Lutando para não submergir: o povo da Ilha Pari, na Indonésia, contra a injustiça

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pari island water

Para muitas ilhas e regiões costeiras baixas, o aumento do nível do mar é um dos impactos mais perceptíveis das mudanças climáticas. A conexão é direta: quanto mais aumentam as temperaturas globais, mais frequentes e extremas se tornam as inundações. A Indonésia, onde mais de quatro milhões de pessoas sofrem com inundações anuais, está particularmente exposta ao aumento do nível do mar, devido ao seu litoral longo e sua posição geográfica. Até onde a água vai subir dependerá do aumento das temperaturas globais. (1)

Ilha Pari

A Ilha Pari (Pulau Pari) fica a duas horas de balsa da movimentada capital da Indonésia, Jacarta, localizada na regência (divisão administrativa) das Mil Ilhas. A regência é muito procurada pelos visitantes da capital, criando oportunidades econômicas para as comunidades locais, que, fora isso, dependem principalmente da pesca.

Sua popularidade levou o governo indonésio a considerá-la uma das “dez novas Balis”. Bali é, provavelmente, o destino turístico mais conhecido da Indonésia. (2) Esse projeto de dez megaempreendimentos, conhecido como KSPN (Kawasan Strategis Pariwasata Nasional ou Área Estratégica de Turismo Nacional), visa melhorar o acesso a dez destinos turísticos através de iniciativas como a construção de novos embarcadouros e aeroportos e a criação de zonas econômicas especiais para atrair investidores estrangeiros. Embora possa parecer bom, esse plano visa favorecer principalmente grandes investidores em detrimento dos pequenos negócios das comunidades locais.

Mas o plano não é a única ameaça enfrentada pelos moradores da Ilha Pari.

Em 2021, as casas e os negócios da comunidade de Pari ficaram debaixo d’água, não uma, mas duas vezes. Em ambas as ocasiões, o mar foi subindo cada vez mais e inundou todas as casas da Praia Estrela, no sudoeste da ilha, e da Praia Virgem, um polo turístico no lado norte.

Embora sempre tenha havido inundações em Pari, a frequência e a intensidade aumentaram muito nos últimos anos. Onze por cento da superfície da ilha já desapareceram no mar.

Bobby, pescador nascido e criado na ilha, lidera uma coalizão chamada “Save Pulau Pari” (Salve a Ilha Pari). A coalizão serve como espaço para as pessoas discutirem o que está acontecendo com elas, em sua ilha, e defenderem seus direitos. “Há alguns anos, ainda podíamos pescar muito mais peixe. Mas o meio ambiente mudou muito nos últimos anos, e os rendimentos foram diminuindo de forma constante. Hoje, existem muito menos espécies de peixes do que há uns poucos anos. Por alguns dias depois das enchentes, eu não pude sair para pescar, pois tinha que ajudar na limpeza da vila e das praias. Eu também tive que consertar o meu barco. A água o levou para a praia e o esmagou contra uma árvore”, explicou Bobby.

As cheias têm várias consequências para a população. As pessoas não conseguem pescar durante as inundações e imediatamente depois, ao mesmo tempo em que suas casas são gravemente danificadas pela água. Além disso, o turismo para, deixando sem renda muitas pessoas que oferecem quartos, alimentação, equipamentos de mergulho, etc. Os poços que fornecem água potável ficam salgados com as inundações, obrigando as pessoas a comprar água potável, o que gera mais pressão sobre a renda dessas famílias.

Durante as enchentes de 2021, Asmania, uma moradora da Ilha Pari, perdeu 300 dos 500 peixes que estavam sendo criados em sistema de aquicultura na costa. Ela expressou sua preocupação “sobre a forma como as mulheres da ilha estão sendo duplamente impactadas pelas mudanças climáticas. A renda familiar está caindo constantemente, mas as mulheres ainda precisam cuidar de suas famílias”.

A luta por sua terra

Os moradores da Ilha Pari sentiram, em primeira mão, a necessidade de proteger suas terras e seus meios de subsistência para que não fossem tomados por empresas e agendas baseadas no lucro.

Em 2015, a empresa PT Bumi Pari Asri (BPA), subsidiária do Grupo Bumi Raya Utama, de propriedade de um conglomerado chamado Adijanto Priosoetanto, tentou controlar mais de 90% da ilha para administrar todas as atividades turísticas. Os outros 10% pertencem ao governo e devem ser usados ​​como área de pesquisa e conservação. As disputas surgiram porque a maioria dos moradores não possui títulos oficiais de terra, embora alguns vivam lá há várias gerações. A Ilha Pari é uma entre algumas dezenas de ilhas afetadas pela privatização desenfreada do turismo promovido por empresas. (3)

Desde então, várias pessoas foram criminalizadas sob a alegação de estarem ocupando ilegalmente a terra, e outras foram obrigadas a pagar aluguel à empresa, (4) que, enquanto isso, tomou conta da praia chamada Pasir Perawan, uma área fundamental para o turismo das comunidades. Em consequência disso, ao tentar fazer a gestão da praia, os moradores enfrentam intimidações.

