Poluição de fontes de água, trabalho em condições deploráveis e oferta de trabalho em troca de sexo mediante chantagem são alguns dos tipos de violência contra as mulheres que vivem em plantações de palma de dendê na Guatemala e na Colômbia.
A monocultura do dendê (oil palm) devasta não só a biodiversidade das florestas tropicais, mas também os povos que viviam de suas economias tradicionais até a chegada do agronegócio. Em muitos casos, são as mulheres que defendem seus territórios com maior afinco.
Guatemala: trabalho explorador em troca de sexo
Apenas 15 anos atrás, a região de Petén, no norte da Guatemala, era pura floresta. Então veio o Grupo HAME, cujo dono é o proprietário de terras Hugo Alberto Molina, e o Petén se tornou a ponta de lança da expansão da monocultura do dendê no país maia. A empresa ficou tristemente famosa quando, em 2015, soube-se que era diretamente responsável pelo ecocídio no rio La Pasión, no município de Sayaxché. Cerca de 150 quilômetros do rio foram contaminados pelo malation, um pesticida usado para eliminar moscas do fruto do dendê, causando uma enorme mortalidade de peixes. Apesar das irregularidades comprovadas, a empresa continua operando sem qualquer monitoramento.
Na comunidade de San Juan de Acul, a maioria das pessoas usa aquela água para tomar banho, cozinhar e até beber, embora saiba que está contaminada. Elas não precisam de estudos: o corpo lhes diz isso com vômitos, febre, coceiras e doenças no estômago e na pele. Mas não há outra fonte de água, e o Estado lhes negou até mesmo os tanques que pediram para coletar a água da chuva. Essas chuvas são cada vez mais escassas, também por causa das mudanças climáticas que o modelo de monocultura acelera.
Além do problema da água, o desastre ecológico do rio terminou com a principal fonte de alimento da comunidade: a pesca. “Antes, em dois dias, pescávamos mais de vinte quilos de peixe; hoje, com sorte, pegamos dez ou quinze, às vezes, nem isso”, diz uma pescadora, que sentencia: “Sem água, não vivemos: sem água não há nada”.
A única alternativa à fome é a mesma coisa que a provocou: o dendê. Sem suas terras e sem a possibilidade de pescar, os moradores de San Juan de Acul são obrigados a aceitar condições nas plantações que relembram os tempos da escravidão. Segundo uma camponesa de lá: “As pessoas trabalham muitas horas por pouco dinheiro, sem horário fixo, e têm que comprar o equipamento. Mas não existe alternativa. Se houvesse outra fonte de renda, eles não se aproveitariam da necessidade, mas nós temos que comer”. São jornadas intensas, de nove ou dez horas por dia, para salários de cerca de oito dólares, abaixo do salário mínimo rural.
A pior parte fica para as mulheres. Elas trabalham nas plantações, mas executam as tarefas mais mal remuneradas. Muitas vezes, os encarregados das plantações as chantageiam, oferecendo-lhes trabalho em troca de sexo, e se elas não aceitam dormir com eles, eles não as empregam. Assim relatam, na primeira pessoa, mulheres de várias comunidades de Petén, bem como da Costa Sul, onde a cana de açúcar é a monocultura que protagoniza a expropriação das comunidades indígenas e camponesas. Além disso, muitas vezes, esses mesmos encarregados as tratam com mais desprezo do que a seus companheiros. “Eles nos insultam e nos ameaçam constantemente”, resume uma trabalhadora.
E depois do dendê?
“As florestas que restam são muito poucas, e não são suficientes para purificar o ar. Na última chuva forte, a água caiu negra, e eu tive que jogar fora meio balde”, diz uma camponesa de Sayaxché. E a chuva escasseia. E terra morre: “Eles estão matando a terra. Essa raiz faz uma trama que não deixa que nada saia dela”. Por isso, as pessoas têm medo do que vai acontecer quando as plantações de dendê se forem: “Depois de 25 anos de dendê, essas terras não servirão para nada”.
A verdade é que um estudo realizado no Vale de Polochic pela pesquisadora Sara Mingorria, do ICTA (Universidade Autônoma de Barcelona), (1) mostra que, devido à grande quantidade de nutrientes que demanda, a monocultura do dendê elimina a camada orgânica do solo e causa infertilidade. São necessários 25 anos para que a área em que o dendê foi plantado volte a ser fértil, porque “o solo está tão enfraquecido que, por mais que se fertilize, os componentes são perdidos e desaparecem”, diz Mingorria. A pesquisadora acrescenta que essas plantações costumam ser chamadas de “desertos verdes” porque “esse tipo de árvore não permite que se forme vegetação ao redor”.
