A teoria do banco de biodiversidade é simples: a natureza não tem um preço e, portanto, os seres humanos não têm incentivo para conservá-la. Enquanto a degradação da biodiversidade ficar sem valor monetário, a destruição da natureza é gratuita e seus efeitos negativos ficam ausentes dos balanços e das análises de custo-benefício das empresas. Ironicamente, foram os ambientalistas que defendiam incorporar a natureza a processos de decisão para “salvar a natureza” que serviram de justificativa para a introdução de análises de custo-benefício na esfera ambiental, nos Estados Unidos, na década de 1980. Desde então, bancos de biodiversidade e instrumentos de mercado semelhantes têm proliferado em todo o mundo. Eles são promovidos por porta-vozes da responsabilidade social, formuladores de políticas, algumas ONGs conservacionistas e economistas ambientais, como soluções progressistas para a permanente perda de espécies e habitats. Mecanismos de mercado, na forma de legislação obrigatória (por exemplo, leis de planejamento que exigem a compensação da biodiversidade) ou instrumentos voluntários (por exemplo, compra para compensação), são usados para precificar a natureza, e, assim, respondem pelos efeitos anteriormente não “contabilizados” das operações das empresas.
No entanto, estudos têm mostrado que, na maioria das vezes, os mecanismos que permitem compensar a destruição da natureza em um lugar e sua restauração ou conservação em outros não levam a uma “perda líquida zero de biodiversidade”. As crenças na restauração da natureza degradada (muitas vezes usada para compensar a destruição de habitats intactos em outro lugar) são excessivamente otimistas. O que geralmente é ignorado por quem defende a “mercadização” da natureza é que a biodiversidade é única e interligada, e não passível de reabastecimento ou troca; ela faz parte de um ecossistema complexo e está embutida em um contexto não apenas ecológico, mas também social, com valores não monetários para as comunidades locais que tendem a ser ignoradas nas políticas de compensação.
O BioBanco Malua – florestas, óleo de dendê, política e orangotangos
O BioBanco Malua é um exemplo de esquema voluntário de compensação da biodiversidade em Sabah, Malásia, e foi o primeiro banco de conservação tropical, criado em 2008. Através da compra de Certificados de Conservação da Biodiversidade que representam 100 metros quadrados de habitat de orangotangos reabilitados e protegidos na Reserva Florestal Malua, empresas e indivíduos podem compensar seu impacto destrutivo sobre a biodiversidade (causado, por exemplo, por operações de extração de madeira ou plantações de dendê). (1)
A Malásia é um dos principais exportadores de óleo de dendê do mundo, e perdeu muito de sua floresta primária para o desmatamento e a conversão de florestas. O BioBanco foi criado pelo departamento florestal de Sabah, em cooperação com uma gestora de investimentos australiana (New Forests Pty Ltd., que administra investimentos em mercados ambientais e, em conjunto com a empresa de gestão de ativos Equador LLC, sediada nos Estados Unidos, gere o Eco Products Fund, um fundo de investimentos de 100 milhões de dólares) e uma ONG malaio-americana, para proteger o habitat dos últimos orangotangos remanescentes em Bornéu. Os Certificados de Conservação da Biodiversidade são registrados na TZ1 Limited (atualmente Markit), um provedor de infraestrutura para mercados de commodities ambientais. O governo do estado é conhecido por suas “abordagens inovadoras à conservação”, mas, ao mesmo tempo, criticado pela extração (ilegal) de madeira, o (repetido) corte prematuro e a conversão de florestas para obter receitas com madeira e óleo de dendê, chegando a alterar a classificação de “áreas protegidas” para “florestas de produção”, para permitir cortar mais madeira e sacrificar o habitat dos orangotangos para o cultivo de dendê para exportação. Além disso, o estado costuma ser considerado demasiado permissivo em relação ao cumprimento das leis sobre poluição do ar e da água por empresas de óleo de dendê, violação dos direitos dos povos indígenas e abuso e exploração de trabalhadores (estrangeiros).
O BioBanco Malua foi concebido como um modelo de negócios com fins lucrativos “para traduzir a conservação florestal em um produto comercializável, para que a conservação da biodiversidade pudesse competir com outros usos comerciais da terra, através da venda de Certificados de Conservação da Biodiversidade”. O investimento na natureza deveria gerar “retornos competitivos” para os investidores. No entanto, em vez de “contabilizar” os vários impactos ambientais das indústrias de óleo de dendê e madeira – ou enfrentar de fato os problemas sistêmicos de consumo excessivo – o projeto lembrava mais uma oportunidade para melhorar ou fazer lavagem verde na imagem de empresas que compraram Certificados de Conservação da Biodiversidade. Os créditos estão sendo comercializados e promovidos em nível internacional. Um dos principais investidores interessados em adquirir créditos foi a Shell International (que recuou durante a crise financeira de 2008).