No processo de resistência a essa tomada da terra por empresas, as mulheres assumiram um papel importante no enfrentamento aos guardas de segurança. A comunidade criou uma rede poderosa em torno delas e encontrou o apoio de muitas organizações e ativistas nacionais, sob a Coalizão “Salvemos Pulau Pari”. (5)

Moradores e aliados conseguiram contestar o processo de obtenção de títulos de propriedade pela empresa e que o Ouvidor Nacional de Justiça declarasse que o processo envolveu má administração. Eles também conseguiram contestar a prisão de vários moradores, que acabaram sendo libertados. (6) A Agência Nacional de Terras revisou o procedimento, e se espera que restabeleça os direitos legítimos das comunidades na Ilha Pari, mas o processo ainda está em andamento. (7)

Outra injustiça sofrida nas mãos de grandes empresas

Além dessas lutas contínuas, os moradores da Ilha Pari precisam enfrentar outra injustiça que ameaça a própria sobrevivência das terras e dos manguezais dos quais cuidam e que protegem há gerações.

Os 1.500 habitantes da ilha não contribuíram para a crise climática, mas estão sofrendo as consequências. É por isso que essa crise é uma questão não apenas de poluição, mas também de justiça. Ao mesmo tempo em que os maiores responsáveis ​​pela poluição e destruição que causam a crise climática estão relativamente isolados de seus impactos, quem menos contribuiu provavelmente sentirá os efeitos de forma mais significativa. Edi, pescador e proprietário de uma pousada na Ilha Pari, explica: “Um punhado de pessoas está destruindo o meio ambiente para seu próprio benefício pessoal. Mas isso está afetando gravemente outras pessoas como nós aqui na Ilha Pari.”

O fato é que a real responsabilidade pela crise climática e, portanto, pelos impactos sentidos principalmente no Sul global, está longe da Ilha Pari, cabendo principalmente aos países ricos do Norte, e às grandes empresas multinacionais localizadas lá.

Essa é a razão pela qual Bobby, Arif, Edi e Asmania, todos moradores de Pari, estão buscando justiça em nome de toda a ilha. Eles estão entrando com ações na justiça contra uma das maiores emissoras de dióxido de carbono do mundo e, portanto, uma das principais responsáveis ​​pela situação em que se encontram: a cimenteira Holcim. Eles entraram com um pedido de conciliação em Zug, na Suíça, onde fica a sede do grupo Holcim.

A Holcim é a principal fabricante de cimento e uma das 50 maiores empresas emissoras de dióxido de carbono do mundo. Um estudo mostra que a empresa suíça emitiu mais de sete bilhões de toneladas de dióxido de carbono entre 1950 e 2021. Isso é mais que o dobro da quantidade gerada pela Suíça como um todo durante o mesmo período. (8) Devido ao excesso de emissões durante décadas, a empresa tem boa parte da responsabilidade pelas mudanças climáticas.

Os moradores da Ilha Pari não estão sendo enganados pelas tentativas de lavagem verde da Holcim. O Relatório Climático da empresa para 2022 faz um chamamento a uma “jornada líquida zero”, com afirmações sobre “prédios com emissão líquida zero”, “concreto com emissão líquida zero”, “produtos neutros em carbono”, “construção neutra em carbono”, entre muitos outros. (9) Todo esse palavreado esconde o fato de que a empresa poderá continuar se expandindo (e poluindo) enquanto alguns projetos alegam estar compensando a poluição em outros lugares. A realidade das compensações está muito longe da ilusão que vende. A compensação é uma ferramenta para as grandes empresas continuarem lucrando com um sistema capitalista viciado em combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que gera impactos locais devastadores nos lugares onde esses projetos estão sendo estabelecidos. (10)

Por exemplo, o EvopactZERO, “o primeiro concreto neutro em carbono da Suíça”, (11) desenvolvido pela Holcim, afirma ser neutro em carbono porque o CO2 emitido na sua produção é, supostamente, compensado por projetos na Suíça ou na Índia, da carteira da South Pole, uma empresa de consultoria em finanças de carbono.

Esta é a primeira vez que se exige que uma empresa suíça assuma a responsabilidade jurídica por seu papel na crise climática. A ação é apoiada pela Swiss Church Aid HEKS/EPER, pela ONG indonésia WALHI e pelo Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR). Junte-se e apoie os moradores da Ilha Pari em sua luta contra os impactos reais e diretos da crise climática:

Assine o documento pedindo a responsabilização da Holcim, aqui: www.callforclimatejustice.org/call

 

(1) Essa informação e os testemunhos contidos neste artigo são provenientes da campanha “Call for Climate Justice”, exceto quando informado nas referências. Veja a campanha aqui.
(2) Archyde, Ten new Balis: Indonesia is planning controversial mega-projects for tourism, 2021.
(3) AASYP, Save Pulau Pari: the risks of increased tourism in the ASEAN region, 2019.
(4) KIARA, Residents fight for land ownership on pari Island, 2017, and Environmental Justice Atlas, Locals against the privatization of the Pari island (Pulau Pari), Indonesia, 2019.
(5) Land Rights Now!, Save Pulau Pari!.
(6) Idem (3)
(7) Walhi, Kembalikan Hak Konstitusi dan Hak atas Tanah kepada Warga Pulau Pari !!!, 2020.
(8) Richard Heede, Carbon History of Holcim Ltd: Carbon dioxide emissions 1950-2021, Climate Accountability Institute, 2022.
(10) Boletim do WRM, n. 254, Compensação de biodiversidade e corredores de biodiversidade na Ásia: destruição e proteção da natureza atuando em conjunto,
(11) South Pole, Case Study: Holcim and Switzerland’s first carbon-neutral concrete.