Neste editorial, queremos reconhecer a contribuição que o povo equatoriano tem dado ao mundo no atual caminho de luta por territórios livres da exploração petrolífera.
Em um referendo nacional em agosto de 2023, venceu por quase 60% o voto Sim para acabar com a exploração petrolífera no Parque Nacional Yasuní, um território amazônico do qual dependem os Povos Indígenas, incluindo alguns em isolamento voluntário. As operações já estavam em andamento, razão pela qual a empresa Petroecuador é obrigada a desmantelar suas plataformas de perfuração e infraestrutura, e ir embora. “Nem um poço a mais!” foi a clara mensagem de esperança que se soma às lutas pela defesa dos territórios e da vida.
Os resultados do referendo são fruto de movimentos comprometidos, diversos e constantes, tendo à frente os Povos Indígenas. Membros do Povo Waoraní formaram uma delegação para viajar a outros territórios e construir laços de apoio com outros Povos Indígenas e setores da população.
Essa conquista importante e esperançosa do povo equatoriano ocorre em um contexto em que as elites internacionais, principalmente as empresas petrolíferas, continuam se agarrando ao poder e aos lucros derivados dos combustíveis fósseis. Não nos esqueçamos de que esses combustíveis são os pilares da economia capitalista globalizada e, portanto, uma indústria estratégica na expansão do capital. Apenas cinco países do Norte Global são responsáveis por mais de metade dos planos para expandir a exploração de petróleo e gás até 2050 (1).
No último mês de setembro, a presidente da petrolífera norte-americana Occidental Petroleum, Vicki Hollub, afirmou num painel de discussão com outros dirigentes das maiores empresas de energia do mundo: “Não creio que a situação atual vá matar a nossa indústria, mesmo que alguns queiram que ela desapareça. Tal como fizemos no passado, encontraremos formas de inovar para sair desta situação em que nos encontramos (…) O maior desafio (…) é conseguir fazer com que as pessoas voltem a confiar na nossa indústria…” (2)
Essa afirmação revela, mais uma vez, que a indústria responsável pelo caos climático e pela devastação de inúmeros territórios e florestas continua implementando estratégias para tentar legitimar seus negócios. Entre outros argumentos, afirmam que o petróleo e o gás agora são “verdes”, “neutros em carbono” (3) ou até mesmo “limpos”. Essas alegações são baseadas em soluções falsas, como projetos de compensação de carbono que são, em sua maioria, inúteis, e pior ainda, prejudiciais para as comunidades, as florestas e o clima. (4) A grande maioria dos projetos de compensação está relacionada a florestas e terras (5), principalmente plantações industriais e áreas de conservação. Isso, por sua vez, é uma ameaça constante aos povos que dependem da floresta. (6)
Neste boletim, compartilhamos artigos que mostram o outro lado dessas estratégias empresariais de lavagem verde: os muitos impactos negativos que as plantações industriais de árvores causam em cidades e territórios no Uruguai, na Índia, no Brasil e em Moçambique. Da mesma forma, outro artigo denuncia o modelo colonial de áreas protegidas, especificamente o Parque Nacional Kahuzi-Biega, na República Democrática do Congo (RDC), e a luta do Povo Batwa para recuperar suas terras ancestrais.
Mais uma vez, são os povos e movimentos de base que mostram coerência e sabedoria na luta pela vida. Somente deixando os combustíveis fósseis no subsolo seremos capazes de avançar em direção a muitos mundos possíveis. A Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) anunciou em um comunicado: “A vitória do Sim significa que, como povo equatoriano, decidimos salvar a vida, nos sensibilizar com nossos irmãos em isolamento voluntário Tagaeri, Taromenane e Dukagaeri, votar Sim para salvar seu território, sua vida, sua soberania alimentar, seus remédios na selva sagrada. O Sim é um respiro para o Yasuní e o Chocó Andino, ecossistemas de enorme biodiversidade. O Equador dá uma contribuição significativa à luta contra as mudanças climáticas. Vencemos nas urnas e elevamos essa mensagem para que outros povos do mundo também possam fazer uso do seu direito, como cidadãos, de proteger a natureza.” (7)
Assim, reiteramos o que afirmou o ativista e ex-ministro de Energia do Equador: “O que precisamos é multiplicar o número de Yasunís em todo o mundo”. (8)
(1) OilChange, 2023, Planet Wreckers: How 20 Countries’ Oil and Gas Extraction Plans Risk Locking in Climate Chaos
(2) CNBC, 2023, ‘We are not in the business of ice cream’: Big Oil CEOs defend themselves against climate criticism
(3) Agência Brasil, 2023, Petrobras lanza la primera gasolina neutra en carbono de Brasil
(4) Ver, por exemplo: The Guardian, 2023, Revealed: top carbon offset projects may not cut planet-heating emissions; REDD-Monitor, 2023, Carbon offset deals in fictitious Carbon Dioxide Removal technologies; Suriname: Real oil and fake offsets; Mongabay, 2022, At a plantation in Central Africa, Big Oil tries to go net-zero,
(5) Ecosystem Marketplace Database
(6) Ver vários artigos e publicações sobre o impacto do REDD sobre os povos da floresta, aqui.
(7) CONAIE, 2023, Celebramos el triunfo del SÍ por Yasuní y el Chocó Andino
(8) David Hill, 2023, ‘What we need is to multiply the number of Yasunis around the world'