Quando o dendê terminar o seu ciclo de vida, as empresas buscarão outro território onde possam tornar rentáveis os seus investimentos, deixando pelo caminho terras desertificadas, rios poluídos e povoados sem nada – tudo pela rentabilidade de uma commodity cujos preços estão em alta nos mercados financeiros. (2) Isso se a resistência obstinada das comunidades indígenas e camponesas, e acima de tudo, das suas mulheres, não impedir. “As mulheres resistem mais a vender a terra e são as principais defensoras do território: onde as mulheres são protagonistas das resistências ao dendê, esses movimentos de resistência têm mais êxito”, resume um membro de uma organização comunitária que prefere permanecer no anonimato, como a maioria das pessoas entrevistadas para esta reportagem. Isso porque, em países como Guatemala e Colômbia, as defensoras de seus territórios e formas de vida correm o risco de pagar com as próprias vidas.
Colômbia: o peso da água sobre as cabeças das mulheres
Nas zonas rurais de Maríalabaja, a apenas 60 km da cidade turística de Cartagena das Índias, na Colômbia, as comunidades afrodescendentes, indígenas e camponesas guardam na memória a história do terror paramilitar que, entre 1998 e 2002, desalojou um terço dos 50 mil habitantes do município. Nos Montes de María, os paramilitares perpetraram massacres como o de El Salado, onde, em fevereiro de 2000, pelo menos 60 pessoas foram mortas. Aterrorizados, os moradores fugiram em massa, deixando para trás suas terras e casas; quando voltaram, todo aquele território onde até então haviam coexistido a monocultura de arroz e a agricultura camponesa tradicional havia sido plantado com dendê. E então começou a luta pela sobrevivência das comunidades afrodescendentes em Maríalabaja.
“Esta terra era de abundância. Todos os dias, caminhões cheios de inhame, mandioca, feijão e frutas saíam para Cartagena, inclusive para Medellín. Agora não resta mais nada, porque a terra foi plantada com palma de dendê, e aparecem pragas, e porque o clima mudou e não chove quando tem que chover”, lamenta Catalina (nome fictício). Para ela, como para muitos de sua comunidade, o dendê trouxe o desastre para Maríalabaja: acabou com a abundância de comida e, acima de tudo, poluiu a água da represa – a única a que eles têm acesso no povoado: “A água está contaminada com os agrotóxicos que são colocados no dendê. É por isso que todas as mulheres têm infecções vaginais, há muitas doenças de pele, principalmente em crianças, e também doenças renais”. Basta tomar banho para sentir a coceira. E a tarefa de conseguir água, cada vez mais difícil, recai literalmente sobre as cabeças das mulheres, que têm que carregar pesados baldes de água que recolhem nas partes da represa onde a água é menos turva.
Com trinta e poucos anos e dois filhos, Catalina se tornou uma das referências mais conceituadas dessa comunidade de camponeses afrodescendentes. Sua casa é um ponto de encontro onde os vizinhos vêm pedir ajuda para preencher formulários com solicitações de auxílios ou indenizações, porque este povoado foi reconhecido pelo Estado colombiano como vítima do conflito interno que sangrou o país por 60 anos. No entanto, “aqui não nos chega nada, só migalhas, ações com prejuízo”. Com prejuízo, ela explica, porque os auxílios só chegam a alguns e dividem a comunidade ou porque certos programas introduzem casas de cimento e tijolos em povoados onde, até então, predominavam as construções com materiais autóctones (barro e árvores), que não são apenas mais ecológicas, mas também mais frescas.
Catalina rejeita essa ideia de progresso que desvaloriza seus modos ancestrais de vida: “Nós tínhamos bem-estar, no sentido de que vivíamos bem. Não tínhamos tecnologia, mas vivíamos tranquilos”. Ela defende a dignidade de trabalhar a terra para produzir alimentos tradicionais da região e não exportar dendê. E se pergunta: “O que aconteceria se os camponeses deixassem de produzir alimentos?”
* A maioria dos nomes de trabalhadores e ativistas foi modificada para proteger suas identidades.
Nazaré Castro, nazaretcastro [at] gmail.com
Coletivo Carro de Combate, que pesquisou profundamente os impactos do dendê em países como Colômbia, Indonésia, Camarões, Guatemala e Equador. A pesquisa foi financiada por meio de crowdfunding e com a colaboração da organização Entrepueblos: http://carrodecombate.com/
(1) Las plantaciones de palma aceitera provocan la infertilidad de los suelos tropicales, 2017, Institut de Ciència i Tecnologia Ambientals de la Universitat Autònoma de Barcelona (ICTA-UAB), http://www.uab.cat/web/sala-de-prensa/detalle-noticia/las-plantaciones-de-palma-aceitera-provocan-la-infertilidad-de-los-suelos-tropicales-1345667994339.html?noticiaid=1345727879056
(2) Aceite de palma: una industria modelada por los mercados financieros, 2017, Carro de Combate, https://www.carrodecombate.com/2017/03/01/aceite-de-palma-una-industria-modelada-por-los-mercados-financieros/