem a devida licença, quando na verdade, são as empresas que estão desmatando e se beneficiando ilegalmente da terra e da madeira.

A Carta Aberta elaborada no final do Fórum diz: “Nunca nos faltou água boa para lavar, tomar banho e cozinhar, nem peixe para nossa alimentação. Hoje trazem água para algumas comunidades em caminhões-tanque, sem que ninguém garanta sua qualidade”. E termina denunciando que o modelo de desenvolvimento proposto, na verdade, é a “destruição das possibilidades reais para que os povos gerem seu próprio desenvolvimento”. (6)

As comunidades que vivem dentro e ao redor das plantações de dendezeiros ainda enfrentam situações de tensão porque as empresas do Grupo Palmas querem inclusive expandir ainda mais as suas operações. E, de acordo com os moradores, já estão procurando uma maneira de tirar suas terras.

Diante dessa ameaça, somente a organização e a união de agricultores e agricultoras poderão enfrentar esse avanço do dendê sobre seus territórios. Um exemplo disso é o que está acontecendo em Cotoyacu. “Depois de suportar dez anos de poluição e desmatamento, em 2015 nos reunimos para ver o que podemos fazer e decidimos nos organizar como comunidade”, lembra Jovina. Para isso foi fundamental o acompanhamento da equipe da Pastoral da Terra, pois, em um contexto em que a empresa ostenta todo o seu poder, as comunidades se sentem solitárias e isoladas, e acabam se resignando.

Com base no conhecimento dos seus direitos, em uma vigilância incansável sobre seu território para levantar os impactos causados ​​pela empresa e nas denúncias feitas às várias instituições do Estado, também difundidas na mídia, eles impediram a empresa de continuar desmatando e plantando nas terras marginais a seus córregos.

Joanna Cabello, secretariado internacional do WRM, joanna@wrm.org.uy

(1) Furumo, P. e Mitchell, T. (2017). Characterizing commercial oil palm expansion in Latin America: Land use change and trade, Environmental Research Letters.,
(2) Dammert, J. L. (2014). Cambio de uso de suelos por agricultura a gran escala en la Amazonía Andina: El caso de la palma aceitera.
(3) Veja vários dos decretos e regulamentos que promovem a expansão do dendê no Peru.
(4) Mongabay, Amazonía Peruana: tierra de todos y de nadie, setembro de 2017.
(5) Pastoral de la Tierra. 14 comunidades cuentan los impactos socio-ambientales de las plantaciones del Grupo Palmas, julio 2018.
(6) Pastoral de la Tierra. Comunidades afectadas por las plantaciones de las empresas del Grupo Palmas escriben a las autoridades, agosto 2018.