Por que e como foi criado o BioBanco Malua?
O governo estadual de Sabah depende da agricultura da monocultura do dendê, seu imposto sobre vendas de 7,5% representa quase metade do PIB, e o óleo de dendê se tornou capital transnacionalizado, apoiado por organizações internacionais como o Banco Mundial e a FAO. Desde os tempos coloniais, a indústria da madeira tem mantido relações estreitas com o governo, baseadas em redes de protetores políticos que dão concessões madeireiras a indivíduos-chave, em troca de apoio político. Escândalos de milhões de dólares em torno de concessões madeireiras ilegais, muitas vezes à custa da população local e envolvendo autoridades estatais de alto nível, continuam a ser expostos. Ao mesmo tempo, o negócio de madeira está perdendo relevância à medida que muitas áreas de floresta natural vêm sendo convertidas em plantações de dendezeiros, e o departamento florestal está perdendo uma importante fonte de renda. Portanto, o outrora muito poderoso e rico departamento florestal tem precisado de novas formas de garantir finanças, legitimidade (internacional) e poder – ao mesmo tempo em que sofre pressão internacional para conservar o habitat dos orangotangos. O aumento da tributação, a regulação ou até mesmo a fiscalização e a aplicação da legislação existente para interromper a expansão das plantações de dendezeiros é difícil em termos políticos. Essas circunstâncias históricas, dependências estruturais, bem como relações individuais do departamento florestal com a ONG malaio-americana que propôs a criação do BioBanco, além dos indivíduos envolvidos no departamento florestal com interesse em conservação por motivos financeiros e de imagem, tornaram a criação do BioBanco muito atrativa. No entanto, nem as empresas se convenceram da ideia, e o próprio diretor florestal teve que telefonar para as madeireiras e pedir que comprassem certificados de conservação – supostamente em troca de um tratamento mais frouxo das leis ambientais e um aperto de mão comemorativo por ocasião do lançamento festivo do BioBanco.
Porém, como o BioBanco passou a ser visto como uma solução para o problema da perda de biodiversidade em Sabah (principalmente o habitat de orangotangos)? Foi necessário um novo enquadramento da questão em si. Em vez de reconhecer a economia política internacional do dendê, os problemas associados às grandes monoculturas voltadas à exportação que substituem florestas tropicais de Bornéu, o consumo excessivo e a avidez empresarial, a corrupção em altos escalões e a extração industrial de madeira, a imagem do BioBanco como solução se baseia na apresentação da população (indígena) local como caçadores e extrativistas predatórios, e assim, como a “verdadeira ameaça” à vida selvagem de Sabah. Aposta-se no discurso mais amplo de modernização e de apresentação dos povos indígenas como “retrógrados” e “contrários ao desenvolvimento”, o que permite apresentar os atores empresariais e estatais como “salvadores da natureza”. Essas mesmas empresas de dendê que são conhecidas por ignorar a legislação ambiental, violar os direitos à terra dos povos indígenas e aceitar (quando não apoiar) o abuso e a exploração de seus trabalhadores, bem como a sociedade de investimento australiana, passam a ser vistas como o lado “bom”.
O que isso causa?
É verdade que o BioBanco Malua protege um pedaço do habitat dos orangotangos que tinha sido protegido anteriormente, mas foi ameaçado devido à falta de financiamento por/do departamento florestal. Ao mesmo tempo, a possibilidade de compensar pode legitimar os negócios ambiental e socialmente destrutivos de madeireiras e empresas de monocultura do dendê, entre outras. Portanto, não é capaz de enfrentar as razões subjacentes à perda de biodiversidade em Sabah – ou mesmo contribuir para a redução da pobreza, como costuma ser dito pelos arquitetos da governança neoliberal. As populações locais perderam acesso a um pequeno rio anteriormente usado para a pesca (e guardas florestais armados agora patrulham as fronteiras do BioBanco) enquanto a imagem do departamento estadual como progressista e promotor do desenvolvimento, mas ecologista, é reforçada no exterior e dentro do país.
Ver mais informações em:
http://www.e-ir.info/2015/07/23/biodiversity-banking-
from-theory-to-practice-in-sabah-malaysia/
Andrea Brock, A.Brock@sussex.ac.uk
Doutoranda na Universidade de Sussex, Reino Unido
(1) É importante ressaltar que, ao adquirir Certificados de Conservação da Biodiversidade, os compradores concordam que, formalmente, eles “não representam uma compensação contra o desmatamento ou a degradação [adicionais] de outras florestas”. No entanto, entrevistas mostraram que as compras são entendidas, na prática, como se representassem compensação por danos anteriores, e que as motivações das empresas são garantir boa vontade legislativa e um bom relacionamento com o governo para receber mais concessões (madeireiras) no futuro. Não há razão para supor que a prática atual das empresas não vá continuar.